O 21º Congresso do PS fechou. Houve altos e baixos, tendências e forças que se revelaram, outras que se confrontaram. Não houve grandes surpresas, mas os socialistas saíram quase todos mais socialistas, embora um deles tenha regressado ao norte ainda menos alinhado, muito isolado e pessimista. Nem ouviu o apelo do líder ao otimismo. Descubra aqui os eleitos do PS pelo Observador. Um deles não é uma pessoa, é uma coisa, por isso imagine que se trata de uma categoria técnica.
Prémio “Figura do Congresso” – Francisco Assis
A senha 41 era a mais esperada. Quando o número da sua vez para falar apareceu no écran gigante, Francisco Assis subiu ao palanque e quebrou o consenso socialista em torno da “geringonça”: “Assumo uma posição muito crítica”, assumiu. Francisco Assis entrou como derrotado. Acabou por ser um crítico-útil para o congresso não ser uma missa. Mas foi o único que teve a coragem de enfrentar um congresso que já sabia que lhe ia ser hostil. Resta saber quantos socialistas concordam com ele. O próprio sabe que não são muitos.
“É certo que ela [a “geringonça”] nos permitiu chegar ao poder”, mas permitiu a “outros partidos condicionar decisivamente” o PS, argumentou Assis. Foi assobiado. Ligeiramente apupado. E ainda mais ligeiramente aplaudido. Falou sozinho. Viu-se abandonado pelos seguristas, que nunca se constituíram como tendência, muito menos desta vez na FIL. Protagonizou um dos poucos momentos que valeram a pena. Foi quase pungente ouvi-lo lamentar o “elevado grau de isolamento” a que foi votado no partido: “Não é uma situação agradável ou sequer fácil para alguém que confundiu grande parte da sua vida pessoal com a vida do PS”.
Procurou demonstrar que o PS e os partidos que o apoiam são como água e azeite, sobretudo na Europa: “Na avaliação do projeto europeu e no fenómeno da globalização, não se vislumbram coincidências ou sequer uma aproximação dos partidos da extrema-esquerda”. Assis definiu a Europa como tema essencial, embora as posições europeias do PS de António Costa também estejam muito distantes das suas. “Há uma contradição a que atribuo especial importância. A extrema-esquerda permanece fiel à velha retórica anti-europeia, e o PS deve combatê-la com a mesma veemência com que o fez ao longo da democracia”. Para Assis, o “virús” que neste momento precisa de antídoto é “o radicalismo anti-europeu que regressa a Portugal”.
Prémio Pagador de Promessas – António Costa
Este foi o primeiro Congresso Socialista desde a derrota de António Costa na noite eleitoral de 4 de outubro de 2015, em que perdeu ganhando o Governo. Daí para cá muito mudou. O secretário-geral do PS tornou-se primeiro-ministro graças à aliança parlamentar de esquerda. Uma “geringonça” de que muitos, incluindo alguns militantes socialistas, duvidaram. Por isso mesmo, Costa quis fazer deste conclave a prova de que o PS está a fazer aquilo com que se comprometeu. O lema do Congresso, de resto, não podia ser mais claro: “Prometemos, cumprimos”.
Se ainda alguém tinha dúvidas, Costa quis desfazê-las e levou para o Congresso cerca de três dezenas de promessas cumpridas — o fim das taxas moderadoras no aborto, a reversão da privatização da TAP e das concessões nos transportes do Porto e de Lisboa, a reposição dos rendimentos mínimos sociais (CSI, RSI e abono de família), a eliminação gradual da CES, a atualização das pensões, o aumento do salário mínimo, a devolução dos cortes salariais ou a reposição das 35 horas.
Era preciso fôlego para enumerar todas as promessas cumpridas, mas nem isso impediu Costa de deixar uma mensagem para o futuro: “Podemos dizer com tranquilidade que cumprimos e vamos continuar a cumprir [os nossos compromissos] até ao final desta legislatura.”
Prémio “Malhar na Direita” – Na verdade, há muito por onde escolher…
Não, Augusto Santos Silva, que em 2009 admitiu que o que gostava “era malhar na direita”, desta vez não entra no lote. Mas nem por isso deixam de existir bons candidatos ao prémio. Aliás, o que mais se ouviu durante o Congresso socialista foi que o PS nunca poderia ter ficado “refém” da direita. Material não falta. Ainda assim, aqui fica uma seleção das maiores malhações no anterior Governo PSD/CDS:
“A direita portuguesa tomou como suas as dores do neoliberalismo europeu, com consequências devastadoras para proteção das pessoas. Eles conduziram [o país] como falsos curandeiros a um declínio social e económico” — Carlos César, presidente do PS.
“Quem radicalizou a vida política portuguesa foi a direita [com um projeto] ultra-radical que pôs em risco o Estado Social” — Manuel Alegre, histórico socialista.
“Os adversários [do PS] são os partidos da direita austeritária, as forças conservadoras e os novos populismos da direita” — Ana Catarina Mendes, secretária-geral-adjunta do PS.
“A minha geração perdeu quatro anos com a direita no poder”, a “direita mais radical da nossa democracia”, uma direita em “estado comatoso”, entregue à “cartilha neoliberal” — João Torres, líder da JS.
Prémio “Best Frenemy” – José Pacheco Pereira
É uma expressão que os americanos costumam usar. Os amigos-inimigos, os friends que são enemies, os frenemies (que já deu o título a um filme) são pessoas que por serem adversários não deixam de ser amigos. Ora é o caso de José Pacheco Pereira. Amigo de António Costa, parceiro de comentário na Quadratura do Círculo, marcou o congresso ao participar num debate com Ana Drago e Pedro Silva Pereira.
Foi o pin na lapela de Costa. Um dos momentos altos. O adversário conveniente falou ao congresso sem participar no congresso, para dizer coisas que os socialistas queriam ouvir. Sobre a Europa neoliberal; sobre o Tratado Orçamental; sobre a “geringonça”; sobre a social-democracia; sobre o PSD que deixou de ser social-democrata. Impensável no tempo, por exemplo de José Sócrates, Pacheco Pereira aceitou estar perante a plateia socialista, no fundo, a dizer o que tem dito nos últimos tempos. No seu partido, sobretudo na linha que agora domina o PSD, dificilmente teria direito ao prefixo de friend no conceito de amigo e adversário. Aguardam-se as repercussões internas.
Prémio “Best Friends Forever” – A “Geringonça”
Uma nota curiosa que demonstra bem que o ‘amor’ está no ar no reino de António Costa: quando o líder socialista acabou de falar, no primeiro dia de Congresso do PS, ouviu-se um tema romântico do filme “Love Actually” (“O Amor Acontece”, na versão portuguesa). A metáfora perfeita para comprovar que a “geringonça” está bem e recomenda-se.
E esse foi o grande filão do 21º Congresso do PS. De Porfírio Silva a Manuel Alegre, passando por Ana Catarina Mendes, João Galamba e Pedro Nuno Santos, entre militantes mais ou menos reconhecidos, quase todos subiram ao palco para elogiar a coligação à esquerda, por contraste aos perigos de uma possível, mas evitada, deriva à direita. Até Álvaro Beleza, uma das vozes mais ativas na ala segurista contra a fórmula encontrada por António Costa, reconheceu que a “coligação tem sido sólida” e que se tem “notado um esforço por parte desses partidos para serem mais responsáveis”.
Mas seria António Costa a manifestar de forma mais expressiva o reconhecimento ao trabalho desenvolvido pelos três parceiros parlamentares. “Quero e devo fazê-lo: saudar o Bloco de Esquerda, o PCP e o PEV, pela coragem que também tiveram em celebrar estas posições conjuntas. Foi difícil para nós, mas foi certamente difícil para eles.”
Prémio “Socialista do Ano” – Ana Catarina
Ana Catarina Mendes já é mais do que o braço direito do líder socialista. Nesta altura é mesmo os dois braços. António Costa escolheu-a para o representar no partido quando passou a primeiro-ministro e o PS elegeu-a por uma esmagadora maioria de votos para o cargo de secretária-geral adjunta.
Passou a ser a número dois do líder que não prescinde dela no núcleo duro socialista, chamando-a até para as reuniões de coordenação política que tem no Governo. Deste Congresso sai também como cabeça da lista de António Costa à Comissão Nacional do PS (que foi eleita com mais uma esmagadora maioria de votos). Os elogios à sua prestação passaram por várias vezes sobre o palco do Congresso e Costa firmou-os com um longo abraço, após o seu discurso final. Está firmada no presente e bem colocada para o futuro socialista.
Prémio “Saudade” – António Guterres
Foi uma das presenças mais aguardadas e aplaudidas deste Congresso. Longe do dia-a-dia partidário desde que assumiu o cargo de Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, António Guterres voltou à casa socialista para desejar “os maiores êxitos” a “António Costa, ao PS e a Portugal”.
“Vocês não imaginam as saudades que eu tinha de aqui estar”, confessou, para receber um grande aplauso dos militantes socialistas — um dos maiores dos três dias de Congresso.
Com a corrida para o cargo de secretário-geral da ONU na calha, Guterres lá confessou que talvez não pudesse voltar a participar em Congressos do PS tão cedo. “Corro o risco, se as coisas correrem bem, do mesmo vir a suceder no futuro”. O futuro o dirá.
Prémio “Inovação e Empreendedorismo” – Ticket-palanque
Era uma das dores de cabeça recorrentes em anteriores congressos: como era a mesa do Congresso quem definia a ordem das intervenções, muitos militantes queixavam-se de que não tinham oportunidade para falar ou que falavam tarde e más horas, quando já pouca gente tinha disposição para ouvir o que quer que fosse.
Em 2014, de resto, no XX Congresso do Partido, Francisco Assis, que apoiou António José Seguro nas primárias contra António Costa, decidiu abandonar o conclave, desagrado por ter não ter qualquer indicação sobre a que horas discursaria.
Desta vez, o partido decidiu inovar: os delegados que quisessem intervir, tinham de tirar uma senha e as intervenções seriam ordenadas de acordo com o número da senha. Um modelo certamente mais democrático e que foi sugerido por António Costa a Ana Catarina Mendes.
Prémio “Silêncio Dourado” – Sérgio Sousa Pinto
Era um dos dois socialistas que o PS esperava ouvir criticar a atual solução governativa. Afinal, Sérgio Sousa Pinto até saiu da direção do partido em rutura com António Costa logo depois das eleições e já fez declarações públicas arrasadoras dos socialistas rendidos à esquerda radical. Os condimentos estavam todos lá, mas à ultima hora Sérgio Sousa Pinto acabou por remeter-se a uma espécie de clandestinidade e não falou no palco do Congresso.
Explicou que, no dia anterior, Ana Catarina Mendes o tinha convidado para integrar a Comissão Nacional, o órgão máximo entre congressos, invocando o “interesse do partido”. E disse que aceitou. Apesar da divergência forte que tem com António Costa, Sérgio Sousa Pinto quis manter-se nos órgãos do partido. Os jornalistas perguntavam-lhe se se tinha ganho um dirigente nacional e perdido um crítico, mas a relação direta incomodou Sousa Pinto que, irritado, atirou a quem perguntava: “Acha? Acha?”.
Prémio “Costumes” – João Torres e Maria Antónia Almeida Santos
Este prémio deve ser dividido por dois militante socialistas: João Torres, líder da jota, e Maria Antónia Almeida Santos, deputada, vice-presidente da Comissão Parlamentar de Saúde e filha do histórico socialista António Almeida Santos.
O líder da Juventude Socialista (JS) levou para o Congresso Socialista três moções setoriais onde defendeu a legalização das drogas leves, a regulação do trabalho sexual e a limitação proporcional dos salários dos gestores. “Estas não podem ser rotuladas causas fraturantes do século XXI. São causas estruturantes da nossa sociedade”, proclamou João Torres.
Maria Antónia Almeida Santos, por sua vez, foi à FIL defender um debate urgente em torno da despenalização da eutanásia. “Sabemos que é complexo e é difícil discutir esta matéria, porque exige de todos nós o desprendimento das conceções éticas e religiosas de cada um, mas não se trata de instrumentalizar a vida”, mas este é passo que tem de ser dado para garantir a “autonomia do direitos individuais”.
Estas e outras moções setoriais vão ser discutidas na reunião da Comissão Nacional do partido (órgão máximo entre congressos) o que significa que a agenda fraturante deverá marcar, muito provavelmente, a agenda do partido nos próximos tempos.