A 8 de junho, o Banco Central Europeu (BCE) enviou uma carta à Caixa Geral de Depósitos (CGD) onde dizia, preto no branco, que o banco público necessitava “urgentemente de desenvolver e apresentar ao BCE um plano alternativo” à recapitalização pública do banco. Esta segunda-feira, o Governo admitiu o teor da carta, mas desmente categoricamente a existência de qualquer plano alternativo. E explica: as “conversações” que foram mantidas com os responsáveis europeus permitiram esclarecer dúvidas do BCE.

Ao Observador, fonte oficial do Ministério das Finanças lembra que a carta em questão foi enviada a 8 de junho de 2016 e que, daí para cá, foram mantidas “inúmeras conversações” entre as partes envolvidas — BCE, Ministério das Finanças, Governo e CGD. Se, na altura, o BCE fez uma recomendação para que fosse encontrado um plano alternativo para a recapitalização da Caixa, hoje o entendimento do BCE “seria diferente”, admite o gabinete de Mário Centeno.

Nesse sentido, reitera o Ministério das Finanças, hoje, “um mês e meio” depois do envio da carta, “não há qualquer exigência” de “apresentação de um plano alternativo” para a recapitalização do banco público.

O que diz, na íntegra, a carta do Banco Central Europeu?

O Observador teve acesso à carta que o Banco Central Europeu enviou aos administradores da Caixa Geral de Depósitos (a CGD). Nessa carta, os responsáveis do BCE deixam claro que a CGD precisa de desenvolver com urgência e apresentar ao BCE um plano alternativo para preencher as necessidades de capital, caso a recapitalização por parte do governo não seja possível”. E levantam uma série de questões.

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A carta na íntegra

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Leia aqui a carta enviada pelo BCE à Caixa Geral de Depósitos.

“O objetivo da carta é o de chamar a atenção para alguns pontos importantes relacionados com o processo de nomeação e escolha dos novos membros do Conselho de Administração e da Comissão Executiva da Caixa Geral de Depósitos.

Numa reunião realizada a 31 de maio de 2016 em Lisboa, o sr. [José de] Matos [presidente executivo da Caixa] mostrou preocupação com a atual situação, em que existe um risco potencial de que a Comissão Executiva não seja capaz de gerir o banco e as suas subsidiárias de forma eficaz porque os mandatos de todos os membros do Conselho de Administração expiraram ao mesmo tempo em dezembro de 2015 e dois administradores executivos do atual conselho de administração demitiram-se.

As demissões recentes deixam a Comissão Executiva com apenas quatro membros, que é o número mínimo para a existência de quórum. Além disso, na Assembleia Geral de 25 de maio de 2016, os atuais membros do Conselho de Administração fizeram uma declaração a exprimir preocupação sobre a demora e a incerteza à volta do processo de escolha dos novos membros do Conselho de Administração e da Comissão Executiva.

Também estamos preocupados com a possibilidade de o banco estar numa situação potencialmente perigosa devido à falta de uma liderança e de uma direção estratégica. Embora não tenhamos recebido os devidas processos de qualquer candidato, os meios de comunicação social portugueses já começaram a escrever notícias sobre a possível composição do Conselho de Administração e da equipa de gestão da CGD. Em relação a essa questão, enfatizamos os seguintes pontos:

  • Deve ser implementado um plano de sucessão formal para garantir que os mandatos de todos os membros do Conselho de Administração e da gestão não chegam ao fim (outra vez) ao mesmo tempo. De acordo com as melhores práticas, os mandatos dos membros do Conselho de Administração devem ser escalonados, tal como já está previsto nos estatutos da CGD. Isto evitaria que se repetisse a atual situação, em que os mandatos de todos os membros do Conselho de Administração expiraram ao mesmo tempo, em dezembro de 2015.
  • Quanto à dimensão do Conselho, um número excessivamente alto de membros pode dificultar as discussões. O SSM espera que a dimensão do Conselho não afete de forma negativa o seu funcionamento. Em relação a este ponto, desencorajamos a CGD de ter [uma administração com] mais do que 15 membros. As melhores práticas internacionais, que também estão vertidas no artigo 88 (1) (e) do CRDIV, tornam claro que os cargos de Chairman e de CEO não devem ser exercidos pela mesma pessoa.
  • Na nossa opinião, o governo devia meditar sobre a melhor forma de assegurar que os seus interesses, enquanto dono do banco, estão representados no Conselho de Administração. Um exemplo da importância deste tema é a situação recente, em que o acionista nem sempre respondeu de forma rápida ou exaustiva às dúvidas e questões estratégicas com impacto no banco (por exemplo, planeamento de sucessão e de capitalização).
  • Tendo em conta a dimensão e a complexidade do banco, a fragilidade da sua situação financeira, e as questões de supervisão e de governance que precisam de ter resposta, o Conselho de Administração e a nova equipa de gestão deviam ter experiência, conhecimento e um currículo de sucesso nas seguintes áreas: (i) racionalização e corte de custos; (ii) reduzir o nível alto de crédito em risco e outros ativos não rentáveis; (iii) corrigir e prevenir falhas de controlo interno e de cumprimento de regulação; (iv) tornar mais robustos os mecanismos de controlo interno; (v) promover a interação e uma colaboração eficazes entre os elementos executivos e não executivos do Conselho de Administração, incluindo a Comissão de Auditoria e a Comissão de Risco; (vi) gerir e controlar de forma eficaz a rede de operações no exterior; (vii) garantir que o banco tem uma estrutura sólida de tecnologias de informação.

Por fim, devido às incertezas significativas que rodeiam a recapitalização do banco pelo governo (questões relativas à ajuda estatal, preocupações fiscais), a CGD precisa de desenvolver com urgência e apresentar ao BCE um plano alternativo para cobrir as necessidades de capital, caso a recapitalização por parte do governo não seja possível.

Pedimos-lhe que entregue uma cópia ao acionista do banco logo que possível.”