Algumas empresas estão a exigir aos estagiários que participam em programas de estágio do IEFP (Instituto do Emprego e Formação Profissional) que devolvam parte dos seus rendimentos, escreve esta segunda-feira o Jornal de Notícias. Dos 691 euros que um estagiário com licenciatura recebe por mês, entre 20 e 35% é financiado pela empresa em que é feito o estágio, sendo o restante suportado pelo IEFP. É essa percentagem financiada pela empresa que os patrões estarão a exigir de volta. Alguns estagiários estarão também a ser forçados a suportar a taxa social única (TSU), de 23,75% sobre a bolsa de estágio, e que é da responsabilidade do empregador.
A denúncia partiu do presidente do Conselho Nacional da Juventude (CNJ), Hugo Carvalho. “Têm chegado ao nosso conhecimento inúmeras denúncias ao longo do tempo, mas não podemos fazer nada. Os jovens não querem avançar com queixas junto das autoridades, porque agem em conluio com as empresas e sabem que eles próprios estão a cometer uma ilegalidade”, disse o responsável ao Jornal de Notícias. Estes casos são mais frequentes na arquitetura, no pequeno comércio, na advocacia e na psicologia, de acordo com o jornal. O presidente do Conselho Nacional da Juventude acrescentou ainda que os jovens “atualmente já nem têm consciência de que o que estão a fazer é errado, porque todos o fazem no final do curso, como forma de ingresso no seu setor de atividade profissional”.
De acordo com Hugo Carvalho, que falou esta manhã à RTP3, “todos os meses, depois de receberem o seu salário de estagiário, vão ao multibanco, levantam em numerário cerca de 150 euros [correspondente à comparticipação da empresa], e entregam em numerário às entidades promotoras do estágio”. O responsável garante ainda que se trata de “centenas de casos”, mas que os jovens “têm medo de dar a cara, de não conseguir fazer o seu estágio”. Hugo Carvalho explicou ainda que o CNJ já conversou com o IEFP, que se mostrou “disponível para tentar encontrar uma solução”. Para o líder do CNJ, “é natural” que o IEFP não tenha conhecimento dos casos, visto que “ninguém sabe o que acontece ao dinheiro”.
Ao Jornal de Notícias, o IEFP disse não ter conhecimento deste assunto. “O IEFP está atento a fenómenos do género que possam ocorrer e apelamos a quem tenha conhecimento de alguma irregularidade, ou seja vítima dela, que a denuncie de imediato aos nossos serviços”, informou o instituto. Esta tarde, em comunicado, o instituto veio mostrar-se “atento a fenómenos de abuso e de utilização irregular de apoios que possam ocorrer nas medidas de política ativa de emprego, e em particular de estágios”. No comunicado lê-se que “o IEFP só pode atuar relativamente a casos concretos de irregularidade quando estes sejam detetados ou quando existir informação que habilite os serviços do Instituto a desencadear os procedimentos adequados”.
Quem já confirmou ter conhecimento destes casos foi a Ordem dos Psicólogos, que criou uma equipa específica para fiscalizar as 3.500 empresas da área que recebem estagiários. À RTP, Telmo Baptista, bastonário da Ordem, explicou que já interveio numa situação. “Cancelámos inclusivamente o protocolo de estágio com essa instituição”, explicou o responsável, apelando ainda que os jovens façam chegar essas situações à Ordem. “Nós temos meios de atuar”, garante.
A Ordem dos Arquitetos declarou ao Jornal de Notícias não obter “qualquer informação sobre a atribuição de subsídio à remuneração do estágio”. Também a Ordem dos Engenheiros afirmou desconhecer estes casos, e prometeu “condenar e denunciar publicamente qualquer ocorrência de que lhe chegue informação”. A bastonária da Ordem dos Advogados, Elina Fraga, garantiu também não ter recebido qualquer queixa, e afirmou: “Essa prática é completamente ilegal. Se a Ordem tiver conhecimento de que tal acontece em algum escritório de advogados, remete o caso para o órgão disciplinar”.
Já Hugo Carvalho explica que o IEFP não foi informado de quais as empresas que têm esta prática, para “não quebrar o sigilo com os jovens”. O líder do CNJ diz não acreditar “que seja este o caminho”, pois “se uma empresa for denunciada, as entidades empregadoras vão perceber de onde veio a queixa”. O responsável defende que é necessário “despenalizar estes jovens, não os incriminar”, para permitir que eles possam fazer a denúncia. Hugo Carvalho lamentou ainda que a denúncia tenha de ser feita desta foram, acrescentando que o CNJ está “há duas legislaturas à espera de ser incluído na Concertação Social”. “A única forma que temos de fazer estas denúncias é no espaço público, no espaço que a comunicação social nos dá”, concluiu o responsável.