Luís Filipe Vieira não dá tantas entrevistas quanto antes — longe vão os dias em que “invadiu” o estúdio da SIC Notícias por discordar dos comentários que dele e do Benfica se faziam num programa.
Hoje, o Benfica é campeão. Foi-o nos últimos três anos. Envolve-o, a Vieira, uma estrutura (e esta é palavra que se repete, envaidecidamente e várias vezes, dentro do clube e para fora dele) que o próprio escolheu, uma estrutura que permitiu ao Benfica vencer, vender jogadores por valores nunca (ou raramente) praticados em Portugal, comprar outros tantos por milhões que antes não haviam. Vieira orgulha-se de ter reerguido o Benfica, desportivamente e enquanto marca — só assim se conseguiram alcançar os contratos de publicidade assinados recentemente, com a NOS ou com a Emirates. Ele que conta 15 anos de Benfica, os primeiros como diretor desportivo de Vilarinho, os últimos 13 na cadeira da presidência.
Mas Vieira voltou a dar uma entrevista. Longa, muito longa, que começou na TVI, pela hora de jantar, e se prolongou noite dentro na TVI24. Uma entrevista ao longo da qual não acrescentou nenhuma novidade em relação ao que dele se ouviu nos últimos anos. Mas falou, precisamente, dos últimos anos. E de como tudo mudou com a sua chegada ao clube.
“O Benfica está hoje mais forte. Queremos continuar a afirmação na Europa e conseguir o tetra. O Benfica tem que fazer história. Nunca conseguiu um tetra e tem que o conseguir.”
O presidente do Benfica falou também de como quer chegar à “história”. E quer chegar com a prata da casa: o Seixal. “O Benfica está muito mais novo e vai ficar ainda mais, a cada ano que passa. Está devidamente apetrechado no Seixal para todas as posições. Há uma mudança do paradigma no Benfica com a entrada do Rui Vitória, que está identificado no terreno. Ele conhece todos os jogadores do Seixal. As pessoas não se podem esquecer que o centro de estágio do Seixal tem 10 anos. Veja-se o que já se produziu desde então! Vamos ter uma equipa com a identidade Benfica. Há um trabalho base que está a ser feito. Há cá mais ‘Renatos’…”
A pergunta impunha-se. O trabalho está feito e Vieira orgulha-se dele. Mas vai continuar no Benfica? “Se vou continuar? Se me quiserem lá… Pelo menos vou-me candidatar. A maior meta que tenho é provar que se consegue fazer um Benfica made in Benfica.” E insistiu no Seixal, qual porta-bandeira de um futuro mandato: “Vamos fazer um grande investimento no Seixal, aumentar a capacidade e fazer melhoramentos. Para mim, o menino dos meus olhos vai ser o Seixal. O que mais quero é ter mesmo uma equipa à Benfica.”
Transferências. O Renato “louco” pelo Benfica — e a transferência louca que será a de Jiménez. Ahhh, e os “flops”
Luís Filipe Vieira não apontou um só nome. Não quis individualizar à TVI. Mas garantiu que no Seixal “há mais Renatos”. Disse-o várias vezes. Mas quanto a Renato Sanches: a venda era inevitável? “O Renato é um benfiquista louco. Agora, quando ele recebe a proposta [do Bayern], como é que ele ia ficar no Benfica? Íamos estar a estragar-lhe a carreira.” E quem o vai substituir? “Substituto de Renato? Achamos que o que temos em casa chega para nós. Temos o André Horta, que estava identificado há muito tempo, que tem qualidade técnica. O Danilo também faz de oito…”
Mas nem só de vendas falou Vieira. Também falou de compras, das que fez para esta época, das que fez antes — as boas e as más. Começando pelas más. Ou “flops”, como lhes chamou. “Temos dois flops e não vale a pena estarmos a fugir a isso: Ola John e Djuricic. O Rui Costa, coitado, acreditava tanto no Djuricic que até lhe deu a camisola dez — e para ele a dar assim… São jogadores que não têm qualidade? Têm, só que não se ambientaram ou algo do género.” Mas aquele que mais atravessado lhe está é Taarabt. E culpa-se: “Eu e o Rui [Costa] vimos o jogador e não vamos estar com coisas: a culpa é dos dois. Estava ali um jogador que, em termos técnicos, é notável. Ele chegou cá com seis quilos a mais. Agora está no peso certo. Mas depois da entrevista que deu [ao jornal L’Equipe, onde é crítico da situação que vive no Benfica e da falta de oportunidades com Rui Vitória], não volta a vestir a camisola do Benfica”, atirou Vieira.
Mas nem tudo é mau. Para Vieira, o mexicano Jiménez foi caro [22 milhões de euros], mas valerá muito mais do que o que custou. Desportivamente já valeu. “Se o Benfica foi campeão, muito o deve aos golos dele. Se chegou aos quartos da Champions, também. Estou convencido que este ano ele vai justificar todo este investimento. Acredito que ele vá ser dos avançados mais temidos. O meu feeling é que ele vai ser a mais cara transferência do futebol português. Não posso abrir o jogo todo, mas daqui a uns meses vão-me dizer: como é que ele teve aquela visão? Não é só feeling; é estar bem informado.”
Depois de Jiménez, a mais cara contratação da época: Rafa. Lá diz canção popular: Todos me querem e eu quero alguém / Quero o meu amor / Não quero mais ninguém. E Rafa, garante Vieira, só quis o Benfica. “O Rafa disse que só jogava no Benfica ou ficava no Braga; a partir daí, não o pudemos deixar escapar. Pagámos 16 milhões por ele, mas pagávamos 17 — ou mesmo os 20 — por ele. O que se passou com o Rafa foi muito simples: os três [Benfica, FC Porto e Sporting] queriam o jogador. O decisivo nisto chamou-se Rafa. Não sabemos se ele vai ser caro ou barato. Em termos desportivos, é um jogador que atua em três posições, tem raça, é português, tem todas as condições para render no Benfica.”
Quem pouco renderá esta época, “tapado” que está por Lindelof e Jardel no onze, é Luisão. Mas afinal, foi ou não o capitão “empurrado” para fora do clube? A resposta de Vieira é “não”. E lembra que, titular ou não, Luisão é importante ao clube e ao balneário.
“Ele [Luisão] está forte e feliz no Benfica. Está em fim de contrato e daí o que tem pairado. Tenho uma relação com o Luisão que não tenho com mais nenhum: é meu amigo. Nunca haveria um ‘vai-te embora’. Ele é — e será sempre — o capitão, jogue ou não. É impensável que alguém aqui quisesse correr com o Luisão. Há tanta mentira todos os dias no futebol. O Luisão não acabou e vai provar isso a toda a gente. Compete-lhe a ele e ao treinador as escolhas, mas que ele é líder do Benfica, disso não há dúvida nenhuma.”
Os rivais. Perdão: Jesus, Sporting e Bruno
Falou-se sobretudo do Benfica. Não podia ser de outra forma. Mas também se falou de adversários. Mais do Sporting que do FC Porto. É que com Pinto da Costa, Vieira fala. Com Bruno de Carvalho? “Tenho respeito para com quem trabalhou comigo, inclusivamente havendo divergências. Os presidentes do Sporting e do FC Porto foram eleitos pelos sportinguistas e pelos portistas. Por exemplo, quando foi preciso resolver o problema da Liga, eu sentei-me com o senhor Pinto da Costa. Até lembrámos situações antigas. Bruno de Carvalho? Eu sento-me à mesa com qualquer um, se o negócio for o futebol. No resto, deixem-me andar com quem eu quiser…”
Em entrevista a Luís Filipe Vieira, o tema “Jorge Jesus” vem sempre à baila. Foram seis anos de trabalho conjunto e de títulos.
“Não tenho nada a apontar ao Jorge Jesus. Até ao dia em que saiu — que foi por opção própria dele. É um excelente profissional, está na história do Benfica e daí ninguém o tira: ganhou três campeonatos e até podia ter ganho mais. Mas esse é um capítulo encerrado para mim.”
Mas Vieira também garante que nem tudo foram “rosas” na estadia de Jesus no Benfica. “Sim, ele foi campeão. Mas dois anos antes [de sair] ninguém o queria. Se não lhe déssemos a mão naquela altura, se calhar hoje ninguém sabia por onde ele andava.” E porque é que saiu? Lá está: por causa do Seixal e da falta de aposta nos jovens. “Para o projeto do Benfica não servia. Não tenho dúvida nenhuma que com ele não podia planear a longo nem a médio prazo. Não é nenhuma crítica, mas toda a gente sabe a maneira de trabalhar do Jorge Jesus. Ainda recentemente tive uma reunião com o Rui Vitória para planear a três anos…”
Bicada daqui, bicada de acolá. Jesus “roubou” Markovic ao Benfica? “Já ouvi benfiquistas queixarem-se de o Markovic ter dito que em Portugal só jogava no Benfica. Há muito poucos jogadores que o façam hoje em dia. É normal. Ele não estava a conseguir ter sucesso em Inglaterra, já conhecia Portugal, conhecia o treinador do Sporting, optou por jogar lá e ninguém pode levar a mal. Ele esteve apenas um ano no Benfica.”