[Este texto foi publicado originalmente a 14 de setembro de 2016 e foi agora atualizado na sequência da morte de Zé Pedro.]
José Pedro Amaro dos Santos Reis nasceu na maternidade do Hospital Militar da Estrela, em Lisboa, na madrugada do dia 14 de setembro de 1956. Pesava 3,800 kg. Era o terceiro filho de uma família de sete irmãos, com uma diferença de idade muito curta. Era um bebé “gorducho e bem-disposto”, recorda a irmã Helena Reis, que escreveu a biografia do músico, Não sou o único, de 2007. Com um ano, começou logo a andar. “O Zé Pedro foi um bebé de tal maneira irrequieto que a avó chegou a arranjar umas correiazinhas para o prender ao berço”, conta a irmã.
Em criança, Zé Pedro era “uma criança que não parava”. Para se conseguir esta foto a sessão foi “interminável”:
Em Timor
O pai era militar de carreira e foi destacado para Timor. Foi lá que Zé Pedro viveu com a família até aos seis anos. Primeiro, em Maubisse, nas montanhas. “Aprendíamos nas aulas de História que este era um dos pontos mais altos de Portugal”, lembra Helena Reis. O pai, Pedro João, era capitão e chefiava o quartel. A família morava isolada na montanha. As irmãs mais velhas Paula e Helena aprenderam a escrever em casa. “Não havia brinquedos. Brincávamos nas matas e vivíamos na natureza”, conta Helena. Existem poucas imagens dessa época porque não era normal tirarem fotos.
Em Lisboa ficara a irmã número 5, a Maria João, que por ser muito bebé não foi autorizada pelo médico a viajar. Quando chovia, “a família ficava por casa a ler, a ouvir música e fazer filmes de 8mm”. Para que os filhos tivessem lembranças desse tempo, Olga Amaro dos Santos Reis, a mãe, foi colocando todos os acontecimentos da vida de Zé Pedro e dos outros filhos nos sucessivos livros de bebé que foi colecionando. Helena Reis, a segunda mais velha, serviu-se dessas notas para a biografia sobre o irmão. Os Amaro dos Santos Reis acabaram por mudar-se para a Díli. Foi na capital de Timor que nasceu Nuno.
É ainda na década de 60 que decidem regressar a Portugal, para o sétimo andar de um prédio nos Olivais. Vieram de barco para Lisboa e pararam em Hong Kong. Foi a primeira vez que Zé Pedro viu a eletricidade. “Tive um flash enorme ao ver o anoitecer, todos aqueles néons a acenderem-se”, recordou há uns anos numa entrevista. Foi também nessa viagem que o pai comprou uma aparelhagem, em Hong Kong, com discos de 78 rotações. “O meu pai gostava de música e jazz”, comenta Helena Reis. Era no gira-discos Telefunken, “com uma coluna na tampa da mala”, que tinham comprado na Guiné (onde o pai esteve destacado), que ouviam música. O primeiro concerto que Zé Pedro viu foi um de Miles Davis no Festival de Jazz de Cascais, com os pais. Em 1965 nasceu a última irmã, a Patrícia. “O Zé embalava a nossa irmã mais nova ao som dos Led Zeppelin. Ainda hoje ela diz que é uma banda que lhe faz sono” recorda Helena.
Rock’n’roll
Em 1977, Zé Pedro faz um interrail. Foi em França que assistiu ao festival de punk de Mont-de-Marsan, que o marcou. “Afirmei-me como adepto ferrenho da causa. Antes, era assim uma espécie de speed-freak rebelde”, revela. Uma amiga da família, Anna da Palma, cineasta luso-francesa, estava interessada em passar a biografia de Zé Pedro a filme, não tendo conseguido financiamento. Na sua pesquisa para o filme encontrou o artigo que anunciava o festival que Zé Pedro refere frequentemente quando fala no interrail que fez em 1977. “Foi isto que o fez regressar de Amesterdão para Mont-de-Marsan, onde começou a germinar o sonho Xutos & Pontapés”, relembra Helena.
Foi só à terceira vez que Tim conseguiu comparecer a um ensaio marcado em Lisboa. Quase esteve para não ser escolhido. Vinha de Almada, tinha entrado na faculdade de agronomia e, ao mesmo tempo, no conservatório para estudar contrabaixo. Estávamos em 1978. Quando chegou ao ensaio, Zé Pedro viu Kalu pela primeira vez. “Tinha um cachecol grande”, relembra. Já o guitarrista estava de gabardina e galochas. “Nunca mais me esqueci daquela imagem”. O resto continua a fazer história e é a parte mais conhecida e mediática da vida de Zé Pedro. Helena Reis cedeu-nos imagens que ilustram sobretudo o início do percurso dos Xutos:
Fora do palco
Fez pequenas incursões no cinema, programas na rádio, escreveu artigos e críticas sobre músicos e festivais, entrevistou gente como Eddie Veder, dos Pearl Jam, ou mais recentemente Jimmy Page dos Led Zeppelin. “Gosta de experimentar e não tem medo de arriscar e falhar ou, quem sabe, ser bem-sucedido”, explica a irmã Helena. Já teve programas de rádio e televisão, é DJ em discotecas e festivais. Em 2009, decidiu dar os primeiros passos no mundo da moda. Foi a convite do estilista Miguel Vieira que fez a sua estreia na passerelle. Mas Zé Pedro estava muito “atrapalhado com as mãos” e não sabia o que fazer com elas. “Tenho sempre as mãos ocupadas na guitarra, não costumo ter as mãos livres”, contou à irmã na época. Miguel Vieira solucionou o problema e entregou-lhe um saco. Para o deixar mais descontraído, o estilista português pôs a tocar um tema de Jimi Hendrix quando chegou a hora de desfilar.
Após quatro anos de namoro, Zé Pedro e Cristina Avides Moreira casaram no dia 19 de janeiro de 2013, em Lisboa. “Foi o dia mais feliz da minha vida”, diz Zé Pedro ao Observador. A cerimónia decorreu no Hotel Pestana Palace em Lisboa, e contou com a presença de cerca de 180 convidados. “Choveu o dia todo. Forte chuvada abençoa os noivos”, diz a irmã Helena Reis. “Com o entusiasmo e a alegria, Zé Pedro ia enfiar a aliança na mão direita da Cristina. Valeram os convidados: ‘Cuidado que essa é a direita’. Ele não se desconcertou e disse que estava só a experimentar”, recorda. “Casei-me tarde mas foi para sempre, é como cantam os Xutos”, afirma o guitarrista.
“A Minha Casinha” acompanhou a seleção nacional desde que Portugal venceu a final do Euro 2016. Cristiano Ronaldo foi um dos jogadores que fez questão de cantar o tema ao microfone no autocarro que transportou os jogadores pelas ruas de Lisboa. “O Zé Pedro meteu na cabeça que tinha de conhecer o Cristiano Ronaldo”, diz a irmã. A caminho do concerto no Pico, Açores, Cristina, a mulher, planeou um “desvio” pela Madeira e levou-o à inauguração do Hotel Pestana CR7, no Funchal. O músico ofereceu ao jogador uma guitarra autografada, escolhida de entre as que usa nos concertos.
Os Xutos, marca rock’n’roll portuguesa por excelência — certo. Mas com tempo e espaço para imprevistos mais familiares. Na 35ª Concentração do Moto Clube de Faro, já este ano, a cadela de Zé Pedro, a Fibi, esteve presente. No backstage, assistiu (dizemos nós) ao concerto da banda ao lado da irmã do guitarrista: “Distraí-me e larguei a trela. Ela atravessou o palco num ápice e foi ter com o Zé. Ele conta que a Fibi ficou estarrecida com a quantidade de gente que viu na frente”.
Morreu Zé Pedro dos Xutos & Pontapés, aos 61 anos. “O nosso Zé Pedro deixou-nos hoje. Foi em paz”