As frases
“O Governo já tinha identificado um conjunto de medidas de política orçamental para o ano de 2017 e uma recomposição do esforço fiscal que, tal como foi feito em 2016, será concretizado com uma redução de impostos diretos contrabalançado por impostos indiretos. Essa é a estratégia do Governo nesta matéria, está inscrita no Programa de Estabilidade e está a ser preparada no âmbito do Orçamento do Estado” para 2017.”
“[Para o ano] há uma redução da carga fiscal. E esse é o objetivo mais importante do ponto de vista macroeconómico.”
As garantias de Mário Centeno foram dadas esta semana na Assembleia da República, neste sentido: o equilíbrio na composição da receita fiscal a inscrever no Orçamento do Estado (OE) para o próximo ano vai basear-se num aumento dos impostos indiretos para que os impostos diretos possam descer. O ministro das Finanças garante que, apesar das alterações fiscais, haverá “uma redução da carga fiscal”, à imagem do que sucedeu este ano.
A tese
É aqui que surge a dúvida, que aliás gerou polémica antes mesmo de o OE de 2016 ser aprovado: se Centeno diz que a carga fiscal vai seguir “o mesmo padrão” de 2016, que padrão foi esse? Afinal, a carga fiscal subiu ou desceu em 2016, face ao ano anterior?
Questionado sobre se a carga fiscal subiu ou desceu este ano, a resposta do fiscalista Tiago Caiado Guerreiro é imediata: “Houve um aumento claríssimo”, defende, contrariando a posição do Governo sobre o tema.
Este assunto, ficou claro desde os debates sobre o OE de 2016, não é consensual. No Parlamento, no início do ano, o ministro Mário Centeno garantia que, “com este OE, a carga fiscal diminui 0,1 pontos percentuais do PIB”.
Na bancada parlamentar do PS, houve quem fizesse outras contas e entendesse que havia um aumento da carga fiscal. Foi o que fez o académico e economista Paulo Trigo Pereira — eleito como independente nas listas socialistas — que, em comissão parlamentar realizada em fevereiro, admitiu a existência de um aumento da carga fiscal. Ao contrário do que disse Centeno, em vez de uma redução muito ligeira da carga fiscal, havia um ligeiro aumento. Para sustentar a sua tese, socorreu-se do conceito técnico de carga fiscal: impostos mais contribuições em função do PIB. E não apenas impostos em função do PIB, como eram as contas das Finanças. “Qualquer que seja a volta que lhe deem, ele [o rácio de impostos no OE] não se agrava, agrava-se uma décima neste OE”.
O episódio deu mesmo lugar a uma “errata” do Governo ao Orçamento de 2016. Onde antes se lia que se perspetivava “uma redução da carga fiscal em 0,1 p. p. do PIB em 2016” devia, afinal, ler-se que a perspetiva era a de uma “manutenção da carga fiscal” durante este ano.
Assunto resolvido? Nada disso. Depois da primeira errata, o Governo haveria de tornar pública outra nota. Nesse segundo remendo ao Orçamento do Estado, a carga fiscal ia, afinal, ficar três décimas abaixo do resultado de 2015.
Como? A alteração foi apontada pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental e teve por base a contabilização da receitas das contribuições sociais. Nessa nova correção às contas que projetava ainda para este ano, o Governo retirou 664 milhões de euros às receitas com contribuições sociais imputadas, levando a uma quebra de 0,3% das receitas fiscais. A projeção final apontava, assim, para um peso de 36,6% das receitas fiscais no PIB contra os 36,9% registados em 2015.
A conclusão: certo
O que o ministro das Finanças sugeriu na comissão parlamentar esta semana seria enganador, não fosse a (terceira e) última revisão que o Governo fez ao Orçamento do Estado deste ano. De uma evolução neutra na carga fiscal, as contas passaram para uma redução de 0,3%. Mário Centeno pode ter razão quando diz que os impostos vão pesar menos na carteira dos portugueses, no próximo ano, caso o Governo siga a mesma orientação fiscal que imprimiu ao Orçamento de 2016. Mas isso ainda não está confirmado.
De qualquer forma, é importante referir que estas análises são feitas com base em projeções e não em números consolidados e fechados. Só lá para o final do primeiro trimestre de 2017, e olhando para todo o ano anterior, será possível perceber se os portugueses pagaram ou não mais impostos que em 2015.
Texto corrigido às 22h55, com a introdução da informação sobre a segunda correção ao Orçamento do Estado de 2016, que alterou o resultado de enganador para correto.