Uma nova e gigantesca fuga de informação promete relançar a discussão em torno das contas offhshore. Uma outra investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (CIJI), do qual fazem parte a TVI e o Expresso, revelou dados sobre 539 pessoas (28 portugueses e 22 cidadãos estrangeiros residentes em Portugal) com empresas registadas no paraíso fiscal das Bahamas — o que não é necessariamente crime. Aliás, nesta fuga de informação não existe, aparentemente, qualquer indício de evasão fiscal ou de qualquer outro ilícito.

Entre os nomes mais sonantes, salta à vista o de Neelie Kroes, ex-comissária europeia da Concorrência entre 2004 e 2010. De acordo com as regras da União Europeia, os comissários europeus estão obrigados a declarar todos os seus interesses económicos e financeiros nos dez anos anteriores a ocuparem o cargo. Ora, Kroes nunca revelou junto dos responsáveis da Comissão Europeia que era diretora de uma empresa offshore sediada no paraíso fiscal das Bahamas.

O advogado da ex-comissária europeia já veio reagir à polémica, assegurando que Kroes já não era diretora da empresa em 2009 e que a situação nunca chegou a ser atualizada pelos advogados que a representavam. “A senhora Kroes irá informar o Presidente da Comissão Europeia deste lapso e assumir total responsabilidade por ele”, acrescentou ainda o advogado de Kroes. A ex-comissária europeia, de 75 anos, é atualmente consultora do Bank of America, do Merrill Lynch e da Uber.

O facto de as Bahamas não exigirem o pagamento de impostos sobre os rendimentos das empresas ou dos indivíduos que investem em sociedades offshore, assim como permitirem que os nomes dos donos dessas empresas sejam confidencial, faz com que seja um dos principais paraísos fiscais mais atraentes do mundo.

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É desta que forma que os bancos das Bahamas conseguem atrair fundos internacionais que lhes permitem ter depósitos de mais de 223 mil milhões de dólares americanos (199,5 mil milhões de euros) — quase 26 vezes mais do que o PIB do Estado.

Os portugueses que constam na lista

Ainda de acordo com esta investigação, nesta lista encontram-se 28 portugueses e 22 cidadãos estrangeiros residentes em Portugal com contas associadas às Bahamas. Entre eles estão Micael Gulbenkian, sobrinho-neto do fundador da Gulbenkian, e Pedro Morais Leitão, ex-presidente da ONI e atual administrador da Oi.

Como salvaguardam os dois órgãos de comunicação social, não existem detentores de cargos políticos na lista de portugueses. Nesta investigação, Micael Gulbenkian surge ligado a quatro empresas offshore do grupo da Heritage Oil & Gas, uma empresa dedicada à exploração de petróleo e gás, especializada em zonas de conflito.

Em declarações ao Expresso, o sobrinho-neto do fundador da Gulbenkian desvaloriza. “Não há mistério nenhum”. Micael Gulbenkian lembra que a Heritage Oil & Gas Holdings era detentora de uma sociedade cotada em bolsa no Canadá e, sendo ele CEO do grupo (entre 2002 e 2006), a associação às offshore era inevitável. “Como eu representava o acionista enquanto CEO, era natural que eu estivesse como administrador dessas sociedades [nas Bahamas]”, explica.

Micael Gulbenkian acabaria por deixar o grupo por “não concordar com algumas coisas que se lá passavam” e, mais atarde, entraria em litígio com Anthony Buckingham, o administrador da Heritage Oil & Gas. “Ganhei o processo mas entretanto mudaram a Heritage Oil & Gas das Bahamas para as Maurícias”, explica ainda.

Pedro Morais Leitão, ex-presidente da ONI e atual administrador da Oi, surge nesta lista depois de ter sido nomeado, em 2012, administrador da Mare Nostrum, a par de José Maria Franco O’Neill, antigo administrador do Metropolitano de Lisboa, e Carlos Barbosa da Cruz, ex-administrador do grupo de media Cofina e um dos sócios do escritório de advogados CCA Ontier, em Lisboa.

De acordo com o Expresso, não há dados sobre o tipo de atividade desenvolvido pela empresa. Contactados pelo Expresso, apenas Carlos Barbosa da Cruz aceitou responder, ainda que sem adiantar qualquer detalhe relevante. “O meu cargo na sociedade em referência, aliás sem atividade, processa-se no quadro de um mandato profissional, relativamente ao qual estou abrangido pelo dever de sigilo”.

Segundo explicam o Expresso e a TVI, esta fuga de informação envolve todas as companhias registadas nas Bahamas entre 1990 e 2016 e foi obtida pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung, que depois a partilhou com o CIJI. Os Bahamas Leaks contêm 1,3 milhões de ficheiros relativos a 176 mil companhias e incluem os nomes de 25 mil administradores e funcionários nomeados por essas offshores. Os 28 portugueses identificados pelo Expresso e pela TVI surgem como administradores em 38 empresas sediadas naquele país.

Filho de Pinochet apanhado na investigação

Uma das figuras internacionais envolvidas é o filho de Augusto Pinochet. Marco Antonio terá usado uma sociedade offshore nas Bahamas para movimentar cerca de 1,3 milhões de dólares para o pai. Em declarações ao Guardian, rejeita qualquer ilegalidade.

O próprio pai, Augusto Pinochet, teria igualmente uma sociedade offshore: Ashburton Company Limite, criada em 1996.

Marco Antonio não é o único filho de um chefe de Estado a deter uma empresa num dos mais conhecidos paraísos fiscais do mundo, conhecido por assegurar a confidencialidade dos verdadeiros donos das sociedades comerciais. Abba Abacha, filho do ex-presidente da Nigéria Sani Abacha também teve sociedades das Bahamas que tinham contas bancárias no Luxemburgo com mais de 350 milhões de dólares que foram congelados no âmbito de uma investigação judicial ao seu pai.

Também o Guardian, jornal associado do CIJI, revelou que a secretária de Estado da Administração Interna, Amber Rudd, foi diretora de duas sociedades offshore das Bahamas (a Advanced Asset Allocation Fund e Advanced Asset Allocation Management) entre 1998 e 2000.

O Guardian recorda que Amber Rudd defendeu publicamente David Cameron quando este jornal revelou a sua ligação aos Panama Papers mas nunca mencionou que tinham ocupado cargos sociais em empresas sediadas nas Bahamas.

A base de dados divulgada pelo CIJI contém igualmente pistas sobre o alemão Cem Kinay, um promotor imobiliário que é procurado pela Interpol por corrupção, devido a indícios de que terá pago alegados subornos a Michael Misick, primeiro-ministro de outro Estado que também é um paraíso fiscal: Ilhas Turcas e Caicos, um território sob jurisdição britânica.

Citado pelo Guardian, Gerard Ryle, diretor do CIJI, afirma que a organização não-governamental baseada em Washington, “acredita que esta informação básica, os nomes das pessoas que estão ligadas a empresas offshore, é algo que deve estar acessível ao público — tal como o ex-primeiro-ministro afirmou no passado”. A base de dados dos Bahamas Papers estão disponíveis no site do CIJI para consulta livre. “Acreditamos que a publicação desta informação é um serviço público”, afirma Ryle.