A Comissão Europeia (CE) não cede e exige que o Governo apresente medidas para que o esforço orçamental seja superior ao que estava inscrito no Programa de Estabilidade, enviado no fim de abril a Bruxelas. Mais: a CE faz depender o levantamento da eventual suspensão parcial dos fundos europeus de o Governo entrar na linha exigida por Bruxelas.
Com o orçamento a duas semanas de ser conhecido, o Governo português e a Comissão Europeia estão em contacto numa base mais informal, uma vez que o Governo decidiu não enviar um esboço do orçamento do próximo ano para Bruxelas antes de o apresentar no Parlamento.
Nessas conversas, habituais antes de qualquer grande documento orçamental, de acordo com fontes contactadas pelo Observador, a Comissão Europeia já manifestou ao Governo que pretende que o ajustamento estrutural (redução do défice sem contar com medidas extraordinárias e o efeito do ciclo económico) seja superior aos 0,4% do PIB inscritos no Programa de Estabilidade.
Depois de cancelar a aplicação de uma multa a Portugal, a Comissão usa agora como argumento nas negociações a suspensão parcial de fundos, que esta segunda-feira começa a ser discutida. Para a Comissão, Portugal beneficiou da boa vontade dos seus pares apesar de ter violado a meta do défice em 2015. A suspensão de parcial de fundos europeus já deverá ter uma dimensão reduzida, mas, para que venha efetivamente a ser levantada, a Comissão quer que o Governo mostre provas de que Portugal vai fazer o esforço exigido já este ano, e também no próximo.
A dimensão do esforço não será muito maior do que já está inscrito no Programa de Estabilidade, mas tem de se materializar nas metas apresentadas através medidas detalhadas. E isso não chega: é preciso que Bruxelas qualifique os seus impactos de forma semelhante ao estimado pelo Governo, uma divergência bem vincada no processo orçamental de 2016 e que obrigou mesmo a exigências até ao último dia para que o chumbo fosse evitado.
Comissão deve suavizar discurso sobre suspensão dos fundos
Quando esta segunda-feira às 18h00 (17h de Lisboa), os comissários o vice-presidente da Comissão e responsável pelo Euro e o Diálogo Social, Jyrki Katainen, e a comissária para a Política Regional, Corina Creţu, se apresentarem perante o Parlamento Europeu para o diálogo estruturado pedido pelo Parlamento sobre a suspensão de fundos, a mensagem já será de que a Comissão tem obrigatoriamente de propor a suspensão parcial de fundos, porque essa é automática.
A mensagem que a Comissão vai passar aos eurodeputados foi conhecida na sexta-feira quando a edição europeia do Politico publicou a nota preparada pelos serviços da Comissão para ajudar os comissários a transmitir as ideias já acordadas. E essa mensagem é de suavização: a suspensão parcial de fundos tem de avançar, mas não tem de atingir o máximo de 0,5% do PIB ou 50% dos compromissos previstos nas regras; também não afetará programas de desemprego; e esses fundos podem ser recuperados ainda antes do final de 2020.
Ou seja, a Comissão irá propor uma suspensão mais leve e que, a ser aprovada pelos ministros das Finanças (como é esperado), poderá ser revertida ainda antes de ser efetivada, já que se tratam apenas dos compromissos válidos apenas a partir do próximo ano.
A mensagem passa ainda por dizer que o processo será gerido com muito cuidado e sensibilidade. Mesmo que este não seja revertido antes do final do ano, como estão em causa fundos que ainda não estão comprometidos a nenhum projeto, podem ser programados antes do final do atual programa, ou seja, até 2020.
A Comissão pretende ainda tentar “vender” aos eurodeputados que a suspensão não é um castigo, ou uma sanção, mas sim uma forma de garantir que os fundos são utilizados numa altura em que serão mais eficazes para dar um impulso à economia. O argumento é que não se consegue retirar destes investimentos, em tempo de desequilíbrio das contas públicas, o retorno que se poderia ter numa fase de boa gestão. Do ponto de vista político, de perceção externa e de credibilidade de Portugal nos mercados, não conta tanto o volume do castigo, mas sim o facto de haver uma penalização.
Parlamento Europeu sem poder para bloquear suspensão
O diálogo estruturado com os eurodeputados que acontecerá esta segunda-feira até pode acabar com um acordo para repudiar a aplicação de sanções pelas comissões em causa, sem que seja exigida uma nova reunião. Mas a Comissão está determinada em fazer valer o entendimento que tem das regras.
Depois da audição, os presidentes, vice-presidentes e coordenadores das comissões parlamentares do Desenvolvimento Regional e dos Assuntos Económicos vão reunir-se para decidir se será convocada uma nova reunião com a Comissão, como explica o Parlamento Europeu. Aí, transmitirão a informação à Conferência dos Presidentes do Parlamento Europeu (presidente do Parlamento, Martin Schulz, e líderes dos grupos políticos). A conferência de presidentes reúne-se a 6 de outubro, em Estrasburgo, para tomar então uma decisão sobre o passo seguinte.
Aí chegados, há dois caminhos a seguir. Ou o processo no Parlamento Europeu encerra já e a bola passa para a Comissão, que é obrigada a propor a suspensão dos fundos (mais tarde a Comissão volta a ser chamada ao Parlamento para explicar a sua decisão). Ou o Parlamento Europeu entende adiar o processo e a Comissão não consegue tomar uma a decisão tão cedo.
Para já, ainda não há data prevista para que a Comissão discuta a proposta de suspensão no Colégio de Comissários, onde será aprovada a proposta a apresentar ao Conselho da União Europeia (ministros das Finanças da União Europeia).
Os regulamentos determinam a aprovação quase automática da proposta da Comissão pelo Conselho. Só aconteceria o inverso se fosse apresentada uma proposta de voto em sentido contrário no Parlamento Europeu — e houvesse uma maioria qualificada para que essa rejeição fosse aprovada. E tudo isto teria de acontecer no prazo máximo de um mês a contar da apresentação da proposta da Comissão.
O que está em causa?
A suspensão dos fundos pode ir até 0,5% do PIB ou 50% dos compromissos para o ano seguinte, diz o regulamento. No entanto, há fatores que podem ser tidos em conta para que esta suspensão seja mais baixa – algo que Comissão Europeia deverá ter em conta na proposta que fará – e que deve afetar apenas uma parte dos fundos europeus em causa.
Os fundos, a serem suspensos, são apenas relativos aos compromissos para 2017 e não afetam projetos já em curso, ou seja, nada que já avançou irá parar devido a esta suspensão. No entanto, a própria Comissão admite que a possibilidade de suspensão já estará a ter impacto em Portugal, uma vez que está a congelar a atribuição de fundos devido à incerteza associada ao que pode acontecer no próximo ano.
A suspensão também não poderá ser aplicada a fundos e prioridades consideradas criticas, como é o caso dos programas de erradicação da pobreza, de apoio às PME e em especial, de combate ao desemprego. Outra certeza: os fundos ligados diretamente à implementação de reformas estruturais sugeridas pela Comissão Europeia nas recomendações especificas por país feitas ao abrigo do semestre europeu também não podem ser suspensos.