As frases

“Não é verdade que o Governo tenha aprovado hoje [quinta-feira] um perdão fiscal.”

“O Governo desmente categoricamente que tenha sido aprovado um perdão fiscal. Não há nenhum perdão fiscal. As empresas e particulares terão de pagar todos os impostos em dívida.”

“As empresas e particulares que aderirem a este plano apenas poderão pagar a prestações e ter isenção de juros de dívida e custas processuais. O objetivo desta medida não é o encaixe financeiro, mas preparar as empresas para se recapitalizarem a partir de janeiro de 2017.”

Comunicado “urgente” do gabinete do primeiro-ministro, enviado às redações na noite de quinta-feira depois da aprovação do PERES (Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado), depois das notícias e reações políticas a dizer que estava em curso mais um perdão fiscal.

As teses

Minutos depois do briefing do Conselho de Ministros desta quinta-feira, que anunciou o programa extraordinário de pagamento de dívidas ao Fisco e à Segurança Social, já a maioria dos meios de comunicação social anunciava o lançamento de um “novo perdão fiscal”. O programa prevê o pagamento até ao final do ano — 20 de dezembro — dos valores em dívida, tendo como contrapartida o perdão de juros e de custas judiciais, um prémio aos contribuintes em falta várias vezes usado no passado para acelerar a cobrança fiscal.

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O anúncio foi feito num momento em que se multiplicavam as notícias sobre a derrapagem na receita fiscal e as previsões pessimistas sobre o cumprimento das metas do défice. Dificilmente poderia ter tido outra leitura mediática e política. O ataque foi mais forte da direita, mas também os partidos à esquerda mostraram sinais de desconforto em relação a uma medida para a qual não terão sido consultados (não faz parte das matérias de negociação com o Bloco de Esquerda e o PCP).

O Governo procurou desde logo esclarecer que não se tratava de mais um perdão fiscal, comparável com o aplicado pelo Executivo da coligação PSD-CDS com o objetivo mais ou menos assumido de aumentar a receita fiscal.

Em esclarecimentos enviados a meio da tarde, o Ministério das Finanças garantia que o PERES (Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado) representava uma “mudança de paradigma” em relação aos programas do passado, cujo objetivo não era captar mais receita, mas sim apoiar os contribuintes, particulares mas sobretudo as empresas, na redução do endividamento após um período de crise.

Esta é uma mudança de paradigma: um plano de redução do endividamento que não é vocacionado para quem tem fundos disponíveis mas optou por não pagar os seus impostos e/ou esconder os seus rendimentos; um plano de redução do endividamento que não é vocacionado estritamente para a arrecadação imediata de receita, sendo orientado para uma reestruturação de longo prazo da dívida das famílias e empresas.”

Nestas explicações, eram já destacadas as diferenças entre o PERES e os programas anteriores — o RERT (Regime Excecional de Regularização Tributária) de 2011 e o RERD (Regime Excecional de Regularização de Dívidas Fiscais e à Segurança Social) de 2013. O tema seria retomado pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais horas mais tarde no Parlamento.

Numa audição para discutir o relatório de Combate à Fraude e Evasão Fiscal de 2015, Fernando Rocha Andrade não poupou explicações sobre o novo programa, sobretudo quando acusado pelo PSD e o CDS de ter promovido um novo perdão fiscal como uma medida extraordinária para tapar o buraco nas contas públicas deste ano.

“Este programa não engorda a receita fiscal num ano e permite parar execuções e penhoras em curso e libertar a tesouraria das empresas. É uma profunda diferença que explica porque é que as outras medidas eram má e esta é boa. (…) Em vez de termos a avidez de querer apanhar todo o dinheiro que as empresas podem pagar”, os devedores podem diluir esse pagamento, permitindo às empresas usarem os seus recursos para investir e ter a situação fiscal regularizada para terem acesso a fundos comunitários”.

E assegurou que não tinha previsões sobre a receita prevista, admitindo mesmo que o impacto até poderia ser negativo, dependendo da adesão dos contribuintes à opção de pagamentos em prestações que poderia adiar a entrada de dinheiro nos cofres do Estado.

Os factos

Perante a dúvida, o Observador questionou três fiscalistas. O programa anunciado pelo Governo é um perdão fiscal? A parte que corresponde a juros pode ser considerada dívida fiscal?

Para Luís Leon da Deloitte, “é pacifico que os juros, custas e coimas integram o conceito de dívida fiscal”. Para este fiscalista, independentemente do conceito usado, “na realidade o contribuinte incumpridor vai pagar menos agora que um contribuinte incumpridor que tenha pago até ao final de setembro por exemplo”.

Rogério Fernandes Ferreira tem uma leitura diferente. O fiscalista remete para o artigo 22 de Lei Geral Tributária que distingue as dívidas tributárias (dívidas fiscais) dos juros e das custas. Os três fatores são qualificados como uma responsabilidade tributária. O programa do Governo prevê o perdão, ou alívio no caso da adesão ao regime de prestações, dos juros e custas judiciais, mas não toca no valor em dívida. Ou seja, estaremos perante um “perdão” das responsabilidades tributárias.

Jaime Esteves, responsável máximo pela área fiscal da PwC Portugal., conclui: “Diria que há perdão fiscal em sentido lato e não há um perdão fiscal em sentido estrito“. Isto porque estamos perante um perdão de acréscimos pelo atraso no pagamento, sobretudo de juros, e um incentivo pela possibilidade de pagamento em prestações. Mas não há perdão de tributos.

Enganador

O perdão fiscal não é propriamente um conceito técnico e nunca é assumido a nível político. Todos os programas deste género foram qualificados como regimes extraordinários, especiais ou excecionais, de pagamento ou regularização de dívidas ao Fisco e Segurança Social. Têm em comum um prazo limite curto para o pagamento extraordinário e um incentivo financeiro ou legal para quem adere. A discussão será mais política, ou mesmo “bizantina”, como a qualificou um dos fiscalistas ouvidos pelo Observador.

O desmentido do Governo pode ser considerado enganador, na medida em que há de facto um perdão parcial do valor em dívida ao fisco. Os contribuintes ficam isentos de pagar juros e custas (isso é perdoado para incentivar a adesão ao programa). O desmentido não está totalmente errado porque a lei tributária diz que os juros e custas são elementos à parte do que é considerado uma dívida ao fisco. Mas por outro lado, um contribuinte incumpridor que tenha pago a dívida este ano, antes de o programa ser implementado, é prejudicado em relação a um contribuinte que aderir agora ao plano: pagou mais, pois uma componente da dívida não foi perdoada e teve de desembolsar a totalidade da verba sem a hipótese de recorrer a prestações.

Corrigido o cargo e a empresa onde trabalha Jaime Esteves que é a PwC e não como estava erradamente identificado a KPMG.