As operações de venda da dívida tarifária ao setor financeiro geraram ganhos da ordem dos 170 milhões de euros para a EDP durante o período entre 2013 e 2015. Os valores constam de um relatório de um grupo de estudo criado pela secretaria de Estado da Energia que analisa as operações de cedência de dívida tarifária feitas pela elétrica entre 2012 e 2015.

O relatório, a que o Observador teve acesso, avalia a repercussão dos sobrecustos com a aquisição da energia a produtores em regime especial. O pagamento deste sobrecusto através das tarifas da eletricidade tem sido adiado por vários anos para suavizar o aumento anual dos preços da energia.

A decisão de adiar estes custos é política, mas se os preços ficam mais baixos no imediato, o adiamento tem custos futuros, na medida em que é responsável pela geração de um défice ou dívida tarifária que tem de ser paga ao longo dos anos seguintes pelos consumidores. A amortização do capital em dívida e os respetivos juros aumentam a fatura de energia de empresas e famílias, representam já uma parcela da ordem dos 30% do que é pago pelos clientes de eletricidade.

O aumento deste encargos tem sido uma das preocupações do Executivo que anunciou, na semana passada, uma descida nas taxas que se vão aplicar à remuneração desta dívida nos próximos cinco anos, medida que terá já efeito nas tarifas de 2017 cuja proposta será conhecida esta sexta-feira.

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Donde vem o défice tarifário

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O défice tarifário resulta da diferença entre a tarifa de venda da eletricidade fixada anualmente e o montante de custos do sistema que essa tarifa deveria suportar. Para evitar aumentos muito significativos, os governos — a primeira decisão é de 2007 e foi tomada pelo ministro Manuel Pinho — têm adiado o reembolso dos custos que por lei ou contrato devem ser assegurados pelas tarifas de eletricidade. O alisamento atira o pagamento para anos futuros, criando um défice tarifário que representa a dívida dos clientes de eletricidade às empresas que deveriam ter sido reembolsadas por esses custos.

A principal credora da dívida tarifária é a EDP que a vende ao setor financeiro, antecipando a receita que irá receber a prazo nas tarifas. De acordo com o documento, os ganhos para a elétrica totalizaram 172 milhões de euros, distribuídos ao longo de três anos: 2013: 49,6 milhões de euros — 2013 e 2014: 67 milhões de euros — 2014 e 2015: 55,6 milhões de euros. Este foi o período em que os juros de remuneração da dívida tarifária atingiram os valores mais altos.

De onde vem o ganho para a EDP?

Os ganhos, apurados a partir dos relatórios e contas da empresa, resultam do diferencial entre os juros que a elétrica recebe por via das tarifas elétricas e os juros que tem de assegurar às entidades financeiras a quem vende os défices tarifários, mais os custos de reestruturação das operações. Estes valores resultam de operações de titularização (antecipação de receitas) e venda direta ao sistema financeiro da dívida tarifária no montante global de 2.875,7 milhões de euros.

Nestas operações, a EDP tem o direito ao recebimento dos montantes e respetivos juros, relativos ao sobrecusto com a produção em regime especial. Por exemplo, no ano passado a empresa liderada por António Mexia recebeu juros de 4,82% e de 3,01% e garantiu à entidade financeira a quem vendeu o défice uma taxa de 3,74%, o que gerou um ganho de 55,6 milhões de euros. O último relatório anual de 2015 da EDP refere um “ganho de 56 milhões de euros com a venda do défice tarifário (versus 78 milhões de euros em 2014)”.

Em causa estão ganhos contabilísticos que não incluem o custo que a EDP tem suportado por manter a dívida tarifária no seu balanço até a vender ao sistema financeiro. No período analisado, as operações de titularização ou venda direta não foram feitas de imediato, a empresa manteve esses passivos no seu balanço — a dívida tarifária representa em média entre 12% e 14% da dívida financeira da EDP — e teve de ir ao mercado obter financiamentos alternativos.

O estudo da secretaria de Estado da Energia foi também avaliar os custos de financiamento da EDP ao longo destes anos e compará-los com os juros, fixados em portaria pelo governo, que a empresa recebeu pela dívida tarifária e concluiu que a taxa de remuneração aplicada se encontra em linha com o custo de financiamento da empresa para o período analisado — entre 2012 e 2015. Ou seja, os resultados da fórmula usada para remunerar o défice tarifário no passado não se afastaram muito dos custos de financiamento da EDP.

Por outro lado, nem sempre a empresa terá obtido ganhos financeiros com as operações de cedência do défice tarifário. Até agora, estas operações eram feitas antes de o Governo fixar em portaria a remuneração do défice gerado pelo sobrecusto da produção em regime especial, e algumas vezes a taxa que a EDP teve de pagar ao setor financeiro foi superior à que veio a receber via tarifas elétricas. O Observador questionou no passado a empresa sobre os ganhos com a titularização do défice tarifário, mas não obteve resposta.

Ganhos futuros baixam com a descida dos juros

O relatório, que analisa várias soluções para baixar os custos financeiros do défice tarifário, sugere a introdução de mecanismos de partilha dos ganhos futuros da EDP na venda do défice com os consumidores, o que poderia ter um impacto positivo nas tarifas. Este cenário chegou a ser admitido pelo secretário de Estado da Energia, em junho, no Parlamento, mas terá sido entretanto afastado, soube o Observador.

Isto porque a partilha de ganhos futuros, implicaria também uma partilha de potenciais perdas, introduzindo um fator de risco e instabilidade nos preços da eletricidade. Por outro lado, o potencial ganho futuro nas operações de titularização é muito menor do que o passado. Por um lado, as tranches do défice que pagam juros mais altos estão quase amortizadas. Por outro lado, a taxa de juros fixada para a remuneração do défice tarifário tem vindo a baixar e para 2017 será a mais baixa de sempre.

Os juros cobrados aos consumidores de eletricidade para remunerar o défice tarifário atingiram o valor mais alto em 2012, de 6,32%, quando Portugal estava sob resgate e as obrigações portuguesas negociavam a juros muito altos. Baixaram para 5,85% em 2013 e para 4,82% em 2014. Em 2015, foram fixados em 3,01% e em 2016 estavam nos 2,32%. Cada taxa aplica-se à remuneração de uma tranche da dívida durante cinco anos.

E para o ano vão baixar ainda mais, para 1,88%, de acordo com uma portaria do secretário de Estado da Energia publicada esta segunda-feira, ainda a tempo de produzir efeitos para as tarifas de 2017. A poupança acumulada ao longo dos próximos cinco anos é de 20 milhões de euros, segundo números já avançados por Jorge Sanches Seguro ao Observador.

A taxa mais baixa resulta de uma alteração da fórmula de cálculo também sugerida pelo grupo de estudo. A redução dos juros foi além da que seria expectável porque se optou por antecipar a fixação da taxa em relação à prática do passado. Desta forma, permite-se à EDP ir a mercado vender as próximas dívidas tarifárias com uma taxa de remuneração já garantida por cinco anos, reduzindo o risco da colocação e conferindo uma maior estabilidade.

Juros mais baixos não travam peso crescente da dívida

Apesar de uma descida significativa nas taxas de juro, os custos do serviço da dívida ao nível das tarifas têm vindo a aumentar, por causa da amortização de capital em dívida que apesar de baixado pela primeira vez em 2016 atinge ainda os 4.700 milhões de euros.

Para o próximo ano, previa-se que o défice tarifário venha a pesar 1.860 milhões de euros na fatura anual paga pelos consumidores de eletricidade, o que representa cerca de 30% do total. Daí que estejam a ser ponderadas outras alternativas para baixar os custos desta dívida.

O Governo, sabe o Observador, já afastou o cenário de amortização antecipada ou refinanciamento do défice tarifário que já foi reconhecido no balanço da EDP e vendido a instituições financeiras, para evitar instabilidade regulatória. Mas continua-se a trabalhar para tentar que o Banco Central Europeu aceite o défice como um ativo elegível para apresentar como garantia de operações de crédito no eurosistema. Isto porque a dívida tarifária está garantida pelas faturas futuras da eletricidade e é considerado uma ativo de muito baixo risco.

Uma das constatações do relatório é que, face ao baixo risco deste ativo, “seria de esperar que a EDP conseguisse colocar estes produtos no mercado de forma mais concorrencial a que a dívida da própria empresa, mas tal não se verifica”. Esta solução seria uma mais-valia para o sistema, empresas e consumidores e instituições financeiras, defende o documento, uma vez que traria uma maior liquidez ao título e uma diminuição do prémio de risco exigido pelos investidores, tornando o défice tarifário mais atrativo.

Em cima da mesa estão ainda outras possibilidades como a criação de produtos de poupança destinados a aforradores particulares.