Uma diferença superior a mil milhões de euros. É a conta que os técnicos da Unidade Técnica de Apoio Orçamental, a equipa de técnicos independentes que trabalha junto do Parlamento, faz entre aquilo que o Governo tem de fazer para cumprir os compromissos com Bruxelas e aquilo que se propõe a fazer na proposta de Orçamento do Estado para 2017, de acordo com a análise preliminar à proposta de Orçamento a que o Observador teve acesso. A confirmar-se, a Comissão deverá convidar Portugal a tomar mais medidas, dizem os técnicos.
“As medidas discricionárias de consolidação orçamental apresentadas no relatório da proposta de Orçamento do Estado para 2017 e no Projeto de Plano Orçamental podem vir a ser consideradas insuficientes”. É assim que os técnicos colocam a questão. Pior: usando como base o cenário de política invariantes para 2017 do Conselho das Finanças Públicas ou da Comissão Europeia, “a dimensão das medidas subjacentes ao Orçamento do Estado para 2017 poderá apontar para uma degradação ou relativa manutenção do saldo estrutural de 2016 para 2017, não respeitando portanto a restrição orçamental a que as finanças públicas portuguesas se encontram vinculadas no âmbito do ajustamento estrutural”.
Nas contas dos técnicos, para que Portugal cumpra as metas com que se comprometeu com o Conselho da União Europeia, ou seja, com os outros 27 países da União Europeia, Portugal tem de reduzir o seu défice estrutural em pelo menos 0,6 pontos percentuais. Esta é a meta que é inscrita pelo Governo no Orçamento, ou seja, deveriam estar lá medidas para isso ser feito. Mas, segundo da UTAO, não estão.
Não só as medidas não lá estão, como a diferença face ao que é necessário é considerável. A UTAO diz que para atingir o objetivo, o Orçamento teria de ter medidas de consolidação entre os 1,7 mil milhões e os 2,1 mil milhões de euros – 0,9% e 1,1% do PIB respetivamente -, mas as medidas discricionárias incluídas no Orçamento não chegam sequer a 645 milhões de euros, cerca de 0,34% do PIB.
Quer isto dizer que, na melhor das hipóteses e estando as contas da UTAO corretas, faltariam no Orçamento do Estado mais de 1000 milhões de euros em medidas de consolidação orçamental.
Por isso mesmo, o Orçamento do Estado pode vir a ser considerado ou “globalmente conforme” ou “em risco de incumprimento” na avaliação que a Comissão Europeia irá dar a conhecer na próxima semana. Se não chega, porque não é chumbado? A razão é legal. A Comissão só pode devolver o Orçamento ao Governo e pedir-lhe uma versão melhorada, se a redução do défice estrutural for inferior a uma diferença de 0,5 pontos percentuais face ao objetivo daquele ano. Como este ano Portugal tem uma meta de 0,6 pontos percentuais do PIB de redução do défice estrutural, seria necessário que o esforço orçamental fosse inferior a 0,1 pontos percentuais para Bruxelas exigir uma versão revista.
No entanto, isto não quer dizer que a conversa fique por aqui. Como lembra a UTAO, em qualquer destes casos, “a Comissão Europeia convidará as autoridades a tomar as medidas necessárias no âmbito do processo orçamental nacional para garantir que o Orçamento será conforme com o PEC [Pacto de Estabilidade e Crescimento]”.
Isto foi, aliás, o que aconteceu este ano quando a Comissão Europeia avaliou a proposta de Orçamento do Estado para 2016. A 5 de fevereiro, quando os comissários para o Euro, Valdis Dombrovskis, e para os Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, anunciaram que a Comissão tinha decidido não chumbar o Orçamento, também disseram que o Orçamento português tinha sido considerado como estando “em risco de incumprimento” e convidaram as autoridades portuguesas a tomar mais medidas para assegurar que as metas eram cumpridas.
Esse pedido foi feito para que as medidas fossem integradas logo durante a discussão do orçamento no Parlamento, uma preocupação reforçada pelo Eurogrupo uma semana depois quando exigiu ao ministro das Finanças um plano de contingência para garantir que a meta do défice era cumprida.