Há precisamente 50 anos, John Lennon visitou a galeria Indica, em Londres, para ver a exposição de uma promissora artista de que ouvira falar. Para um tipo que não percebia muito de arte, Lennon topou bem o sentido de humor e a mensagem das peças expostas. A artista era, claro, Yoko Ono: aos seus olhos, o grande amor da sua vida; aos olhos dos outros, a bruxa que deu cabo dos Beatles. Como Courtney Love ou Linda Ramone — todas mulheres demonizadas pela história do rock.
Quando toca aos casamentos dos seus ídolos, muitos dos fãs são como aqueles amigos bullies que mandam à cara o “já não és o que eras” ou como aquelas vizinhas que acham que “elas são todas umas falsas”. As mulheres são oportunistas, vêm desestabilizar, distrair os génios dos seus nobres objectivos com questiúnculas do quotidiano, exercer sobre eles as suas tensões pré-menstruais.
Ainda hoje se discutem em fóruns da internet quem terá sido a pior influência sobre os Beatles: se Linda McCartney, se Yoko Ono. E Ono pode até ter sido muito chata com questões de distribuição de royalties no seio dos Beatles e com alguma pressão criativa sobre Lennon, mas o amor foi tão celebrado por ambos que em vez de especularmos sobre “o que teria acontecido aos Beatles se Yoko Ono não tivesse aparecido?”, talvez devêssemos pensar no que teria sido de John Lennon sem Yoko Ono.
No livro All We Are Saying: The Last Major Interview with John Lennon and Yoko Ono, de David Sheff, Lennon responsabiliza-se, sem rodeios, pelas mudanças que este amor operou na sua vida:
“Conhecer a Yoko foi como conhecer a primeira mulher de todas. E tu deixas os teus amigos no bar e não queres mais jogar futebol, nem snooker, nem bilhar. Talvez alguns continuem a fazê-lo todas as sextas à noite e a manter a mesma relação com os seus compinchas mas eu, mal encontrei A mulher, deixei de ter interesse. (…) O meu velho gang acabou no momento em que a conheci. Eu não me apercebi conscientemente na altura, mas foi o que aconteceu. O problema é que os meus compinchas eram famosos e não apenas uns tipos quaisquer no bar”.
Os cínicos do amor contraporão que os amigos é que duram para sempre. Ou que as bandas, pelos vistos, é que não.
No disco assinado por ambos, Double Fantasy, 14 anos depois de conhecer Yoko Ono e três semanas antes de ser morto, Lennon inclui uma nova ode à sua mulher, cuja mais momentânea ausência lhe era insuportável: “mesmo quando estou a ver televisão, há um buraco onde tu deverias estar”.
https://www.youtube.com/watch?v=TQEPcv6rg6w
A mulher que compete com Yoko Ono pelo primeiro lugar nos rankings das mais odiadas do rock (e sim, isto existe) é Courtney Love, viúva de Kurt Cobain. E aqui nos apercebemos de que estamos a falar de duas viúvas e de como teria sido interessante ver o que o tempo poderia ter feito a estas relações. Estaríamos perante divórcios milionários, recordistas de amor como Paul Newman e Joan Woodward ou casais de velhinhos amargos que aplaudimos condescendentemente por se aturarem há 50 anos? Aceitam-se apostas, ainda que apenas válidas em universos paralelos.
Neste universo, há quem garanta que não poderia haver outro final que não a morte de Kurt Cobain — não por suicídio, mas às mãos de Courtney Love. Pela internet, abundam as teorias da conspiração. No início deste ano, uma ex-namorada de Cobain, Mary Lou Lord, apoiou publicamente uma investigação sobre o possível homicídio do seu ex, influenciada pelas suposições de Tom Grant, o homem que mais tempo tem dedicado a esta tese (cobaincase.com).
É verdade que, publicamente, a relação parecera sempre tão arrebatada como conflituosa, mas desde o início que Courtney — vocalista das Hole — fora acusada de oportunismo, negligência e má influência no que ao consumo de drogas dizia respeito. Cobain, no entanto, repetia sobre a sua mulher declarações como “estou mais feliz que nunca, finalmente encontrei alguém com quem sou absolutamente compatível” ou “somos como água Evian e ácido de bateria: se misturarem os dois, dá amor”. E, apesar de Courtney Love ter a reconhecida mania de que todas as canções foram escritas para si, consta que a canção dos Nirvana “Heart-Shaped Box” terá sido, efectivamente, uma dedicatória. À sua vagina.
Se o caro leitor for macho para dizer coisas como “mulher do meu amigo é tropa”, imagina o que seria apaixonar-se pela mulher do seu irmão — teria pela frente todo um regimento. Mas antes de começar a moralizar à bruta, conheça a história do trio Ramone: Joey namorava com Linda, mas Linda acabaria por se apaixonar por Johnny, tornando-se num alvo fácil para a misoginia rockeira.
Não se sabe se Linda ainda namorava com Joey ou se já tinham terminado antes da relação com Johnny começar, mas a tensão entre os irmãos foi tal que Joey teve de ser operado a um coágulo no cérebro na sequência de uma cena de pancadaria. Apesar de os Ramones terem continuado a sua carreira, os dois irmãos deixaram de se falar e, até a morte os separar, nunca ultrapassaram o desaguisado. Para Linda, a coisa também não foi fácil: apesar de ter tido um longo casamento com Johnny (de 1984 a 2004, quando ele morreu), foi mais inspiração para o ressabiamento de Joey do que para amor do seu marido.
https://www.youtube.com/watch?v=Cfo57CUFsyo
Ana Markl é guionista, apresentadora no Canal Q e animadora de rádio na Antena 3