Uma sanduíche de queijo e um sumo. O almoço que tantas vezes Marcelo Rebelo de Sousa repetiu na corrida das Presidenciais tornou-se numa imagem de marca: a “campanha da marmita”. Um estilo que o ainda candidato a Presidente prometia levar para Belém: poupar, poupar, poupar. Em 2017, no primeiro ano completo como chefe de Estado, Marcelo vai, de facto, gastar menos 500 mil euros face ao orçamento do ano anterior, que tinha sido o maior em cinco anos e ainda com três meses de Cavaco Silva. O objetivo traçado, conta a Presidência ao Observador, foi o de reduzir o orçamento em 3%.
O Presidente exige transparência e controla tudo ao milímetro para que não haja gastos supérfluos, mas alguns são inevitáveis e vão desde questões de segurança a restauro de estátuas do jardim. Um motor para um carro, software da Adobe, um espetáculo de Cristina Branco ou a projeção de um filme de Manoel de Oliveira são outros dos gastos por ajuste direto feitos pela Presidência em 2016 e publicitados pela se secretaria-geral. Isso significa muito ou pouco? De março até agora contam-se 15 ajustes diretos que custaram aos cofres da Presidência 246.382 euros.
Os ajustes de 2016 são referentes a um ano ainda partilhado com Cavaco Silva, mas onde a Presidência teve um orçamento superior em 1,3 milhões de euros face a 2015, um acréscimo justificado com a entrada de Marcelo: “a nomeação de novo titular do cargo” e a “alteração da composição dos serviços de apoio”.
55 mil euros para proteger a Presidência de hackers
As falhas de segurança informática em Belém chegaram a ser tão graves que o anterior Presidente da República, Cavaco Silva, chegou a falar delas numa comunicação ao país. Em junho de 2009 — ainda antes do “caso das escutas” — acabou por ser criada a Direção de Serviços de Informática, tendo sido dada, desde então, muita importância à segurança informática no Palácio de Belém.
O ajuste direto mais elevado da era Marcelo foi até agora, precisamente, na área da segurança informática, tendo contratado os serviços da empresa Layer8 por 55.732,24 euros. Ao Observador, a Presidência explica que o “procedimento correspondeu à aquisição de software e de serviços de manutenção de hardware da solução de segurança dos sistemas de informação da Presidência da República ‘Check Point’”. Na verdade, trata-se de uma Firewall, anti-hackers, com um sistema que protege o site da Presidência da República e a intranet de Belém de ataques de piratas informáticos.
Na área da informática, houve ainda dois ajustes: um para compra de computadores portáteis e outro de software. No caso de software trata-se da aquisição de 33 licenças de Adobe Acrobat Pro DC à empresa ITEN Solutions por 5.251,29 euros, de forma a que os computadores da Presidência possam abrir PDFs com o programa adequado. Um dia após a chegada de Marcelo, a 16 de março, houve também uma compra no valor de 5.049,34 euros à empresa GMS para a aquisição de computadores portáteis.
Quando o Presidente compra um motor
O ajuste direto mais curioso de 2016 (pelo menos até agora) é um motor por 8.707,56 euros à empresa de comércio de automóveis Soauto. Na verdade, Marcelo comprou um motor para não comprar um carro, tudo na lógica da poupança: a PSP cedeu o carro, o Presidente adquiriu o motor. Ao Observador, a Presidência explica que “trata-se de um veículo cedido pela PSP, em uso no Serviço de Segurança da Presidência da República. Os custos de manutenção correm pela Presidência da República enquanto mantiver a sua utilização. A viatura encontra-se em bom estado e tem um uso frequente, tendo-se considerado economicamente vantajosa a substituição do motor.”
No que a automóveis diz respeito, há também dois outros ajustes diretos: o aluguer de um Mercedes classe E, por 42.717, 12 euros, e de um Mercedes Classe B, elétrico, por 32.680 euros. Em julho foi noticiado que Marcelo recusou utilizar um carro de 129 mil euros, um Mercedes-Benz S500 Longo, que teria sido comprado pela Presidência no final do mandato de Cavaco Silva.
Marcelo Rebelo de Sousa justificou que, tendo em conta, as dificuldades que o país vive, não faria sentido o chefe de Estado andar num carro topo de gama:
A minha preferência ia e vai nesta conjuntura para outro tipo de carro, outra gama. Na conjuntura vivida é uma opção. Não é desprimor para ninguém”, disse o Presidente em julho.
A Presidência explica ao Observador que “os alugueres em questão foram considerados aqueles que melhor se ajustavam às necessidades de representação atuais sentidas pela Presidência da República”. Além disso, justifica fonte oficial, “o facto de uma das viaturas alugadas ser elétrica possibilita a sua utilização em percursos mais curtos com ganhos, inclusivamente ambientais e de luta contra as mudanças climáticas”. Em ambos os casos — recorde-se que, habitualmente, Marcelo se desloca num Mercedes série E 220 — a Presidência explica que “a utilização em renting de viaturas de utilização intensiva possibilita um decréscimo de encargos.”
O custo do concerto de Cristina Branco e o filme de Manoel de Oliveira
Entre as inovações em Belém está a criação da Festa do Livro, que decorreu entre 1 e 4 de setembro. A tratar do assunto, Marcelo colocou o seu homem da cultura, Pedro Mexia, que selecionou os momentos culturais que iam animar naqueles dias o palácio do Presidente.
Dois dos momentos altos da Festa do Livro foram a atuação da fadista Cristina Branco e a projeção de um filme de Manoel de Oliveira, Visita ou Memórias e Confissões, um filme que o cineasta rodou em 1981 e ordenou que fosse divulgado só após a sua morte (a primeira visualização acabou por ser em Cannes, em 2015). Mas quanto custaram estes dois momentos aos cofres da Presidência?
A atuação de Cristina Branco custou precisamente 6 mil euros, o que pode ser considerado um desconto já que, no mesmo mês, a artista cobrou 6.300 euros ao município de Matosinhos (mais 300 euros do que o foi cobrado ao Presidente). A Presidência justifica que “o preço é sempre objeto de apreciação, mas a escolha de um artista baseia-se também em critérios que o próprio Código dos Contratos Públicos admite.”
Quanto à projeção do filme de Manoel de Oliveira — que tem a duração de 1h13m e foi projetado duas vezes — o custo foi de 5.900 euros. À partida parece um preço elevado para a projeção de um filme, mas a Presidência justifica que “a adjudicação foi feita por ajuste direto em razão do preço” e “embora legalmente não obrigatório, a Presidência procedeu à consulta de duas empresas”. No entanto, explica fonte oficial de Belém “a cedência do filme foi feita a título gracioso pela Cinemateca Portuguesa” e “como se tratava de filme encriptado a sua projeção por duas vezes obedeceu a algumas condições com reflexo no respetivo orçamento”.
O perigo de sismo e o restauro das estátuas
Marcelo é conhecido por ser prevenido em cada ação que faz. Detentor, por via da Constituição, da “bomba atómica” presidencial — o poder de dissolver a Assembleia da República — Marcelo parece mais preocupado com terramotos, no sentido literal, do que com terramotos políticos. Logo no mês em que chegou à Presidência, março de 2016, pediu um estudo de avaliação sísmica.
Uma pesquisa que, segundo a Presidência, se insere “no contexto do plano geral de segurança e nas conclusões do relatório de auditoria sobre eficiência energética”. O estudo custou aos cofres da Presidência 27 mil euros e ficou a cargo de três entidades de ensino superior: Universidade do Minho, Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa e Universidade de Coimbra.
Se a ideia é garantir que a Presidência está protegida perante uma eventual atividade sísmica, há partes do edifício que, mesmo sem abalos, precisam de restauro. É o caso das estátuas dos jardins do palácio presidencial. No verão, o Presidente contratou a empresa In Situ para “intervenção de conservação na estatuária dos jardins Palácio Nacional de Belém”, o que terá tido um custo de 7.520 euros. Ao Observador, a Presidência justifica a intervenção devido à “degradação das mesmas pelos elementos da natureza e a obrigação da Presidência da República de preservar o património à sua guarda.”
Um jantar, painéis e, claro, as medalhas
Ao todo foram quinze ajustes diretos, nos quais se destacam ainda dois para compra de material expositivo, outros dois para compra de insígnias (para as várias condecorações) e um relativo a um jantar com diplomatas. Quanto ao jantar com o corpo diplomático já tinha sido noticiado pelo Correio de Manhã, que em julho deu conta que o evento custou 12.600 euros. O gasto foi justificado com a “receção ao corpo diplomático por ocasião do Dia de Portugal de Camões e das Comunidades Portuguesas”, tendo sido igualmente destacado que o jantar foi para 400 pessoas, o que significa que ficou a cerca de 31 euros por pessoa. Após a notícia, Marcelo justificou que as comemorações do 10 de junho foram “as mais económicas dos últimos doze anos”.
Houve assim dois ajustes diretos para aquisição e montagem de material para exposições. Um deles de 5.796 euros à Carpintaria e Marcenaria Barata e Santos para “fornecimento e montagem de expositores e trabalhos de reparação no espaço expositivo” e outro de 9.962 euros ao designer Rui Álvaro Silva para a “impressão de material expositivo em PVC e vinil”.
Marcelo é também conhecido como o Presidente das condecorações, por ter distinguido vários portugueses desde que chegou ao cargo. É natural que o mesmo se reflita em ajustes diretos para compra de medalhas e outro tipo de objetos. Registam-se, para já, duas adjudicações para a aquisição de insígnias: uma de 6.300 euros à empresa Frederico Costa, Lda e 15.000 euros à Casa das Condecorações Hélder Cunha, Lda.
As contas do Presidente
Os ajustes são relativos a 2016, mas a Presidência da República já conhece também aquele que será o seu Orçamento para 2017, onde vai ter uma redução de 500 mil euros. Belém teve um orçamento de 17.150 000 euros em 2016 (o maior desde 2011), mas em 2017 será de 16.657 000 euros (ainda assim o segundo maior desde 2012).
A redução não é inocente, já que houve ordens para poupar. Fonte oficial de Belém explicou o seguinte ao Observador:
O Conselho Administrativo da Presidência da República determinou que fosse construído um orçamento para 2017 alinhado com as preocupações de controlo da despesa pública. Dessa construção, norteada por orientações de contenção, veio a apurar-se uma redução de cerca de 3% em relação ao orçamento aprovado para o corrente ano de 2016.”
Marcelo gosta de ser rigoroso em matéria de contas e a resposta sobre a forma como procura a poupança dada ao Observador é estritamente formal: “Nos termos da Lei (Lei 7/96, de 29 de fevereiro), o Conselho Administrativo é o órgão deliberativo em matéria de gestão patrimonial, administrativa e financeira. Este Conselho expressa naturalmente as preocupações de controlo das despesas públicas e executa o orçamento em função das reduções de despesas.”
Nos primeiros oito meses de mandato, o Presidente da República fez mais viagens do que os seus antecessores ao estrangeiro. Itália, Espanha, França, Moçambique, Marrocos, Brasil, Estados Unidos da América, Suíça, Bulgária, Cuba ou Colômbia são alguns dos países que Marcelo Rebelo de Sousa tem visitado (e alguns já repetiu). Apesar de toda esta atividade (que se prevê continuar no segundo ano em Belém), Marcelo consegue reduzir o orçamento, pois poupa em alguns aspetos na viagem.
O Presidente da República faz mais deslocações, mas gasta menos por cada uma. Fonte de Belém faz, aliás, questão de destacar este aspeto: “As despesas em viagens e deslocações não têm a ver apenas com o número destas, mas também com a sua composição.” Os empresários que viajam com o Presidente, por exemplo, têm de pagar tudo do próprio bolso. O mesmo acontece com os jornalistas, que têm agora menos condições no terreno do que com os anteriores Presidentes.
Dos 17,1 milhões de euros do orçamento de 2016, a própria secretaria-geral aponta que 16,3 milhões de euros são relativos a despesas de funcionamento. Neste particular, houve um aumento de 1,5 milhões de euros face a 2015, que, de acordo com os serviços, se “destinou a reforçar as dotações que suportam as despesas com o pessoal, nomeadamente para fazer face ao impacto resultante das reversões de vencimentos legalmente previstas e outras despesas extraordinárias resultantes da transição de mandatos.”
Os salários representam a maior fatia do “bolo” da despesa da Presidência e são o maior valor dos últimos cinco anos. Em 2016, os gastos com pessoal atingiram os 72,1% do total da despesa de funcionamento, o que corresponde a 11,8 milhões de euros.
Quanto custam os ex-Presidentes?
Há ainda gastos peculiares da Presidência da República, como, por exemplo os gabinetes e as subvenções dos antigos Presidentes da República. No Orçamento para 2016, entra naturalmente um gasto acrescido, já que a partir de 15 de março passou a existir mais um ex-Presidente e mais um gabinete para a Presidência suportar: o de Cavaco Silva, no Convento do Sacramento, em Lisboa.
Questionado pelo Observador sobre os gastos dos ex-Presidentes da República no Orçamento da Presidência da República, fonte oficial explicou que “o peso do suporte dos gabinetes dos ex-Presidentes da República no orçamento da Presidência da República correspondeu, até 31 de outubro do corrente ano, a cerca de 7,5% dos duodécimos orçamentais vencidos.” Ora aplicando os 7,5% aos 12 meses do ano, e tendo em conta o Orçamento de 17,15 milhões de euros, significa que os ex-Presidentes custam cerca de 1,3 milhões de euros num ano. Só em subvenções, de acordo com o Orçamento do Estado para 2017, a Presidência vai gastar com os ex-Presidentes 323.627 euros, o que dá cerca de 23.116 euros/mensais (a 14 meses).