Mário Centeno passou a manhã desta sexta-feira a fugir a respostas sobre a Caixa Geral de Depósitos. Primeiro, aos deputados da direita, que lhe perguntaram no Parlamento, com insistência, sobre a eventual existência de um acordo escrito para estarem fora da alçada das obrigações dos gestores públicos. Depois, deu respostas equívocas às perguntas dos jornalistas sobre o mesmo tema durante a conferência de imprensa com o vice-presidente da Comissão Europeia Pierre Moscovici.
Durante a tarde, o CDS divulgou uma pergunta enviada ao primeiro-ministro que aparenta ter mais dados concretos sobre o alegado acordo entre o Governo e o presidente da Caixa, António Domingues:
Confirma a existência de um acordo, escrito ou verbal, nomeadamente através de confirmação por e-mail, com o presidente (na altura designado) da CGD em relação à não entrega das declarações de rendimentos?”
O Público já tinha noticiado, há uma semana, que as condições para aceitar a liderança da CGD colocadas por António Domingues estavam “registadas por escrito” segundo “informação coincidente entre fontes do Governo e da Caixa”, logo em 20 de Março, e que tinha a concordância de Mário Centeno e Mourinho Félix.
Questionado pelos jornalistas, o ministro das Finanças respondeu, ao lado do comissário francês, que “os acordos que o Governo faz com as instituições internacionais e internamente são depois refletidos nas decisões que o Governo toma, e as alterações legislativas que foram tomadas refletem plenamente os acordos que foram feitos”. Ou seja: Centeno parece colocar o ónus da alteração do Estatuto do Gestor Público (a única alteração legislativa durante este processo) na Comissão Europeia ou no BCE, mas também faz uma referência a acordos feitos “internamente”. No caso do BCE, refira-se, a presidente do Conselho de Supervisão do Banco Central Europeu chegou a responder o seguinte a um eurodeputado português: “Não foi atribuída ao BCE qualquer competência para instruir os governos dos Estados-Membros no sentido de revogar legislação que restrinja as remunerações”.
Desde o início desta polémica, segundo consta no preâmbulo da alteração ao Estatuto do Gestor Público, as Finanças entendem que “as regras específicas a que estão sujeitas as referidas instituições de crédito” — ou seja, a Caixa Geral de Depósitos — “sobrepõem-se largamente, ou mesmo ultrapassam, os limites estabelecidos à organização, ao funcionamento e à atividade das entidades públicas, incluindo as integradas no setor empresarial do Estado e aos titulares dos respetivos órgãos”.
Durante a conferência de imprensa, Mário Centeno não esclareceu se chegou a fazer um compromisso escrito sobre os salários e a não entrega de declarações de rendimentos com a atual administração da CGD. Questionado diretamente sobre a existência desse acordo, Mário Centeno fugiu a uma resposta taxativa e limitou-se a dizer que “o único compromisso que o Governo assumiu em relação à CGD é que se manterá um banco público, que manterá o seu papel na economia portuguesa, e que seja um banco competitivo. Esse é o único compromisso que temos”
O ministro das Finanças foi questionado várias vezes, esta sexta-feira, no Parlamento, sobre se tinha havido um acordo com os gestores da Caixa, inclusive por escrito, sobretudo no que diz respeito à não entrega das declarações de rendimentos no Tribunal Constitucional. O jurista e gestor António Lobo Xavier garantiu que havia compromissos por escrito com os administradores da CGD no Programa Quadratura do Círculo, esta quinta-feira à noite. “Esses compromissos inclusivamente estão escritos”, disse o antigo dirigente do CDS, criticando a “inacreditável falta de solidariedade” do Governo para com a administração do banco.
Pelo menos no aspeto da contratação dos gestores que dizia respeito ao fim dos tetos salariais na CGD, foi o próprio Presidente da República a reconhecer que havia um acordo e uma negociação do Governo com a administração da Caixa que implicava alterações legislativas. Na nota de promulgação dessa alteração ao Estatuto do Gestor Público, Marcelo Rebelo de Sousa escreveu:
Foi no quadro da preparação e negociação desse plano [de recapitalização], ainda em curso, que surgiu este decreto, apresentado pelo Governo como necessário para a entrada de funções de nova administração.”
No mesmo texto, o Presidente admitiu apenas que o diploma se referia ao “estatuto remuneratório da gestão” e nunca mencionou o problema da entrega das declarações ao TC. Mas Rebelo de Sousa havia de ir mais longe na sua apreciação, escrevendo mesmo que se não promulgasse a alteração legislativa, isso correspondia “à não entrada em funções do novo Conselho de Administração, com o agravamento do risco de paralisia da instituição”. Ou seja, também estava pressionado entre dar à CGD uma administração e promulgar um diploma sobre o qual tinha reservas.
Com o reacender da polémica, depois de o comentador Luís Marques Mendes ter levantado a questão da entrega das declarações dos rendimentos no seu programa na SIC, Marcelo Rebelo de Sousa sentiu-se obrigado a fazer uma nota a clarificar que o Presidente da República não considerava que o Estatuto do Gestor Público abrangesse a questão. O decreto de alteração “incidiu apenas sobre o Estatuto do Gestor Público”, escreveu o Presidente da República, esclarecendo que “esse Estatuto nada diz sobre o dever de declaração de rendimentos e património ao Tribunal Constitucional”. E ditou de seguida que os gestores tinham mesmo de entregar as declarações no TC, posição que voltou a repetir esta sexta-feira de manhã durante uma visita ao bazar diplomático.
Notícia atualizada às 18h05 com a pergunta do CDS e a notícia do Público.