Quando falamos no desenvolvimento da humanidade, é impossível não pensar em invenções como o fogo, a roda, a eletricidade, a lâmpada e a penicilina. No meio disto tudo, pode parecer estranho — e um pouco fútil, é certo — pensar que a maquilhagem possa ter tido algum impacto, mas a verdade é que teve. O batom desempenhou um papel importante na forma como as mulheres se afirmaram ao longo da história e uma das maiores armas de auto-estima.

Nos anos 10 do novo milénio entrámos na era do batom 2.0 — hoje em dia temos batons que dão um efeito de lábios mais preenchidos e maiores, que realçam a cor natural dos lábios, que “colam”como uma tatuagem e duram o dia todo, ou ainda em todas as cores possíveis e imaginárias (pense em roxo e até verde, existem). Mas muito antes disto, e como lembra o site Lipstick History, o batom já era de tal forma determinante que se tornou até um indicador económico.

Das mulheres da Mesopotâmia à rainha Isabel I

O ser humano sempre teve a necessidade de se distinguir dos demais. É por isso que queremos ter o melhor carro, o melhor telemóvel, a melhor casa, a melhor roupa. As pinturas faciais foram uma das primeiras formas visíveis de criar uma distinção. Se, no início, os batons eram somente feitos a partir de recursos naturais, como frutas e vegetais, à medida que as primeiras civilizações começaram a surgir, novas formas avançadas foram sendo inventadas. As nossas anciãs da Mesopotâmia foram as primeiras a criar batons através do ato de moer pedras preciosas e, com o seu pó, decorar os lábios. Seria com as mulheres do Egito que o batom ganharia um grande avanço — membros da realeza e da alta sociedade usavam vários tipos de batons, alguns mesmo com ingredientes venenosos, tal era a procura por este tipo de cosmético. Foi também nesta altura que os vermelhos e os rosas se tornaram populares. Estas cores eram criadas a partir dos corpos de insetos Cochonilha (técnica ainda hoje utilizada, embora já muito regulada pelos governos, tanto americano como europeu). Diz-se que Cleópatra só usava lábios vermelhos, para aumentar a sua sensualidade.

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circa 1955: Two women playing an unusual game of chess, with lipstick instead of chess pieces. (Photo by Chaloner Woods/Getty Images)

Duas mulheres jogam um jogo de xadrez, com batons ao invés de peças, em 1955. (Foto: Chaloner Woods/Getty Images)

A partir do Egito, o batom entrou no nosso continente, através dos atores da Grécia Antiga e do império grego. Mais tarde, quando o Cristianismo tomou conta da Europa, foi abolido pela Igreja Católica com o argumento de que os lábios pintados de vermelho estavam associados a Satanás. Podia ter sido o fim do batom mas, no século XVI, a rainha Isabel I de Inglaterra viria a fazer mudanças dramáticas na moda e na sociedade, tornando-o popular.

Da realeza para as massas populares, o batom começou a ser usado pela classe baixa e as prostitutas, sendo novamente abolido pela sua carga negativa. Só voltaria a ganhar poder no século XIX, com a revolução industrial, quando se tornou um símbolo na moda e a sua produção se tornou mais fácil e mais barata. Já no século XX, a sua popularidade aumentou com as atrizes de cinema e o batom foi finalmente aceite e ferozmente popularizado ao longo das décadas e à medida que a mulher foi sendo cada vez mais independente e lutadora dos seus direitos.

batom isabel I

A rainha Isabel I de Inglaterra com os lábios pintados de vermelho, já em 1575. (Foto: Wikimedia Commons)

O indicador económico do “efeito batom”

O conceito foi utilizado pela primeira vez durante a Grande Depressão, entre 1929 e 1933, quando toda a produção industrial nos EUA caiu mas as vendas de cosméticos aumentaram. Nascia, então, a teoria de que em períodos de dificuldades económicas, as pessoas substituem os gastos extravagantes por pequenos luxos de resultados imediatos. O The New York Times explica que, em 2001, após os ataques terroristas, a companhia de cosméticos Estée Lauder vendeu mais batons do que o habitual. Esta ideia sumariza a teoria de que as compras de batons são uma forma de medir a economia. Quando é instável, as vendas aumentam porque as mulheres querem melhorar o seu humor com prazeres acessíveis, como um batom, ao invés de malas ou sapatos de centenas de euros.

Grande parte das marcas de cosméticos é fiel crente desta teoria, razão para investirem anualmente em grandes investigações e lançamentos de batons com novas texturas, novas fórmulas, novas cores, novas invenções.

“O batom ajuda a mulher a parecer equilibrada, mesmo quando a sua conta bancária está negativa. Em tempos de stress, o uso de um batom passa uma imagem mais viva, vibrante”, diz o The New York Times.

PALM SPRINGS, CA - 1954: Actress Marilyn Monroe poses for a portrait laying on the grass in 1954 in Palm Springs, California. (Photo by Baron/Getty Images)

A atriz Marilyn Monroe foi uma das principais responsáveis pela popularização do batom como símbolo de poder e feminilidade. Aqui, em 1954. (Photo by Baron/Getty Images)

As modas vão e vêm mas o batom permanece sempre

Há uma coisa que é sempre consensual em todas as tendências: o batom. A moda mudou drasticamente durante o último século e o batom foi dos poucos cosméticos a manter-se popular e um símbolo de poder feminino. É barato, fácil de usar e cria uma mudança imediata na nossa aparência. O site Statista diz que mais de 135 milhões de mulheres usava batom nos EUA em 2011, valor que desceu para 133 milhões em 2015 mas que deverá chegar aos 142 milhões em 2020. Outro dado interessante: estima-se que 30 por cento das mulheres deverá ter 20 batons ao mesmo tempo na sua vida adulta, número que provavelmente se alterou com os fenómenos das redes sociais e das youtubbers de beleza que apelam a um consumo ainda maior deste tipo de produtos.

Em Portugal, um estudo realizado pelo grupo L’Oréal Paris concluiu que os batons chegam a 52 por cento das mulheres portuguesas e é provável que, também aqui, esta percentagem venha a aumentar à medida que a forma como as portuguesas veem a moda e a beleza está a mudar. Este ano, o batom vermelho foi destronado com a popularidade que o batom líquido ganhou e, mais uma vez, estamos a assistir a novas mudanças na cultura. Dos batons em stick para o gloss e, agora, para o batom líquido, o reinado dos lábios pintados vai continuar como símbolo de poder, auto-estima e feminilidade.

Na fotogaleria, em cima, mostramos alguns batons icónicos e líderes de vendas ao longo dos anos (e que tem de experimentar alguma vez na vida) e outros novos que estão a chegar ao nosso mercado para que, antes de sair de casa, não tenha dúvidas: pinte os lábios. E arrase.