A Comissão Europeia admite que uma otimização mais profunda da Caixa Geral de Depósitos, possivelmente acompanhada por passos concretos na direção de uma privatização total, poderiam ter ajudado a reduzir os riscos contingentes para o Estado e a fomentar a concorrência no setor bancário em Portugal.
A tese faz parte de uma pós-avaliação ao programa de assistência a Portugal promovida pela Comissão Europeia, através da Direção-Geral para Assuntos Económicos e Financeiros e agora divulgada. Nesta avaliação, feita por economistas da própria Comissão — o Fundo Monetário Internacional (FMI) promoveu também um painel independente de avaliadores — Bruxelas reconhece falhas ao nível do desenho do programa, bem como da sua implementação, que deveria ter prosseguido um ajustamento à cabeça mais forte dos balanços bancários. E conclui que uma supervisão ou medidas de resolução mais imediatas teriam sido manobráveis dentro do envelope financeiro para o setor fixado pelo programa, uma vez que cerca de metade (6.400 milhões de euros) não foram usados durante a execução do programa.
Considerando que uma abordagem mais enérgica por parte da supervisão poderia ter mitigado o custo das resoluções do BES e do Banif, os economistas da Comissão Europeia avaliam também o que correu mal na forma como foram geridos os problemas do banco do Estado. Neste período, entre 2011 e 2014, a Caixa recebeu uma recapitalização de 1.650 milhões de euros e foi alvo de uma reestruturação, mas não conseguiu sair dos prejuízos nem reembolsar os apoios do Estado, estando agora prevista nova recapitalização e reestruturação.
“No caso da CGD, uma otimização mais profunda do banco possivelmente acompanhada por passos concretos em direção à sua privatização total, poderiam ter ajudado a reduzir os riscos contingentes para o Estado e fortalecer a concorrência no setor bancário”.
A Troika, onde estava a Comissão Europeia, defendeu na negociação do programa português em 2011 a privatização da Caixa, que foi afastada pelo então governo do PS. O tema da privatização voltou a estar em cima da mesa no recente processo de negociação com a Comissão Europeia sobre a recapitalização, com o Governo de António Costa a afastar qualquer cedência à natureza pública do banco. Bruxelas aceitou um aumento de capital da Caixa apenas subscrito pelo Estado, ainda que com um investimento de mil milhões de euros privado em dívida.
Banco de Portugal deveria ter sido mais exigente e enérgico
Apesar de registar que a supervisão bancária foi reforçada, bem como o nível de capital dos bancos, a revisão da qualidade dos ativos exigiu várias rondas para assegurar uma avaliação adequada, dizem os economistas. Os testes de stress (de resistência à solidez da banca) não conduziram a uma ação pronta para melhorar a resistência de todos os bancos abrangidos, aos cenários testados. E a autoridade de supervisão — o Banco de Portugal — “não exigiu uma recapitalização/reestruturação mais robusta dos bancos.”
A auto-avaliação promovida pelos economistas da Comissão não deixa de fora o Banco de Portugal, recordando que o supervisor bancário era o “responsável pelo desenho e implementação da recapitalização dos bancos”. Diz que deveria ter sido enfatizada a importância de estratégias diferentes e dada uma orientação mais detalhada. No limite, reconhece devia ter sido colocada “maior pressão na implementação”.
As ações de supervisão deveriam ter sido mais apertadas no que diz respeito ao provisionamento de perdas, em particular quando estas resultavam, como no caso do crédito malparado, de um arrefecimento mais evidente da economia. Teria sido igualmente útil uma análise publicamente disponível no contexto do programa sobre as vantagens e desvantagens das várias opções para resolver créditos não performantes (empréstimos que não geram retorno para os bancos).
Um ajustamento mais imediato dos “problemáticos” Banif e Banco Espírito Santo (BES), defendem ainda os economistas, teria sido mais benéfico, e uma abordagem mais musculada à Caixa Geral de Depósitos poderia também ter sido assegurada. O BES e o Banif foram “resolvidos” (objeto de resolução) depois do final do programa português, que terminou em maio de 2014.
Com o benefício de uma visão já “retrospetiva” sobre o que correu mal, os economistas concluem que uma supervisão mais enérgica poderia também ter promovido um ajustamento mais célere destas duas instituições, se bem que no caso do BES alguns dos fatores que conduziram à resolução foram surgindo de forma gradual. Uma ação mais pronta poderia ter reduzido os custos potenciais, sem provocar a instabilidade financeira, insistem.
Os economistas assinalam ainda que o ponto de partida do programa era uma banca muito concentrada — na Caixa, BCP e BES — e que apresentava alguma ineficiência, com excesso de balcões. O banco do Estado tinha 20% dos ativos da banca e uma rentabilidade inferior à dos concorrentes. Como consequência, e desempenhando a Caixa um papel de referência, pode ter contribuído para puxar para baixo a concorrência no setor. Já o BES e o BCP, totalmente privados, tinham uma estrutura acionista complexa e grande exposição aos setores não financeiros.
O relatório com data de novembro destaca ainda que foram surgindo novos créditos em incumprimento sem que tivesse sido implementada uma política para resolver os já existentes. E conclui que o reconhecimento progressivo que os bancos foram fazendo das perdas por imparidades de crédito e a ausência de mercado e de mecanismos alternativos para resolver o malparado, travaram a resolução do problema que ainda hoje ensombra a banca nacional.
Banca continua a ser um risco para o Estado
E não tendo sido definida uma linha entre as necessidades dos bancos, o setor bancário continua a representar uma fonte de riscos para o Estado.
Para além dos instrumentos de dívida que o Estado subscreveu em alguns bancos, a fatura inclui os custos de resolução do Banif e da nacionalização do Banco Português de Negócios. Poderão surgir mais contingências com os veículos públicos que ficaram com os ativos do BPN e resultantes do controlo público da Caixa Geral de Depósitos, que irá receber uma recapitalização de 5.160 milhões de euros. Mesmo a resolução do BES, uma fatura que deveria ser suportada pelo sistema bancário, pode fazer subir a conta do Estado por via do financiamento público de 3.900 milhões de euros ao Fundo de Resolução, ainda por pagar.