É esta segunda-feira que Donald Trump será, ao que tudo indica, eleito ‘oficialmente’ presidente dos EUA. É que a eleição do dia 8 de novembro serviu apenas para escolher os ‘grandes eleitores’ que agora, no Colégio Eleitoral, votam verdadeiramente no próximo presidente dos Estados Unidos. O voto no Colégio Eleitoral é, habitualmente, uma mera formalidade, já que os ‘grandes eleitores’ são regra geral fiéis ao partido que os elege. Mas nem sempre é assim. E se é verdade que ninguém acredita num ‘chumbo’, também é verdade que nunca antes houve tanto destaque em relação a este órgão.

Importa assim perceber o que vai acontecer esta segunda-feira nos Estados Unidos, como vai ser oficializada a eleição de Donald Trump como presidente dos EUA e que polémicas ainda perduram.

O que é o Colégio Eleitoral?

O sistema eleitoral dos Estados Unidos não é igual ao português. Quando os americanos votaram, no dia 8 de novembro, não estavam a votar diretamente em Donald Trump ou em Hillary Clinton, mas, sim, na lista de ‘grandes eleitores’ apresentada no seu estado pelo Partido Republicano ou pelo Partido Democrata. Cada estado tem direito a um determinado número de ‘grandes eleitores’ — o mais representado no Colégio é a Califórnia, com 55 lugares, e no outro extremo está um conjunto de estados mais pequenos, que contam apenas com três assentos cada um — e esse número de lugares por estado depende da população e da representatividade no Congresso. Para preencher os 538 lugares deste órgão, cada partido político apresenta uma lista de pessoas em cada estado, escolhidas entre os seus membros mais notáveis. Alguns partidos, mais pequenos, não conseguem garantir um número suficiente de ‘grandes eleitores’, pelo que se apresentam a votos apenas em alguns estados.

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O conjunto dos ‘grandes eleitores’ que vencem em cada estado constitui, depois, o Colégio Eleitoral. Em quase todos os estados, o partido vencedor leva a totalidade dos ‘grandes eleitores’ para o Colégio Eleitoral, não importando a percentagem de votos que o partido obteve. Por exemplo, na Califórnia, o Partido Democrata venceu com cerca de 62% dos votos, mas levou todos os 55 ‘grandes eleitores’. Apenas em dois estados — o Maine e o Nebraska — é que estes eleitores são escolhidos de forma proporcional ao resultado do voto popular, podendo esses estados levar representantes dos dois partidos.

É depois a este Colégio Eleitoral que cabe a escolha do presidente e do vice-presidente, mas a votação é habitualmente um pro forma, já que os casos de eleitores que não votaram no seu partido são muito raros.

PHILADELPHIA, PA - NOVEMBER 13: Protestors demonstrate against President-elect Donald Trump outside Independence Hall November 13, 2016 in Philadelphia, Pennsylvania. The Republican candidate lost the popular vote by more than a million votes, but won the electoral college. (Photo by Mark Makela/Getty Images)

O sistema do Colégio Eleitoral tem sido muito contestado pelos manifestantes anti-Trump (Photo by Mark Makela/Getty Images)

Como funciona a votação?

Na primeira segunda-feira depois da segunda quarta-feira de dezembro (ou seja, esta segunda-feira), os 538 ‘grandes eleitores’ reúnem-se nas capitais dos respetivos estados — nunca se juntam todos no mesmo local ao mesmo tempo. Nessa reunião, votam no candidato que desejam para ocupar os lugares de presidente e vice-presidente dos EUA. Quem obtiver pelo menos 270 votos em todo o país vence.

O momento da votação não é igual em todo o país. Em alguns estados, o voto é secreto e feito através de um boletim em urna fechada. Noutros, os ‘grandes eleitores’ anunciam em voz alta o seu voto. Mesmo a própria cerimónia é diferente nos vários estados: em alguns, há um ritual elaborado e prolongado, enquanto noutros acontece apenas um ato mais discreto — não há regras definidas para o funcionamento do Colégio. No final, cada eleitor assina seis documentos: um enviado ao presidente do Senado, dois para a Secretaria de Estado do respetivo estado, outros dois para ficarem arquivados e um último é enviado a um juiz.

Os votos são oficialmente contados no dia 6 de janeiro, pelo Congresso. Na eventualidade (pouquíssimo provável, diga-se, já que os ‘grandes eleitores’ são conhecidos pela lealdade que mantêm ao seu partido) de nenhum dos candidatos reunir 270 votos, seria a Câmara dos Representantes a votar para escolher o novo presidente.

Quando vamos saber os resultados?

Visto que os 538 membros do Colégio Eleitoral não se reúnem todos ao mesmo tempo no mesmo local, mas, sim, nas capitais de cada estado a horas diferentes, os resultados da eleição serão conhecidos ao longo do dia. Os resultados deverão começar a ser divulgados poucos depois das 15h00 de Lisboa (10h00 em Nova Iorque), e a votação deverá estar concluída por volta da meia-noite em Portugal continental (altura em que terminam as votações nos estados mais distantes, como o Havai).

WASHINGTON, DC - JANUARY 04: Congressional clerks pass the Electoral College certificate from the state of Ohio while unsealing and organizing all the votes from the 50 states in the House of Representatives chamber at the U.S. Capitol January 4, 2013 in Washington, DC. The votes were tallied during a joint session of the 113th Congress. President Barack Obama and Biden received 332 votes to be reelected. (Photo by Chip Somodevilla/Getty Images)

Os certificados de voto são contados pelo Congresso, em janeiro (Imagem: Chip Somodevilla/Getty Images)

Quem faz parte do Colégio Eleitoral?

Este ano, há 306 republicanos e 232 democratas no Colégio Eleitoral, resultado da vitória de Donald Trump em 31 dos 50 estados norte-americanos. Entre eles, há desde figuras ilustres da política norte-americana — como Bill Clinton, que é um d0s ‘grandes eleitores’ nomeados pelo estado de Nova Iorque — a outros menos conhecidos, como líderes partidários locais. Os eleitores são escolhidos em cada estado de formas diferentes e em momentos distintos do ano em que há eleições — em alguns estados, as listas são formadas logo no início do ano, enquanto noutros os ‘grandes eleitores’ só são escolhidos em outubro, muito perto do dia da eleição.

O que são os “eleitores infiéis”?

Apesar de acontecer muito raramente, a verdade é que não há nada na Constituição dos EUA que vincule os eleitores a um determinado sentido de voto. Segundo Richard Winger, especialista em eleições citado pela ABC News, houve 157 “infiéis” na história do país, ou seja, ‘grandes eleitores’ que recusaram votar no candidato nomeado pelo seu partido.

Este ano já há pelo menos um “infiel” anunciado: Christopher Suprun, um eleitor nomeado pelo Partido Republicano no Texas, já garantiu que não vai votar em Trump. Num artigo de opinião publicado no The New York Times, Suprun sublinha que foi escolhido para votar “em alguém que mostra diariamente que não é qualificado para o cargo” e ataca os conflitos de interesse de Donald Trump. Suprun é o único republicano num grupo de ‘grandes eleitores’ que tentaram, através de uma carta aberta, garantir que os membros do Colégio recebiam informações dos serviços de inteligência sobre a influência da Rússia na eleição de Trump.

Christopher Suprun, a Texas GOP "faithless elector" who will not cast a vote for US-President Elect Donald Trump, speaks during a demonstration hosted by #TURNOUT at the Sylvan Theatre near The Washington Monument in Washington, DC, December 17, 2016. / AFP / ZACH GIBSON (Photo credit should read ZACH GIBSON/AFP/Getty Images)

Christopher Suprun, um eleitor republicano que não vai votar em Donald Trump (Imagem: ZACH GIBSON/AFP/Getty Images)

O pedido acabou por ser negado, e já há um congressista republicano a exigir um adiamento da votação. “Recentemente, relatórios credíveis sugerem que houve esforços concertados de uma potência estrangeira para interferir no resultado da eleição. Penso que os eleitores devem receber toda a informação relevante sobre esta interferência antes de tomarem as suas decisões e antes de depositarem os seus votos”, escreveu o republicano Don Beyer, num comunicado publicado no Twitter.

Os ‘grandes eleitores’ sofrem pressões do exterior?

Sem dúvida. Ao longo da história dos EUA, o Colégio tem tido um papel muito discreto, mas este ano está a ser diferente. Segundo o Politico, os membros republicanos do Colégio têm recebido telefonemas e emails com ameaças, incluindo algumas ameaças de morte. Jim Rhoades, um ‘grande eleitor’ republicano do estado do Michigan, diz que a sua empresa já perdeu clientes. “Nunca imaginei que se assediasse assim as pessoas”, diz Rhoades ao Politico. Na semana passada, o movimento Unite for America divulgou um vídeo com diversas personalidades norte-americanas a apelar aos eleitores republicanos que votem em consciência. O movimento começou depois a enviar diretamente aos eleitores versões do vídeo em que os membros do Colégio eram interpelados diretamente pelo nome.

https://www.youtube.com/watch?v=0z0iuWh3sek

Mas do outro lado também chegam pressões. A campanha de Donald Trump e as estruturas do Partido Republicano têm tentado pressionar os eleitores republicanos a manterem-se fiéis ao partido. “A campanha de Trump telefona, o Partido Republicano do Texas telefona. Estão a tentar garantir os votos”, destacou Alexander Kim, um ‘grande eleitor’ republicano pelo Texas, em declarações ao Politico.

O Colégio Eleitoral é o melhor sistema?

As opiniões dividem-se. Donald Trump, por exemplo, parece ter uma opinião variável sobre o tema. Num tweet de novembro de 2012, no dia a seguir à reeleição de Barack Obama, Trump escreveu que “o Colégio Eleitoral é um desastre para a democracia”. Quatro anos mais tarde, uma semana depois da sua própria eleição, voltou a atacar no Twitter: “O Colégio Eleitoral é, na verdade, genial, porque coloca todos os estados, incluindo os mais pequenos, em jogo. A campanha é muito diferente”.

O que parece ser consensual é que o sistema não é democrático, pelo menos diretamente. Isto porque, como recorda Peter Beinart num texto da The Atlantic com o sugestivo título O Colégio Eleitoral foi criado para impedir homens como Trump de serem presidentes, “independentemente da forma como são selecionados, os ‘grandes eleitores’ mantêm a independência para tomarem a sua decisão”. Quando foi criado, o sistema do Colégio Eleitoral visava deixar a escolha do líder da nação das mãos dos homens mais capazes, evitando que a decisão ficasse do lado da generalidade da população e que fosse eleito alguém sem capacidades para o exercer o cargo.

A maior crítica apontada ao sistema é o facto de um candidato poder ter mais votos populares e acabar por perder no Colégio Eleitoral. Este ano, Hillary Clinton teve pelo menos mais um milhão de votos do que Trump, mas o republicano venceu em mais estados, reunindo mais votos no Colégio. O que não é inédito. Num texto de opinião publicado no The Washington Post, o colunista George F. Will recorda os vários presidentes americanos que foram eleitos apesar de terem tido menos votos populares, e desmistifica as acusações de défice democrático do sistema: “As 48 eleições desde 1824 produziram 18 presidentes que receberam menos de 50% do voto popular. O maior de todos, Abraham Lincoln, só recebeu 39,9% em 1860”. E pede ainda: “Não culpem o excelente sistema eleitoral pela escolha de 2016, que foi o resultado de outros aspetos, gravemente defeituosos, do processo político da América”.

E depois da votação de hoje?

Como já referimos acima, os documentos respeitantes a cada voto seguem, depois de assinados por cada ‘grande eleitor’, para o Senado. A contagem oficial acontece no dia 6 de janeiro, quando o Congresso se reunir sob a presidência de Joe Biden, vice-presidente dos EUA e presidente do Senado. Nesse dia, os votos, que seguem em envelopes selados, serão abertos e anunciados por ordem alfabética dos estados. Assim que todos os estados tiverem sido anunciados, o presidente do Senado, anuncia o vencedor. Este momento, como recorda o The New York Times, já deu origem a momentos constrangedores, como quando Al Gore anunciou, em 2001, a sua própria derrota.

Depois do anúncio, Joe Biden ainda irá perguntar se existem objeções ao resultado, havendo ainda lugar a recursos por parte dos advogados dos eleitores. Se existirem, as duas câmaras do Congresso dividem-se e têm duas horas para resolver o assunto. Com as objeções ultrapassadas, o resultado final é anunciado. And that’s it, Trump será (quase de certeza) presidente dos EUA.