É André que faz a chamada. Liga-nos e diz que tem “dez minutinhos”, diminutivo incluído. Acaba por ter um pouco menos, mas não há problema — afinal, estamos perante um vencedor de um Grammy. André Allen Anjos, o homem que formou o nome RAC para um coletivo de remisturas, o mesmo coletivo que acabaria por se transformar num projeto a solo. Foi este trabalho que lhe deu uma primeira nomeação em 2015, para a remistura que fez de “Say My Name”, com os Odesza e a inglesa Zyra. A segunda surgiu este ano, para o “RAC Mix” de Tearing Me Up de Bob Moses. E foi mesmo André que venceu o Grammy para Melhor Gravação Remisturada. Um tremendo talento para perceber de onde vem uma canção e para onde vai, é isso que este distinguido tem.
Do Porto para Santa Maria da Feira e depois à procura de um caminho que o levasse onde queria, coisa de músico com ambição. Em 2005 descobriu-o nos EUA, onde vive atualmente (em Portland). Estudou mais, procurou saber o que havia a saber sobre o negócio da música, entregou-se às eletrónicas (e não só) e percebeu que era a remisturar que estava bem. Assim continua, apesar das novidades a caminho (um álbum?). Não se lembra do que disse quando recebeu o Grammy mas recorda-se bem de estar no meio das estrelas. “É estranho, não é?” É um pouco, sim, mas tratemos então desses dez minutinhos.
À segunda nomeação, um Grammy. É uma boa média. Que tal foi, o momento?
Foi completamente louco. Não estava nada à espera, não via nada daquilo a acontecer. Quer dizer, via, talvez um pouco, porque estava nomeado e era a segunda vez que acontecia, mas, ao mesmo tempo, sentia apenas isso, que era um nomeado, que estava ali de visita e era isso. De repente dizem o meu nome e estou no palco a receber um prémio. Não me lembro de nada do que disse ao receber o Grammy. Acho que só me lembro de ter acordado hoje de manhã.
Disse: “Há dez anos iniciei este projeto no quarto do dormitório e nunca pensei que estaria aqui. Isto é de loucos”.
Isso, foi isso.
Portanto, nem da gala tem grande memória, é isso?
Nem por isso, acho que fiquei demasiado nervoso. Lembro-me sobretudo de ter visto de um lado a Lady Gaga e do outro o James Hetfield, dos Metallica, e de pensar algo como “tem calma, tem calma, vai corre tudo bem”. E correu, por acaso correu. Quando cheguei, passei pela passadeira vermelha. A sério. A passadeira vermelha. Sempre a querer ser muito profissional, naturalmente, sem nunca dar parte fraca.
O que vai mudar agora? Será que vai mudar alguma coisa de todo?
Pois, não sei. A verdade é que quando fui nomeado pela primeira vez, sempre que eu ou o meu nome aparecemos em algum lado, aparecemos sempre com a expressão “nomeado para os Grammy”, como se isso de repente fizesse parte do meu nome. Entre isso e ganhar de facto o prémio, não sei se muda alguma coisa. Vamos ver. Não tenho tido falta de trabalho por isso também não sei bem o que pode mudar.
Mudar mudou tudo quando foi para os EUA.
Sim, isso é verdade. E na altura nem sabia bem no que me estava a meter, parecia-me uma hipótese interessante mas não sabia sequer o que me esperava. Acho que era um pouco imaturo quando vim para aqui. A sério, tenho 32 anos agora, a consciência que tenho das coisas é completamente diferente. Na altura foi quase uma loucura.
E porque tomou essa decisão, se era uma loucura, como diz?
Porque tinha de fazer alguma coisa, estava meio parado e sabia que tinha mais para dar. Tinha dupla nacionalidade e isso dava-me alguma facilidade para vir para os EUA e sabia que isso poderia mudar tudo. Quase todos temos um momento em que podemos decidir ir por um caminho ou por outro. Eu escolhi “o outro”. Até ver, tem corrido bem. Se fosse hoje, talvez não fosse preciso mudar-me, talvez agora esteja tudo mais ligado, as coisas mudaram muito em poucos anos. E continua a haver espaço, continuamos todos a querer ouvir coisas diferentes e novas, isso não vai mudar, por mais que muita gente diga que já foi tudo inventado. Isso não é bem assim. É tudo uma questão de aproveitar os momentos chave.
Qual foi o seu?
Perceber que as remisturas eram algo que me diferenciava. Comecei a dar mais atenção à música quando tinha uns 15 anos, talvez. Experimentava várias coisas dentro da eletrónica mas não sabia ao certo para onde ir. Anos mais tarde descobri que tinha jeito para as remisturas e que gostava de as fazer. São duas coisas raras e quando estão juntas é de aproveitar. Foi o que comecei a fazer.
I won!! this is so crazy!! pic.twitter.com/4RO3MzGIY4
— rac.eth (@RAC) February 12, 2017
Mas nem sempre sozinho.
Não. Bom, mais ou menos. Na verdade, sempre comecei tudo sozinho, mas também sempre gostei de colaborações, da ideia de “projeto”, em que vou trabalhando com pessoas diferentes para fazer “o meu” trabalho. E é isso que tenho feito. Talvez nos últimos tempos tenha andado mais solitário mas não porque o tenha procurado, nada disso.
E agora?
Agora, eventualmente, vai aparecer um álbum. Não posso dizer quase nada a não ser isso. Um álbum.
Já não é mau.
Não, até acho que é muito bom. Também tenho um projeto com a minha mulher.
Que projeto é esse?
Ah, é algo paralelo, gostamos de fazer umas versões de vez em quando.
Material para Grammy.
Hmmm… aí talvez não.