Mais um debate tenso no Parlamento, semana e meia depois da conferência de imprensa de Mário Centeno sobre a Caixa Geral de Depósitos e do comunicado do Presidente da República a aceitar a continuação do ministro das Finanças em nome do “interesse nacional”. Falou-se muito de Caixa, mas António Costa tinha a polémica dos offshores na manga para contrapor à direita. Ainda houve Novo Banco e Almaraz.
O que há na Caixa não tem fim
O momento mais quente do debate quinzenal voltou a ser por causa da Caixa Geral de Depósitos. Quando Assunção Cristas, líder do CDS, anunciava ter pedido uma audição ao Presidente da República para se queixar do funcionamento do Parlamento no que se refere à comissão de inquérito à CGD. Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República, não gostou e atirou do alto do plenário: “A porta do meu gabinete está sempre aberta para todos os deputados”. A direita tem acusado a esquerda — e voltou a ser assim ao longo de todo o debate — de obstaculizar o funcionamento do inquérito parlamentar. A crítica inclui Ferro, que desde início tem colocado dúvidas ao âmbito do inquérito. Por isso, os democratas-cristãos revoltaram-se com a tirada do presidente do Parlamento que acusaram de ter “fechado a porta na cara do PSD e do CDS”. Ferro colocou o assunto no âmbito da Constituição, para acabar com a troca de palavras com Nuno Magalhães, líder parlamentar do CDS: “Não desconhece a separação de poderes entre a Assembleia da República e o Presidente da República”.
Mas, neste quinzenal, houve muito mais sobre a Caixa do que imagina. Este foi o debate onde António Costa usou o acórdão do Tribunal Constitucional para defender que as alterações ao Estatuto do Gestor Público não isentavam os administradores da Caixa de entregarem declarações de rendimentos junto. “O Tribunal Constitucional deixou claro que nunca esteve em causa a transparência”, garantiu Costa. E foi também o dia em que Costa negou alguma vez ter tido dúvidas sobre a obrigação de os gestores da Caixa apresentarem as suas declarações. O primeiro-ministro fez esta afirmação, ainda que o Governo tenha declarado oficialmente — depois de Marques Mendes ter levantado o caso em outubro –, que o facto de nenhuma declaração ter sido depositada o TC não se tratava de um lapso. O Observador já fez um Fact Check sobre o tema:
Caixa. Governo nunca teve dúvidas sobre a entrega das declarações de rendimentos dos gestores ao TC?
Houve ainda mais um caso dentro do caso Caixa, sobre as SMS trocadas entre o ministro das Finanças e o antigo (e breve) administrador do banco público, António Domingues. António Costa levava a acusação preparada: “É mesmo o grau zero da política chegar às bisbilhotice das SMS”. Isto, quando dizia ao PSD e CDS que os dois partidos estavam a insistir no caso por falta de argumentos sobre os dados económicos do país.
Offshores para atirar à direita
Pedro Passos Coelho pegou no desconforto de frente e tentou tomar a dianteira da questão que atinge em cheio o anterior Governo: entre 2011 e 2014, dez mil milhões de euros não passaram pelo controlo da Autoridade Tributária e Aduaneira. Catarina Martins já tinha levantado o tema, antes do líder do PSD, mas foi Passos que concentrou atenções ao dizer que vai levar “até às últimas consequências o apuramento dessa situação”. Também garantiu que, enquanto primeiro-ministro, nunca soube de nada, e que hoje é ele “o primeiro interessado em que se apure tudo o que se passou”. E foi aqui que a coisa foi levada à Caixa: “Faremos hoje na oposição exatamente o contrário do que no Governo e a maioria estão a fazer em relação à CGD, onde existe uma plena ocultação e uma violação até das regras mais básicas de transparência apenas porque o Governo pretende proteger informação relevante”.
O assunto foi o tema-muleta de Costa neste debate. Sempre que precisava de atirar à direita recorria a ele. Foi o que fez quando Cristas o questionou sobre não ter honrado a palavra sobre a neutralidade fiscal no ISP (imposto sobre combustíveis) e o primeiro-ministro atirou: “Vejo que quer voltar a ser a líder do partido dos contribuintes, mas depois do seu currículo em matéria de contribuinte, os que foram poupados foram os que levaram o dinheiro para offshores”. O Observador também fez um Fact Check sobre a questão do ISP:
Combustíveis. A revisão do ISP dependia do gasóleo profissional?
Garantias à esquerda sobre Novo Banco
Foi o tema de arranque do debate, com Catarina Martins a começar logo com uma pergunta curta para o primeiro-ministro: “O Governo aceitará dar, em nome do fundo de resolução garantias sobre o mal parado na venda do Novo Banco?”. A resposta de Costa foi que “em caso algum perderá 3,9 mil milhões ou qualquer parcela dos 3,9 mil milhões de euros. São empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução ao sistema financeiro. Pode ser que o sistema financeiro tenha de suportar o pagamento ao Estado dos 3,9 mil milhões de euros, além daquilo que será a alienação”. Ou seja, garantias do Estado à Lone Star, não. Mas o tema promete não ficar por aqui, já que Catarina Martins manteve e a desconfiança: “Nada disse sobre a garantia do fundo de resolução e sabemos que isso vai sempre ao défice”. A desconfiança da líder do BE em mesmo a ver com o processo de venda, que diz que vai significar “perder dinheiro duas vezes com o mesmo banco”. É por isso que o BE diz preferir a nacionalização do banco criado com os ativos bons do Banco Espírito Santo.
Almaraz: esquerda atacou acordo com Espanha
Há dois parceiros (pelo menos) do Governo insatisfeitos com o acordo com Espanha sobre a construção de um armazém da central nuclear de Almaraz. Portugal retirou a queixa e o BE acha que isso foi “um recuo do Governo” e que “foi um erro”, disse Catarina Martins. Na resposta Costa quis dar uma garantia: “Não recuámos, fizemos aquilo que tivemos de fazer”. Pouco depois foi a vez de Os Verdes dizerem que “o acordo com Espanha não chega”. Heloísa Apolónia afirma que “não chega” que Espanha se tenha comprometido apenas a suspender a entrada em funcionamento das instalações até à avaliação das autoridades portuguesas. Costa diz que a procissão ainda vai no adro, “Trata-se de um acordo intercalar que vai permitir ao Governo espanhol disponibilizar todos os elementos de informação” às autoridades portuguesas. É desta avaliação que o Governo quer tirar conclusões sobre a posição a tomar, caso Espanha mantenha mesmo a construção e ela seja nociva para Portugal. De manhã, já o ministro dos Negócios Estrangeiros tinha estado no Parlamento, na comissão de Assuntos Europeus, a responder à insatisfação da esquerda (e não só) com a solução, garantindo que Portugal não tinha prescindido da queixa e que ela está apenas suspensa. No debate, António Costa empurrou o assunto para a frente,