“Começo a estar cansado deste episódio”, desabafou o novo diretor artístico da Companhia Nacional de Bailado (CNB), em entrevista ao Observador. Paulo Ribeiro tomou posse há menos de quatro meses e já se viu a braços com uma polémica: o despedimento de um funcionário e o cancelamento de uma peça que este tinha criado.
“O cancelamento não foi um cancelamento, foi um descontinuar do espetáculo”, disse Paulo Ribeiro. Mas é normal que isto aconteça? “Pode ser normal”, respondeu. “As peças que são feitas numa companhia de reportório têm a estreia e uma primeira série de apresentações e depois nunca mais se lhes pega, até com peças maiores isso acontece.”
A entrevista com o Observador decorreu no Teatro Camões, em Lisboa, local onde a CNB apresenta os seus espetáculos e o diretor tem gabinete. Além deste tema, falou sobre as opções de programação para os próximos tempos e revelou que em 2018 quer trabalhar com coreógrafos portugueses e estrangeiros, incluindo Tânia Carvalho, Sasha Waltz e Édouard Lock.
“A peça não é nenhum deslumbre”
Em relação à controvérsia, Paulo Ribeiro reconheceu que “as coisas poderiam ter tido outro desenrolar e outra evolução”, mas procurou distanciar-se e dar o assunto por encerrado.
O coreógrafo Bruno Cochat foi afastado da coordenação do Centro Educativo da CNB e ao mesmo tempo viu cancelada a peça infanto-juvenil “1HD – Uma História da Dança”, na qual participavam alunos da escola privada A Voz do Operário, de Lisboa. A peça chegou a ter quatro apresentações e deveria manter-se até junho.
“Se eu tivesse estado aqui desde o início do Centro Educativo, a minha atitude teria sido diferente e eu saberia mais coisas, mas apanhei isto no fim”, disse Paulo Ribeiro. “A própria peça, só a vi no dia estreia, porque até lá faltava sempre alguém, foi sendo feita aos pedaços. Vendo fragilidades, grandes fragilidades, não me sentia no direito de dizer alguma coisa ao criador, porque não estive desde o início e o próprio parecia não dar espaço a isso. Fui assistindo ao desenrolar daquilo que se revelou frágil e frustrante para todos: bailarinos, técnicos e produção.”
Bruno Cochat tinha sido convidado pela anterior diretora artística da CNB, Luísa Taveira, para o lugar de primeiro coordenador dos Estúdios Victor Córdon, no Chiado, que passaram a funcionar como Centro Educativo da companhia. O coreógrafo foi contratado em setembro do ano passado, por um período de três anos, estreou a peça em fins de janeiro e foi afastado a 18 de fevereiro.
Crianças protestam à porta de Teatro Camões contra cancelamento de espectáculo
Uma decisão do OPART (Organismo de Produção Artística), a empresa pública que gere a CNB e o Teatro Nacional de São Carlos, justificada pela “necessidade de imprimir um novo rumo” ao Centro Educativo.
Cochat diz ter sabido oficialmente da decisão vários dias depois de o site da CNB a ter anunciado. Na última quinta-feira, 23, participou num protesto frente ao Teatro Camões, ao lado de pais de alunos envolvidos na peça. Foram recebidos por Paulo Ribeiro e ouviram-no afirmar que a reposição de “1HD – Uma História da Dança” está fora de questão.
“A peça não é nenhum deslumbre, não é uma história da dança contada da forma que a dança talvez mereça”, disse o diretor artístico ao Observador. “Não vou acrescentar mais para não prejudicar o trabalho futuro do Bruno. Mas há uma questão importante que é a dos meios que a companhia dispõe para dar resposta aos projetos a que se propôs. Remontar a peça seria praticamente tão caro quanto fazê-la de raiz. A companhia está em tournée nos próximos meses e o Teatro Camões estará esvaziado, sem técnicos e sem equipamento. Teríamos de contratar técnicos e alugar equipamento externo, o que teria gastos extra enormes.”
Os motivos do despedimento ainda não são claros e Paulo Ribeiro não quis pronunciar-se. “Uma pessoa é afastada quando não corresponde às funções. Fui ouvido, depois de ouvir outras pessoas da casa, mas questões concretas terá de fazer ao conselho de administração, não a mim.” Adiantou que se reunirá esta semana com a direção de A Voz do Operário para sanar o episódio. Entretanto, nomeou um novo coordenador para o Centro Educativo, o coreógrafo Rui Lopes Graça.
Programação herdada
Além de gerir esta polémica, Paulo Ribeiro tem passado os primeiros tempos a tomar o pulso à CNB. “Conheço bem a casa como coreógrafo, conheço bem os bailarinos, porque fiz quatro ou cinco peças para eles, mas todo o outro funcionamento, os meandros administrativos e por aí fora, vou descobrindo agora”, disse.
“A CNB é uma casa muito complexa, com muita gente, esta visão macro demora tempo a adquirir. A gestão do dia a dia tem-me absorvido imenso: questões técnicas, questões laborais, pessoas que têm de ser substituídas, sensibilidades artísticas, tudo isso. Estou aqui no escritório e constantemente sou abordado para resolver coisas. Outro dia, andavam a pedir-me para resolver problemas com fotocopiadoras. É preciso que as pessoas à nossa volta estejam no seu sítio, porque, de repente, parece que o diretor é onde tudo desagua e tem de tratar de tudo. Esse inflacionar tem de ser bem dividido.”
Sobre a temporada de 2017, explicou que a recebeu da antecessora, Luísa Taveira (que entretanto transitou para vogal da administração do Centro Cultural de Belém, no lugar de Miguel Leal Coelho, que cessou funções).
“Herdei uma programação muito rica e cheia, a transbordar”, classificou. “Só posso respeitar a programação tal como está pensada e anunciada. Não há espaço para introduzir nada. De março a julho, por exemplo, temos 56 espetáculos, a companhia estará em tournée com três programas diferentes, por vezes em simultâneo em várias cidades. A minha programação começará em 2018. Até lá, vou cumprir esta e já é um exercício bastante difícil, porque há muita coisa a acontecer ao mesmo tempo.”
Perfil
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Nascido em Lisboa há 58 anos, Paulo Ribeiro estreou-se como coreógrafo em Paris, em 1984, e durante alguns anos fez carreira em companhias belgas e francesas, antes de voltar a Portugal para trabalhar com o Ballet Gulbenkian.
É considerado um dos nomes principais da geração da Nova Dança Portuguesa e criou a própria companhia em 1995. Entre 1999 e 2003 dirigiu o Teatro Viriato, em Viseu, no qual a Companhia Paulo Ribeiro tem residência permanente.
Foi também diretor do Ballet Gulbenkian entre 2003 e 2005, tendo regressado a Viseu em 2007, aí se mantendo até à mais recente nomeação como diretor artístico da Companhia Nacional de Bailado. Tomou posse a 7 de Novembro do ano passado.
O diretor disse que, para já, quer “organizar a casa e o funcionamento”. “A forma como me relaciono com os bailarinos, o alento que nos damos, a forma como nos motivamos para trabalhar”, exemplificou. “Adoro trabalhar em equipa, acho que essa é a minha força, foi assim que construí o Teatro Viriato com uma belíssima equipa.”
Novidades só em 2018
Com um orçamento anual de cerca de um milhão de euros – 400 mil de mecenato da Fundação EDP e entre 500 e 600 mil do Ministério da Cultura –, a CNB celebra em junho 40 anos de existência. “Temos de ser uma verdadeira casa das danças e dar ao público um panorama alargado”, defendeu Paulo Ribeiro.
“A companhia responde a uma série de critérios, no sentido da sensibilização e da descoberta, dos emergentes, dos consagrados, dos contemporâneos, dos neoclássicos, dos clássicos. Está em todas as frentes”, resumiu. “Temos de ter uma companhia com um olhar alargado para o tempo, sem esquecer a tradição de apresentar pelo menos um clássico por ano, na época de Natal. O público está habituado a isso. Durante o resto do ano, teremos obras importantes, incontornáveis. É muito importante que a CNB apresente obras incontornáveis da Nova Dança Portuguesa, da Nova Dança Francesa, da dança alemã, inglesa, americana ou dos brasileiros atuais.”
São três os coreógrafos já convidados para o próximo ano e com os quais iniciou negociações: a portuguesa Tânia Carvalho, a alemã Sasha Waltz e o canadiano Édouard Lock. Fazem parte de “uma série de coreógrafos de mão cheia, de valor e mérito mais que reconhecido, que nunca trabalharam com a CNB e que vamos ter em 2018”, explicou.
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“Quero dar um olhar mais alargado sobre o trabalho destas pessoas. Tenho pedido que me deem uma das primeiras obras que marcaram o seu percurso e que façam também uma nova criação. Temos de trabalhar o que está para trás e o agora. Será muito interessante ver o que um coreógrafo fez no passado e o que faz agora, com outra maturidade.”
A dúvida sobre se os principais nomes da dança portuguesa das décadas de 1980 e 1990, muitos deles conhecidos por terem feito solos, se adaptam bem à CNB, que tem ao serviço 73 bailarinos, é desfeita por Paulo Ribeiro com o argumento de que, por exemplo, Vera Mantero “fez muita coisa sem ser solos”, o mesmo se aplicando a Clara Andermatt, João Fiadeiro e Rui Horta, entre outros.
Digressões internacionais
A política da CNB em matéria de digressões em Portugal é hoje “completamente adequada”, disse Paulo Ribeiro, pelo que nesta matéria não se esperam novidades. A internacionalização, sim, representa uma preocupação para o novo responsável.
“Normalmente os festivais e as casas que acolhem dança têm alguma antipatia por companhias de reportório, preferem convidar as companhias de autor, porque acham que a companhia de reportório não é tão fiel ao trabalho de um autor.” Ainda assim, vai “tentar desenvolver” trabalho com Espanha e França.
“O Théâtre National de Chaillot, que é uma grande casa de Paris, já me desafiou para coproduzir uma peça que eu vá criar para a CNB. Aqui há um primeiro passo de internacionalização. A partir daqui, se a peça for feliz, outras casas em França poderão ter interesse.”
Esta criação, que Paulo Ribeiro começará a preparar no fim de 2017 e poderá ser apresentada no segundo semestre de 2018, ainda não começou a ser pensada.
O facto de exercer funções de direção e acumular com as de criador, ou seja, programador de si mesmo, não representa um conflito de interesses, defendeu Paulo Ribeiro. “Um diretor que não faz criações gera uma distância com os bailarinos e com a casa. Criar é um momento de fragilidade, uma pessoa está muito exposta, tem dúvidas. Permitir essa intimidade com a equipa torna-nos a todos muito mais próximos.”
Noutra frente, o líder da CNB pretende fazer coproduções com salas portuguesas, o que ainda é uma ideia embrionária. “Parcerias de vária ordem: espetáculos para os mais novos, conferências ou aulas abertas, criações mais informais”, adiantou.
Paulo Ribeiro entende que as instituições devem “ser abertas e úteis à comunidade”, pelo que se vê como “representante de uma visão da dança o mas alargada possível”.