O debate quinzenal começa a ser cada vez mais um combate quinzenal. No canto da direita, Pedro Passos Coelho, e, no da esquerda, António Costa, voltaram a ter um momento de elevada crispação com troca de acusações duras no ringue parlamentar. Cada intervenção foi como um assalto e, no fim, já para além do tempo permitido, Passos até pediu uma “defesa de honra”. O futuro do governador do Banco de Portugal, as offshores (ainda que de forma ligeira), os números do crescimento e a igualdade de género foram outros dos assuntos que dominaram o debate.
Um duelo de insultos em defesa da honra
Não há qualquer possibilidade de parceria, cumplicidade, nem sequer já uma relação institucional entre Passos e Costa. As relações entre o primeiro-ministro e o líder da oposição atingiram um novo auge de crispação. O debate até ia morno. O primeiro-ministro já tinha sido corrosivo, ao dizer que já é “março e o diabo ainda não chegou” e que por isso o líder da oposição estava “frustrado”. Mas não foi esse o rastilho do barril de pólvora que explodiu no hemiciclo pouco depois.
Tudo começou quando Passos fez uma pergunta sobre uma solução para o malparado na banca — já na fase final da sua intervenção –, e exigiu a António Costa que pedisse “desculpa pelas intenções que lançaram para a praça pública”, já que “não existe nas transferências offshore nada que envolva responsabilidade política do Governo” do PSD/CDS que liderou. Isto, porque, atira Passos: “Mais de metade daquilo que supostamente não passou pelo crivo do fisco devia ter passado já depois do Governo que eu liderei ter cessado funções”. Para o líder da oposição não é aceitável haver um primeiro-ministro que “não pede desculpa por tentar enlamear as pessoas que estiveram no seu lugar”.
Passos acusou assim Costa de o atirar para a lama e o primeiro-ministro retribuiu com acusações ao líder da oposição: “O senhor consegue sempre surpreender-me pela desfaçatez. Há 15 dias esteve aqui a insultar-me, pôs o seu líder parlamentar a insultar-me, fez fugas para a comunicação social sobre uma reunião da bancada onde me chamou vil, soez, reles. Permitiu-se ofender a comunicação social dizendo que uma notícia do Público era plantada pelo Governo. E agora ainda queria que eu pedisse desculpa é preciso muita desfaçatez!”. Já sem tempo, Passos Coelho pediu uma defesa de honra, que Ferro Rodrigues consentiu. E começou por explicar as razões: “Nunca pensei que tivesse de invocar esta figura regimental nesta câmara (…) mas há limites para a desonestidade no debate político.”
Passos Coelho afirmou de seguida que sempre confrontou António Costa “com resultados de política, com as suas próprias promessas” e com “lealdade parlamentar”. O líder da oposição garante ter “respeito pessoal e institucional” pelo primeiro-ministro e desafia-o a “provar que alguma vez o tenha insultado. ” O líder da oposição diz que Costa “não perde uma oportunidade de desqualificar os seus adversários” e que “nunca, nem nos tempos de pior memória” se ouviu um “primeiro-ministro ofender tantas pessoas ao mesmo tempo”.
As bancadas exaltaram-se com pateadas e gritos da esquerda para a direita. E vice-versa. Na resposta, António Costa continuou o ping-pong e começou por dizer que Passos Coelho “na sua intervenção foi incapaz de referir” onde houve a ofensa. E acrescentou: “Não usou da palavra para defender a sua honra, mas para mais um episódio da teoria que quer construir de que há crispação e degradação do ambiente parlamentar. Sei que vossa excelência não está satisfeita por o país viver uma boa relação entre as várias instituições. Não há crispação no país, nem no Parlamento. O que há é uma bancada ressabiada.” O deputado João Galamba levantou-se, de seguida, para aplaudir o primeiro-ministro e todos os deputados do PS aplaudiram o primeiro-ministro de pé. As defesas de honra não ficaram por aqui.
De seguida foi a vez do líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, a lembrar que a bancada além e não ser “ressabiada“, em conjunto com a do CDS “venceu as eleições”. E ainda acusou o primeiro-ministro de ser “mal-educado“. O PS não se ficou atrás e também Carlos César pediu a defesa da honra para acusar o PSD de “perder a cabeça quando tudo lhe corre mal”.
O ataque ao (outro) Costa, o governador
No primeiro quinzenal após a reportagem da SIC sobre a queda do BES, “Assalto ao Castelo”, — que colocou o governador do Banco de Portugal de novo debaixo de fogo da esquerda — houve ataques a Carlos Costa, ainda que de forma moderada. Sobre o governador do Banco de Portugal, Costa lembrou que quem o nomeou foi o anterior Governo e que o atual “não tem que se pronunciar sobre as decisões então tomadas.” E lembrou: “Enquanto era líder do PS pronunciei-me. Agora, cumpre-me trabalhar de forma leal e construtiva com as instituições que existem e que estão em funções”. Ou seja: o primeiro-ministro não queria que fosse nomeado o atual governador, mas é forçado a trabalhar com ele.
Mas se o primeiro-ministro não deve criticar o governador, o PS pode. O líder parlamentar socialista não esquece a atuação do governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, antes da implosão do universo do Espírito Santo. Carlos Cesár defendeu que “não é falta de cultura democrática reiterar o entendimento de que o Banco de Portugal não foi suficientemente atento. As palavras são para usar”. E aproveita para culpabilizar também o Governo anterior: “É que as falhas de regulação e supervisão foram em segunda instância também falhas na governação, que é como quem diz falhas dele próprio, do PSD e do Governo que integrou.”
O PCP não falou sobre o governador, mas a líder do Bloco de Esquerda não esqueceu o assunto. Catarina Martins exigiu que não se esquecesse o assunto offshores e disparou sobre Carlos Costa: “O Banco de Portugal não está acima de crítica”. A bloquista denunciou que Carlos Costa não soube mostrar “independência” face aos banqueiros. E falhou.
Também a líder do Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV), Heloísa Apolónia, destacou o facto de se continuar a descobrir que “os reguladores não regulam absolutamente nada e que também têm manhas neste sistema capitalista.” Deixou depois um apelo mais claro para o afastamento de Carlos Costa: “Este governador do Banco de Portugal não tem condições para continuar, como consequência de falhas de supervisão.” António Costa não respondeu a esta questão. A esquerda mantém assim marcação cerrada a Carlos Costa, embora o assunto não tenha sido central no debate.
Do lado do CDS, a líder Assunção Cristas, diz desconhecer o pensamento do Governo sobre supervisão bancária, dizendo que só ouve nomes para uma “partidarização de instituições que deviam ser independentes” e não ideias. Costa respondeu-lhe que a resposta do governo será dada no debate parlamentar agendado para esta quinta-feira.
Os números “não mentem”, ou mentem?
António Costa disse, ao longo do debate, que “os números não mentem” e que estes “têm a vantagem de não terem duas leituras”, garantindo que “a realidade impôs-se ao pessimismo“. Costa avançou com uma série de números favoráveis: o crescimento homólogo no quarto trimestre atingiu os 2%, a taxa de desemprego em dezembro baixou para 10,2%, em 2016 foram criados 118 mil postos de trabalho, a confiança dos investidores “atingiu em fevereiro o valor máximo desde 2000, o investimento cresceu 4,6% no último trimestre do ano e o défice fica em 2,1%.
Depois de o primeiro-ministro apresentar este conjunto de dados positivos, Passos Coelho destacou que os resultados que se referem ao crescimento “ficam aquém do que o Governo propôs”. E argumentou: “O crescimento desacelerou relativamente ao ano anterior. E o investimento contraiu no último trimestre de 2016: cresceu menos em termos homólogos”. Quando o ministro das Finanças, sentado à esquerda do primeiro-ministro na bancada do Governo, acena que não com a cabeça, Passos acusa-o de “não ler as estatísticas oficiais”. O líder do PSD ainda concedeu que se salva “o comportamento do emprego”, mas acusou Costa de traçar uma “visão idílica”. Ainda atacou a esquerda pelas críticas às declarações da presidente do Conselho de Finanças Públicas sobre as contas do Estado: “A maioria não gosta do Conselho de Finanças Públicas”.
Mais tarde, a líder do CDS, Assunção Cristas, dizia-se ainda preocupada pelo facto de os argumentos de António Costa serem parecidos com os do último primeiro-ministro socialista. “Quem anunciou em 2006 o défice mais baixo da democracia foi José Sócrates. Cada vez que [António Costa] usa a mesma expressão, a minha preocupação aumenta.”
Cristas afirmou ainda estar “extremamente preocupada” por os dados do INE desmentirem os dados que o primeiro-ministro apresenta sobre o investimento. “Das duas uma: ou tem de me dizer que o INE está enganado ou tem de explicar as coisas doutra forma. O investimento diminuiu.” Na resposta, António Costa saúda o facto de Cristas ser agora “uma deputada mais keynesiana” e admitiu que também o Governo gostaria de ter sido mais keynesiano do que foi. Lembra, no entanto, que “o Governo já aumentou em 20% o investimento público este ano” e que, por isso, espera ter o aplauso do CDS por esse facto.
Dia da mulher: acabar com o ditado em que não se mete a colher
Com o debate a realizar-se no Dia da Mulher, quase todas as intervenções lembraram a necessidade de lutar pelo fim das desigualdades entre homens e mulheres. O primeiro-ministro destacou o papel das mulheres nas sucessivas reformas legislativas a nível do Código Civil, lembrando o papel da ex-ministra de Cavaco Silva, Leonor Beleza, e do socialista António Almeida Santos.
O PS até distribuiu rosas pelas mulheres presentes na bancada dos jornalistas. Em plenário, Carlos César defendeu que “o PS continuará a ser o grande partido das mulheres portuguesas”. Também Jerónimo de Sousa começou a intervenção a falar das mulheres portuguesas e das diferenças salariais. Lembrou ainda uma norma no setor metalúrgico que dizia que uma mulher ganharia sempre menos 10% que um homem, mesmo que tivesse as mesmas tarefas e o mesmo desempenho. Felizmente, “essa norma foi revogada”.
Em resposta a Heloísa Apolónia, que alertou mais uma vez para o problema da violência doméstica em Portugal, o primeiro-ministro António Costa disse que “o ditado ‘entre marido e mulher não se mete a colher’ tem de ser banido na sociedade”, uma vez que “tem servido muitas vezes como cumplicidade” para que situações graves de violência doméstica não sejam denunciadas. Também numa resposta a Catarina Martins, António Costa admitiu que “também no período experimental há que proteger os direitos das mulheres grávidas”.