Antes de ser uma das companhias mais famosas e premiadas do mundo dos videojogos e de ser adquirida pela gigante Electronic Arts, a BioWare começou, em 1995, como um pequeno estúdio canadiano criado por três médicos recém-licenciados, cuja paixão por esse mercado meio desconhecido (à época) mas em grande expansão que é o dos videojogos motivou-os a largar a prática clínica e a abraçarem o game development a tempo inteiro.
Desde cedo que este pequeno estúdio demonstrou que tinha uma capacidade muito especial para contar histórias, e logo no seu segundo jogo, Baldur’s Gate, baseado no mundo e nas mecânicas de Advanced Dungeons & Dragons, arrebatou a crítica e os jogadores, tornando-se um sucesso comercial e catapultando a empresa para o reconhecimento mundial.
Depois de uma sequela igualmente aclamada de Baldur’s Gate, a BioWare teria ainda pelo caminho a criação do jogo Neverwinter Nights, que foi igualmente reconhecido pela crítica e mais um sucesso comercial. A empresa foi crescendo, aproveitou os bons lançamentos e tornou-se mais ambiciosa.
Desta caminhada de sucesso até à confiança da LucasArts (a empresa fundada por George Lucas) para produzirem um jogo original no universo de Star Wars foi um pequeno passo. Star Wars: Knights of the Old Republic foi então lançado em 2003, contendo uma história original que fala dos acontecimentos 4.000 anos antes dos acontecimentos dos filmes. Mantendo a tónica de todas as suas aclamadas produções, o jogo de Star Wars trazia não só uma forte componente de história, com um enredo coeso e sólido, mas novamente incorporando o peso das decisões do jogador no mundo do jogo, fossem elas alinhadas com o lado negro ou o lado luminoso da Força.
Mass Effect: o standard dos jogos de sci-fi
Com mais um lançamento intermédio de sucesso, o jogo de aventura oriental Jade Empire, seria em 2007 que a companhia (sendo já parte integrante da Electronic Arts) lançaria Mass Effect, uma série de ficção científica que marcou a década e que é para muitos a grande franquia do género.
Há muitas semelhanças entre Mass Effect e Knights of the Old Republic do ponto de vista mecânico: desde a possibilidade de as nossas respostas e decisões influenciarem de forma colossal a galáxia, passando-nos a certeza de que não somos meros espetadores da história, são vários os paralelismos com o universo de Star Wars.
Mas sendo uma propriedade intelectual inteiramente nova, Mass Effect teve o condão de conseguir ter margem para solidificar e tornar mais complexas as suas fundações para além do espectro space opera de Star Wars. Muito mais ficção científica do que a fantasia futurista da obra de George Lucas, era natural que a solidez narrativa e o excelente world building viessem a permitir esta ascensão por mérito próprio, trilhando um caminho de sucesso ao longo da trilogia.
O espectro de exploração espacial em que viajávamos de planeta em planeta a conhecer a complexidade das muitas civilizações alienígenas (algumas mais pacíficas, outras menos) ajudaram a criar uma história tão forte que é inegavelmente (a par de Mass Effect 2) dos jogos que mais prazer dá em dialogar com todos os personagens existentes, conhecendo o seu passado e a sua cultura, a sua religião, e compreender os lados opostos das tensões políticas e raciais desta Via Láctea do Séc. XXII.
Em Mass Effect as decisões dos jogadores eram levadas do jogo original para as sequelas, criando uma versão coesa da história ao longo de toda a série, e era esse um dos fatores que tornavam cada experiência única, com a perceção de que as suas ações conseguiam alterar o curso da galáxia. Porém, a qualidade do terceiro e último capítulo da trilogia caiu a pique, tendo esta conclusão da densa e complexa história do universo de Mass Effect, desiludindo a quase totalidade dos jogadores, que se sentiram defraudados pela diferença qualitativa para com os jogos anteriores.
A explicação para o sucesso narrativo da BioWare, e o quanto os seus jogos até Mass Effect 2 foram premiados especificamente pela qualidade das suas histórias é simples: o escritor e argumentista Drew Karpyshyn, cujo primeiro trabalho foi Baldur’s Gate 2, saiu da empresa antes de terminar a saga, justificando assim a queda acentuada de qualidade de escrita e de construção de mundos apresentado nesse jogo.
Mass Effect 3 foi não só uma forma anti-climática de terminar a história, com o seu famigerado final a ignorar por completo toda a construção de personagem que cada jogador fez, como foi uma forma péssima da companhia “agradecer” todo o apoio e suporte de jogadores por todo o mundo.
Mass Effect: Andromeda – o regresso à série
Lançado esta terça-feira nos EUA e amanhã (quinta-feira, dia 23) na Europa, é um regresso ao mundo de Mass Effect, para lá da Via Láctea em direção a Andrómeda, numa história que decorre entre os acontecimentos do segundo e do terceiro jogo (e em paralelo a eles).
Foi-nos dada a oportunidade de experimentá-lo antes do lançamento, e de conhecer as primeiras das muitas horas de exploração e enredo prometidas, mas há um sabor agridoce neste regresso. Isto porque foi há relativamente pouco tempo muitos jogadores sentiram a desilusão do desfecho da história principal, que deixava transparecer a falta de Drew Karpyshyn, que entretanto se dedicou à escrita de romances de Star Wars, Mass Effect e da sua série Chaos Born, para além de ter regressado para a BioWare há 2 anos apenas para continuar a trabalhar no jogo online de Star Wars.
Esse vazio qualitativo da escrita e da construção de enredo, personagens e mundo é ainda mais evidente nas primeiras horas deste Mass Effect: Andromeda, onde os diálogos apresentam aquele que é possivelmente o momento mais baixo e desinspirado da longa história da BioWare, e que em nada é ajudado pelo sofrível voice acting que o acompanha. Exceção talvez para o desempenho de Natalie Dormer, a atriz que interpretou Margaery Tyrell na série Game of Thrones, e que aqui interpreta uma cientista alienígena chamada Lexi T’Perro, e Clancy Brown (o Capitão Hadley de The Shawshank Redemption) que interpreta o papel de pai dos protagonistas, os gémeos Ryder.
A qualidade visual e de construção artística do jogo está no patamar altíssimo de qualidade de toda a série, em cujos concepts deixam qualquer um maravilhado, mas que infelizmente colidem com a atroz qualidade de animações que tem já espalhado muitos artigos, vídeos e até memes pela internet, a demonstrar a falta de brio da BioWare neste aspeto, que pouco se coaduna com o historial de exímia qualidade no produto final que acompanhou a empresa por mais de vinte anos.
Não sendo possível (ou justo) julgar o jogo por estas primeiras horas, a realidade é que muitos dos fatores que fizeram de Mass Effect 1 e 2 os marcos da indústria estão completamente ausentes no arranque deste ME: Andromeda. O que é um péssimo prenúncio e que deixa antever uma grande desilusão associada a esta série tão aclamada pela crítica e pelos jogadores, mas que depois do sério golpe que sofreu com Mass Effect 3, poderá estar a caminhar em direção à sua própria destruição com o lançamento atribulado deste novo jogo.
Ricardo Correia, Rubber Chicken