A acusação não está a ter a tarefa facilitada com as testemunhas da Operação Fénix. Entre as nove convocadas para depor esta quarta-feira, apenas duas confirmaram episódios de ameaças por parte de seguranças.

O momento mais caricato foi a audição de David Fagundes, que terminou o seu depoimento com um processo do tribunal por falso testemunho. O homem, proprietário de um restaurante e bar em Vizela, foi questionado pelo juiz sobre se foi ameaçado por alguém quando quis tentar mudar de empresa de segurança da Integral para a Safezone, por intermédio de Eugénio Pinheiro. Por esta altura, a SPDE ter-se-á oferecido para proteger o negócio de David Fagundes da Safezone.

“Houve algum problema?”
“Problema, problema, nunca houve, sr. dr. juiz.”
“E problema sem ser problema?”
“Não…”, respondeu a testemunha, hesitante.

O juiz confrontou-o com uma queixa que o gerente do seu restaurante e bar apresentou na GNR de Vizela.

“Fizemos uma queixa só para precaver, porque o gerente estava assustado.”
“Assustado com o quê?”, perguntou o juiz.
“Porque já tinha ouvido casos de seguranças e isso…”
“E isso?”
“Ouviu no telejornal…”
“Mas a gente apresenta uma queixa de algo que já aconteceu, e não do que vai acontecer, não é assim? O que aconteceu?”, insistiu o juiz.
“Não me lembro…”

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O juiz perguntou duas vezes à testemunha se se sentia ameaçada, ou coagida a não relatar os factos. Eram factos que a própria testemunha tinha relatado na fase de inquérito e que constam da acusação. David Fagundes negou sempre, o que levou o Procurador a requerer, primeiro, que a testemunha seja confrontada em breve com o que disse no passado às autoridades, no sentido de se apurar qual dos depoimentos é falso — se o primeiro, se o desta quarta-feira, feito em frente aos arguidos. E avisou que o falso testemunho pode dar pena de prisão até cinco anos.

As perguntas à testemunha continuaram. “Não se recorda de lhe terem exigido dinheiro? 50.000 euros?”. “Não me recordo”, continuou também a testemunha. Perante mais incongruências, o Procurador decidiu que David Fagundes será alvo de um inquérito criminal, isto é, o Ministério Público vai analisar se o homem deve ser acusado do crime de falso testemunho.

Já na véspera, de acordo com a Agência Lusa, uma testemunha no Processo Fénix que tinha requerido indemnização civil contra dois arguidos, e alegados seguranças da SPDE, desistiu do pedido e mudou a versão anteriormente apresentada: agora, negou em tribunal ter recebido qualquer ameaça. Segundo a acusação, a testemunha em causa tinha gravado um vídeo sexual com a mulher. Na altura da separação, a mulher quis resgatar o vídeo, mas ele não acedeu. A mulher terá, então, contratado, o chamado “Grupo dos Ninjas do Vale do Sousa”, ligados à empresa de segurança SPDE, de Eduardo Silva, para o forçar a entregar as imagens. O serviço custaria 1.500 euros.

Fernanda Miranda recusa depor contra arguido Pinto da Costa

A manhã começou com a análise ao requerimento apresentado por Fernanda Miranda, ex-mulher de Pinto da Costa. Por ser esposa do presidente dos Dragões à data dos factos, pediu escusa de testemunhar e o juiz aceitou. Outra mulher pediu escusa ao tribunal pelos mesmos motivos.

Das nove testemunhas convocadas esta quarta-feira, apenas Fernando Pinto Rodrigues e Humberto Gonçalves reconheceram terem sido ameaçados por “homens de grande porte”. Ambos reconheceram Francisco Cruz, segurança da SPDE, conhecido por Chalana, como um dos homens em causa. Os outros não se recordaram dos episódios relatados pela acusação.

Tiago Silva, por exemplo, foi confrontado com uma situação ocorrida em março de 2015, em que ele e o grupo de amigos não queriam pagar um jantar no restaurante “Sucesso dos Grelhados”, em Gondomar. Questionado sobre se foi abordado mais tarde por seguranças da SPDE para pagar a refeição, com ameaças e agressões, negou, dizendo que foi pagar passados dois dias, de livre vontade.

Leonídio Sampaio começou o seu testemunho dizendo que não sabia o que estava ali a fazer e nem foi capaz de confirmar ao juiz se o número de telemóvel que consta no processo, e através do qual foram obtidas escutas, alguma vez foi seu. “Neste momento a minha cabeça é zero”, disse, justificando-se com um passado de dependência de álcool e drogas.

O mega-julgamento da Operação Fénix começou em fevereiro, em Guimarães, e deverá prolongar-se durante vários meses. Em causa estão alegados crimes de associação criminosa, extorsão agravada, ofensa à integridade física qualificada, coação, detenção de arma proibida, tráfico e mediação de armas. Ao todo há 54 arguidos, sendo o principal Eduardo Silva, responsável máximo pela SPDE.