Todos dizemos o mesmo: que “isto” está tudo por um fio. Ora “isto” costuma ser sinónimo de “tudo em geral” mas para Cláudia Dias o fio é o palco. É ela a autora do espectáculo “Terça-feira: Tudo o que é sólido dissolve-se no ar” e é também a intérprete, em conjunto com Luca Bellezze. A ficha técnica não engana: isto é dança. Mas, ao mesmo tempo, é mais que isso. Cláudia explica-o melhor: “Pensei que o corpo, na sua expressão teatral, pode ser um território de trabalho sobre a memória coletiva e que esse gesto é, simultaneamente, artístico e político.”
Ou seja, não é uma questão de “levar a realidade para o palco” — explica a artista que “o palco é, por inerência, uma zona ligada à ficção”. É, isso sim, olhar para o mundo e transformá-lo. E em “Terça-feira: Tudo o que é sólido dissolve-se no ar” isso faz-se através de “forma e conteúdo”. A primeira é uma espécie de derivação da banda desenhada, do cartoon, em que uma linha basta (na sua complexidade) para mostrar seja o que for. O conteúdo é a “realidade contemporânea”.
E esta linha faz, ao mesmo tempo, o paralelismo com um dos mais marcantes factos dos nossos tempos. Nas palavras de Cláudia Dias, que fazem parte do texto que apresenta o espectáculo:
“Num tempo em que as linhas divisórias, as fronteiras, as barreiras, as linhas da frente e de mira dos conflitos bélicos, as fileiras e as linhas de identificação do drama dos refugiados, as linhas de respeito dos limites marítimos das nações, as linhas duras das fações radicais de organizações políticas e religiosas estão na ordem do dia, pretendemos trabalhar (n)uma linha unificadora, capaz de juntar o que se encontra separado.”
Já agora, porquê um fio em palco? “O fio surge no decorrer dos nossos primeiros ensaios e é um material que o Luca Bellezze vem utilizando já há algum tempo no seu trabalho autoral. Foi um material que testámos entre muitos outros, mas que foi resistindo às nossas investidas. Foi um material que teve a capacidade de convocar o imaginário de La Linea, do Osvaldo Cavandoli, que eu via nos programas do Vasco Granja.” O título faz referência ao Manifesto Comunista, as memórias são as de infância, os dilemas são os de um mundo que parece não conseguir resolvê-los. E o texto que dá base a tudo isto conta a história de Omar, criança que foge da guerra na Síria.
[um vídeo deste projeto ainda em desenvolvimento:]
Ao longo do processo criativo, Cláudia descobriu que este mesmo fio se revelou “um material com potencial de narração visual, mas com um nível de manuseamento frágil e, por isso, arriscado”. Mais uma razão para a colaboração de Kuca Bellezze ter sido fundamental. “O Luca foi meu aluno num curso que dei em Itália”, lembra a artista portuguesa. “Foi fácil trabalharmos juntos pois partilhamos uma metodologia específica que é a Técnica de Composição em Tempo Real.”
“Terça-feira: Tudo o que é sólido dissolve-se no ar” é mais um espectáculo integrado no projeto Sete Anos Sete Peças, depois de “Segunda-feira: Atenção à direita”, de 2015: “Ainda temos mais cinco peças para criar com cinco artistas convidados, sete livros para editar, um documentário por realizar e o projeto Sete Anos Sete Peças, que estamos a desenvolver em parceria com as escolas secundárias do Concelho de Almada.” Um “compromisso no tempo”, claro que sim, mas bem para lá disso, diz-nos Cláudia Dias: “Mais do que ser ambicioso, ele reivindica a possibilidade de uma artista portuguesa construir futuro”.
“Terça-feira: Tudo o que é sólido dissolve-se no ar” está no Teatro Maria Matos, em Lisboa, entre 29 de março e 2 de abril. De quarta a sábado às 21h30, domingo às 18h30. Bilhetes entre 6 e 12 euros. A 29 de abril vai estar no teatro Rivoli, no Porto.