Há dez anos, quando Paula Rego enfrentou uma depressão profunda que quase a deixou à beira da morte, foi a desenhar que encontrou outra vez o equilíbrio. “Desenhou a cara da depressão”, descreve Nick Willing, filho da artista plástica. “Depois, a mãe guardou as obras numa gaveta e fechou-a à chave. Ela tinha vergonha de ter depressão, de se sentir assim. Uma pessoa fica tão encolhida que não pode falar sobre isso, o que é pior, porque não permite que os outros à volta a ajudem.”

Os desenhos mostram figuras femininas isoladas, com expressões tristes e fúnebres. “Não podemos olhar durante muito tempo, são desenhos muito fortes”, aconselha Nick Willing. Até há pouco tempo, nunca tinham sido exibidos em público, mas depois de uma primeira passagem por Londres, há poucas semanas, estão agora numa sala de paredes roxas na Casa das Histórias, o museu de Paula Rego, em Cascais, numa exposição intitulada “Histórias & Segredos”, que é inaugurada nesta sexta-feira, dia 7.

A abertura coincide com a estreia portuguesa do documentário homónimo, realizado por Nick Willing. No filme e na exposição, conhecem-se detalhes íntimo da pintora portuguesa, de 82 anos, que fixou residência em Londres a partir de 1976 e que é hoje um dos nomes mais cotados da arte contemporânea.

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Em visita guiada à imprensa, na manhã desta quinta-feira, o filho de Paula Rego disse que se trata de uma exposição narrativa, que testemunha com obras e objetos pessoais a história de vida que o documentário reconstitui.

A artista não estará presente na inauguração porque tem problemas de saúde que não lhe permitem viajar. Em português fluente, Nick Willing falou sobre o estado de saúde da mãe.

“A Paula Rego está ótima de cabeça”, disse. “Está fisicamente muito fraca, muito transformada, está fraca, mas não está frágil, o coração é que está fraco. Para viajar e ficar nesta barafunda que acontece de cada vez que ela vem cá, há um risco. Aquilo de que ela mais gosta agora é de ficar no estúdio, à procura de fazer uma coisa melhor do que tem feito. Ela diz: ‘Agora vou fazer uma obra mesmo boa’. E eu digo-lhe: ‘Mas já fizeste’. E ela responde: “Não, não, Nick, agora é que vou fazer’. Acabou de fazer uma obra fantástica sobre a Maria Madalena, para oferecer a Deus. Ela pensa que se Deus deixou entrar Maria Madalena, talvez deixe entrar a Paula Rego.”

Com curadoria de Nick Willing e de Catarina Alfaro (programadora e conservadora da Casa das Histórias), a exposição reparte-se por oito salas e segue uma ordem mais ou menos cronológica.

Primeiro, as obras da década de 50, ainda antes de Paula Rego ir estudar para a Slade School of Fine Art, em Londres – onde conheceu o futuro marido, Victor Willing (1928-1988). Uma dessas obras representa o Wonder Bar do Casino Estoril. Numa outra vê-se o retrato do pai, José Figueiroa Rego, em 1956, quando este tinha caído em depressão.

“Algumas destas obras estavam embrulhadas, na cave da casa da minha avó”, disse o filho. Outras vieram diretamente do quarto da pintora, em Londres. “Há obras no chão, encostadas à parede, por todo o lado. Ela pensa que dorme e sonha melhor com as obras à volta dela.”

“Paula Rego, Histórias & Segredos”: tudo sobre a minha mãe

Numa outra sala, sublinhando o universo atormentado da pintora, encontram-se quadros sobre a temática do aborto. “São pinturas sobre quando a minha mãe fez um aborto, mas que só teve coragem de pintar nos anos 90, quando houve um referendo em Portugal que não permitiu descriminalizar o aborto. Ela ficou tão zangada que quis mostrar como é o aborto sem condições”, destacou o filho.

Nas paredes, podem ler-se curtos depoimentos de Paula Rego, retirados do documentário. Há mesas com fotografias de família, livros e papéis. Uma das salas mais surpreendentes é a que reconstitui o atelier da artista e onde se pode ver material de trabalho e esculturas assustadoras que Paula Rego constrói para usar como modelos das pinturas.

Num outro espaço, veem-se obras do marido. Estão isoladas, porque a artista nunca gostou de ter quadros seus ao lado dos do marido.

“É complicado. Ela tem ciúmes da obra do meu pai. Acha que ele é um grande pintor e não quer estragar a obra dele.”

O título da exposição, segundo Nick Willing, remete para o método de trabalho de Paula Rego e evidencia o facto de todas as obras revelarem a intimidade da criadora, ainda que de forma velada.

“Ela começa sempre com uma história, pode ser uma história que encontrou num livro, como O Crime do Padre Amaro, e quando ela começa a pintar essa história, sem querer, transforma-a. Às vezes é um grande espanto. A razão pela qual ela escolheu uma história, sem saber, é porque tinha ali, de forma inconsciente, uma outra história que queria contar, mais íntima. É esse o segredo da obra, é esse segredo que dá poder à obra”, sublinhou o filho.

A exposição “Paula Rego: Histórias & Segredos” está na Casa das Histórias em Cascais de 7 de abril a 17 de setembro. De terça a domingo, das 10h às 18h. Bilhetes a 3 euros (1,5 para residentes em Cascais)