A colher com cabo dobrável exposta no stand da Herdmar despertou a atenção de um visitante na Tokyo Interior Life Style, no Japão. Era a primeira vez que a empresa cuteleira das Caldas das Taipas participava na maior feira de decoração de interiores do país. “O japonês não dizia nada. Até que meteu a colher à volta do pulso e veio dar-me os parabéns porque as pessoas sem mão iam conseguir comer normalmente”, recorda a neta do fundador da Herdmar, a marca responsável por levar os talheres à mesa da Casa Branca, do FBI ou às lojas Louis Vuitton.

Maria José Marques ficou admirada. Na verdade, não era esse o propósito. “Era apenas uma colher para servir os acepipes com um formato especial”, conta a administradora que acabou por adotar a ideia. Estávamos em 2008. Passado quase dez anos, continuam irreverentes. Têm talheres pretos, dourados ou com cortiça, o que já lhe valeu condecorações em todo o mundo.

Recuemos no tempo e voltemos a 1911 quando os garfos ainda eram produzidos em ferro e as facas em aço, junto ao Rio Ave. Com apenas cinquenta escudos, Manuel Marques montou a sua primeira oficina, dentro da própria casa. Tinha 26 anos. “O meu avô contava que a água das Taipas tinha particularidades únicas para a produção do material”, relembra Maria José.

A verdade é que a vila, a pouco mais de dez quilómetros de Guimarães, é considerada até hoje o epicentro da cutelaria nacional. “Onde há termas, há cuteleiros”, justifica. Com a ajuda dos filhos José e Abel, Manuel Marques começou a vender de porta a porta.

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“Iam de burro até ao Porto despachar produtos e enviar mercadoria por correio e pelos caminhos de ferro para o meu tio”, recorda Maria José, filha mais velha de José Marques.

Abel fixou-se no Algarve e era responsável pela parte comercial na zona sul do país. “As peças produzidas eram marcadas com o Número 11, ano da fundação da empresa”, explica a responsável. Em 1950 tinham já 28 operários.

Anos 60 e a exportação da Herdmar

A morte do fundador, em 1959, levou ao início de um novo ciclo, onde nasceu a marca Herdmar, (Herdeiros de Marques) e criou-se o logótipo com o elefante, que acabou depois por ser alterado. “Há 40 anos, as pessoas ficavam maravilhados com os produtos. Hoje somos conhecidos pela criatividade”, conta ao Observador a neta.

Nos anos 60, a expansão das colónias portuguesas levou-os para Angola, Moçambique, Guiné e Cabo Verde. “Com a guerra, muitos trabalhadores emigraram para alguns países europeus e mantiveram sempre um bom relacionamento connosco”, recorda. Foram eles os responsáveis pelas primeiras relações comerciais da Herdmar noutros mercados. Facas, garfos ou colheres. O cardápio foi aumentado, assim como a produção.

Foi também, há exatamente que 40 anos, que Maria José começou a trabalhar na empresa da família. “As minhas férias eram passadas na fábrica a meter os talheres nas caixinhas”, recorda. Tal como ela, os seis irmãos eram obrigados a passar os tempos livres a ajudar o negócio. “O meu pai fez questão de nos mostrar o que custava”, acrescenta.

Foi Maria José que levou a marca às feiras internacionais nos anos 80. Viajou até à Índia, Canadá e África do Sul à procura de novos clientes. Atualmente a Herdmar está em 70 países e 90% da sua produção é para fora. Trabalham com uma rede de armazenistas e distribuidores no ramo da hotelaria e doméstico para colocar o produto no mercado. “Argentina, Colômbia e Irão são os próximos onde queremos entrar”, afirma Maria José.

É a partir da fábrica na freguesia de Barco, nas Caldas, que são produzidas diariamente as 150 mil peças na Herdmar. Tudo orientados pelos seus 140 colaboradores. São eles os responsáveis pela produção dos faqueiros chocolate, violeta ou a utilização de cristais Swarovski. “Os clientes americanos gostam mais dos retro e com muita cor”, descreve. Há gostos para tudo.

Por isso, a Herdmar aposta numa produção mais massificada e com mais qualidade. “O design e o preço competitivo são fundamentais”, refere a CEO da Empresa. Os preços dos talheres dependem das composições dos conjuntos que podem ir desde os individuais de 4/5 peças até às 130 peças. Entre 70€ e os 500€ é possível ter um faqueiro Herdmar em casa.

Maria José acredita que uma mesa pode tornar-se elegante graças aos talheres. Conta com uma equipa de designers internos e externos para manter a inovação dos produtos. “Estamos a trabalhar agora num modelo com cortiça, por exemplo”, confidencia. Defende que um faqueiro é capaz de transformar a hora da refeição. Por isso, a empresa criou o slogan “vestir a mesa”. “Queremos um talher bonito e que faça diferença”, defende a administradora. Tudo Made in Caldas das Taipas.

Perdem a conta aos galardões e prémios internacionais que já receberam. Como o caso do IF Design Award em 2015. Criado pelo designer português Miguel Flores Soeiro, o talher Malmö é o resultado de aço inoxidável torcido e apresenta linhas fluidas, inspiradas na torre retorcida da cidade sueca que deu origem à peça.

O último foi o Best Decor Award em março de 2017 em Singapura, na categoria de melhor elemento decorativo com o modelo Oslo. “Só não ganhamos mais porque não conseguimos dar resposta às candidaturas”, diz Maria José.

Uma empresa familiar, com certeza

É ela a responsável pelo departamento da internacionalização. Mas não está sozinha. Conta com o apoio dos três irmãos José Avelino, Abel e Mário Marques para a gestão e conselho de administração da Herdmar. Mas cada um com o seu pelouro.

“O meu pai colocou cada um na sua área para que houvesse sempre um bom entendimento”, descreve Maria José. Todas as semanas reúnem-se para debater ideias e alinhar estratégias. “Dizem que não se deve trabalhar com a família, mas aqui, corre bem”, diz.

Há regras fundamentais que gostam de cumprir: não se fala em negócios nos almoços de família. Aprenderam com a matriarca. “Íamos todos os dias almoçar à minha mãe, aqui ao lado da fábrica. Começamos a falar de trabalho. Ela zangou-se, deu um grito e mandou-nos comer fora”, recorda.

Maria José acredita que foi o respeito e a humildade transmitida pelo pai e avô que têm levado a Herdmar tão longe. “Os nossos clientes sabem que podem confiar e trabalhar diretamente connosco. Isto é o meu sangue”, acrescenta. Por isso, salienta que o modelo de gestão da empresa tem sido fato decisivo para sobrevivência. “Defendemos um crescimento sustentável. Nunca demos passos maiores do que as pernas”, justifica. No último ano faturaram sete milhões de euros.

Com eles, têm já os filhos Manuel Castro, Fernando Castro, Carolina Marques, Clara Marques, João Marques e José Pedro Marques a trabalhar na empresa. “A sucessão está bem orientada”, resume a CEO da Empresa.

Tal como a relação com os colaboradores. Não faltam casos de pais e filhos a trabalhar na Herdmar. “São como família. Partilhamos com eles as nossas conquistas”, diz. É comum ver os irmãos Marques nos convívios organizados pela sua equipa. Há jantares de natal, torneios de futebol ou passeios. “Pagamos o nosso lugar e vamos na camioneta”, afirma Maria José.

Nome: Herdmar
Data: 1911
Pontos de venda: Lojas parceiras
Preços: O preço médio pode a variar entre os 70€ e os 500€ consoante a escolha da composição dos conjuntos.

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