A saída dos créditos problemáticos do balanço dos bancos é uma ideia mais ou menos consensual. A proposta voltou a ser discutida, no quadro das políticas económicas defendidas pelo economista Olivier Blanchard para dar força à retoma da economia.
Mas se concetualmente a proposta faz todo o sentido, Blanchard fez questão de sublinhar que as políticas que defende não ponderam as restrições europeias, já na prática temos um “pequeno elefante na sala” que dificulta essa solução em Portugal. O alerta foi deixado por Pedro Machado, partner da auditora PwC que foi um dos participantes no debate promovido pela Conferência Portugal, From Here to Where, realizada esta sexta-feira em Lisboa que teve como principal orador o antigo economista-chefe do Fundo Monetário Internacional.
Machado refere-se aos constrangimentos regulatórios da União Bancária, que tornam muito difícil a concretização de um modelo de banco mau que ficaria com a responsabilidade pelos ativos e créditos problemáticos, em inglês NPL (non performing loans). E explica porquê.
O destaque destes ativos do balanço dos bancos a sua passagem para um veículo exterior iria implicar o reconhecimento de perdas, resultantes da diferença entre o valor contabilístico e o valor justo ou de mercado, criando uma insuficiência de capital. E alguém teria de pôr lá esse dinheiro. Blanchard admitia, na sua abordagem conceptual, que no limite fosse o Estado a recapitalizar, considerando que vale a pena encaixar um défice mais alto, face aos efeitos positivos para a economia.
Se fosse fácil, não andávamos a discutir há anos
A ideia de criar de uma solução que permita retirar à banca os créditos problemáticos, não é nova. Desde 2016, que foi defendida pelo primeiro-ministro, António Costa, e pelo governador do Banco de Portugal. As autoridades portuguesas têm tido discussões a nível europeu e há até investidores interessados em financiar, pelo menos em parte, a solução, mas ainda não parece haver luz ao fundo do túnel.
“Se a solução fosse fácil, não andávamos a discutir o tema há anos”, diz o partner da PwC que refere os constrangimentos europeus. E o problema mais grave resulta da regra europeia dos auxílios de Estado.
Quando um banco recebe uma ajuda de Estado, entra em processo de resolução e tem de haver um bail-in (partilha de perdas com privados). Existe a possibilidade, no quadro europeu, de avançar com uma recapitalização preventiva, mas só em situações muito específicas e para permitir a um banco satisfazer necessidades de capital detetadas num teste de stress ou numa avaliação dos ativos. E, ainda assim, terá de haver bail-in de credores subordinados.
Portugal, lembra Pedro Machado, já sofreu episódios de perdas para obrigacionistas. “Temos sido um laboratório” para essas experiências que, no cenário mais adverso — e lembra a retransmissão da dívida sénior do Novo Banco para o BES mau, no final de 2015 — podem provocar instabilidade financeira, como têm defendido alguns analistas financeiros.
O modelo escolhido em Itália, de titularização (venda de conjunto de ativos tóxicos a terceiros), também apresenta problemas, porque o veículo privado que ficou estes créditos teve de partilhar o risco com o sistema bancário, porque não havia investidores interessados nas tranches de mais alto risco e não tinham garantia do Estado. O que não é recomendável para Portugal.
Então qual deve ser a solução?
O crescimento económico faz parte, é claro. E não basta atuar do lado da banca. Restrições europeias à parte, há medidas que podem ser tomadas ao nível nacional, e algumas estão aliás a ser adotadas pelo Governo. Pedro Machado cita o Programa Capitalizar, dedicado às empresas, e as novas regras para acelerar a recuperação judicial de empresas e a execução de garantias, bem como a reforma do regime de insolvências.
Recuperando um número referido por Olivier Blanchard, segundo o qual 33% das empresas zombies (não viáveis) conseguiram um novo empréstimo em 2014, o responsável da PwC alerta para a falta de estruturas adequadas de avaliação do risco e das garantias ao nível dos bancos — reconhece que as linhas de defesa falharam, desde os órgãos de controlo interno, passando por órgãos de fiscalização e auditoras — e sugere a criação de plataformas externas de gestão de ativos problemáticos dentro dos próprios bancos.
Neste modelo, os ativos não saiam dos balanços dos bancos, mas a sua gestão seria entregue a terceiros, o que permitiria acelerar a sua recuperação e reconhecer as perdas quando fosse necessário. Assim, defende não haveria mais financiamento a empresas zombies, nem os bancos teriam de suportar perdas extraordinárias decorrentes da transferências para terceiros. É claro que iria demorar mais tempo a resolver o problema do crédito problemático, mas evitaria maiores necessidades de capital e afastava o fantasma da ajuda do Estado.
Esta plataforma externa, que pode ser comum a vários bancos, teria como missão definir o que é viável e o que não é, e adotar a gestão mais adequada à otimização daqueles ativos.
O responsável da PwC lembra um discurso de Constâncio, em que o vice-presidente do BCE defendeu que as soluções in house (dentro da casa, neste caso do banco) não podem ser descartadas. Para o vice-presidente do BCE, lembra Pedro Machado, a solução do bad bank apenas faz sentido com base numa european blueprint, ou seja, no âmbito de um plano europeu para o problema.
Para os bancos haveria incentivos adequados, eventualmente fixados pelo supervisor ao nível de alguns rácios, de forma a viabilizar uma gestão integrada (com outros bancos credores) e mais proativa desses ativos. Se estivéssemos a falar de empréstimos a empresas (onde está uma boa parte do malparad0), esta estrutura de gestão dos NPL poderia decidir se valia a pena manter o ativo ou deixar cair, reconhecer a perda (write off), ultrapassando a posição individual de cada banco.
Sublinhando que sem um quadro ou um guião europeu, será difícil conseguir uma resposta fora do balanço. Uma solução que permita gerir dentro dos bancos o malparado, mas com capacidade externa não será ideal, mas pode ser a solução, admitiu Pedro Machado.