Foi durante um estágio na prestigiada marca de vestuário Barena em Veneza, Itália, que Mónica Gonçalves se apercebeu da potencialidade do fio de cortiça. Durante os três meses em que lá esteve, começou a fazer experiências caseiras com o material e a aprender mais sobre a dinâmica da fiação. Ficou surpreendida com os resultados. “Era muito fácil manipulá-lo e trabalhá-lo”, explica a designer da Casa Grigi, uma marca pioneira de roupa com fio de cortiça e que recentemente recebeu um “Design Awards” na categoria de inovação de tecidos e design de moda.
Mónica regressou a Lisboa em abril de 2012. “Era a tendência das malas de cortiça, mas eu não gostava daquilo”, explica a designer. Acreditava que a casca de sobreiro era demasiado boa para ser usada “apenas assim”. “As pessoas não estavam a ver além. Podia-se fazer muito mais.”
Através da reinvenção e readaptação de materiais ecológicos e diferentes, decidiu apostar em criar novas peças de vestuário com o fio de cortiça que pudessem estar em contacto com a pele. “Era preciso desmitificar a ideia de que a cortiça era rude e difícil de vestir”, explica. Dedicou-se à experimentação de materiais locais, visando a aplicação dos mesmos em diversas áreas, nomeadamente na moda. Desde pequena que estava habituada a máquinas de costura e moldes de roupa. “A minha mãe era modista”, diz Mónica.
A experiência em Itália com diferentes materiais orgânicos levou-a arriscar. Era preciso terminar o curso de Design de Moda da MODATEX e apresentar o projeto final. O primeiro protótipo foi um blazer com fio de cortiça. “Estava tão nervosa porque era dos professores mais difíceis. Quando lhe mostro a minha ideia, vejo o sorriso dele na cara e a pedir mais e mais informações. Não queria acreditar”, recorda a jovem de 28 anos.
O professor da MODATEX gostou tanto do conceito que se ofereceu para a ajudar durante as férias escolares. Mónica passou o verão de 2012 a desenhar. “Mandava os esboços para o professor para receber feedback. E ele sempre a pedir mais”, recorda. A resposta chegou depressa. Em setembro já estava a vender uma coleção exclusiva para a marca Cork&Co na loja do Chiado, em Lisboa.
Um mês depois, em outubro de 2012, Mónica ganhou o concurso EcoFriendly do Portugal Fashion, onde apresentou a malha de cortiça. Com os 1.500 euros do prémio, comprou mais materiais para continuar a produzir. Para aumentar os rendimentos, trabalhava durante o dia numa loja de malhas no Chiado e à noite ia para o atelier que tinha no Cais do Sodré. “Havia vezes em que adormecia em cima da máquina de costura”, recorda Mónica Gonçalves. Queria avançar num projeto a solo onde pudesse estudar e explorar materiais naturais. “A Grigi é um sonho próprio que vingou num cenário de crise e desmoralização”, explicou ao Observador.
E foi numa dessas caminhadas entre o trabalho e o atelier que surgiu a ideia da Grigi, em 2013. Mónica parou numa das esplanadas da Rua Augusta, sentou-se para beber uma imperial, e começou a juntar sons. “Nasceu a palavra Grigi, um jogo de sílabas e do italiano grigio, cinzento, cujo simbolismo encerra uma força interna que suporta males externos”, descreve a designer.
Na altura, a pele de cortiça era difícil de alcançar. “Toda a gente dizia que era impossível, mas a carga negativa ainda me dava mais força”, recorda. Depois de muito trabalho, Mónica conseguiu chegar ao milímetro do fio de cortiça e ter um produto confortável, resistente e leve. “É ainda lavável e passível de ser passado a ferro, mantendo todas as propriedades físicas originais da cortiça”, acrescenta a criadora.
Ainda em 2013 abriu a primeira loja para venda ao público e produção das coleções inspiradas em fibras naturais. Austrália, Luxemburgo e Dubai foram os primeiros países para onde começou a trabalhar. Os dois anos seguintes foram dedicados à industrialização do fio de cortiça. “Mas precisava de investimento e, por isso, fui ao [programa] Shark Tank”, explica Mónica Gonçalves.
Com as suas criações, a designer queria mostrar como Portugal continua a provar que há vida e inovação, para além da rolha. Desta vez, com peças de vestuário feitos a partir de cortiça. “A Grigi é um bebé que não nasceu da minha barriga, mas nasceu nas minhas mãos”, afirma.
Em janeiro de 2016, inscreveu-se no programa de televisão à procura de investidores que estivessem disponíveis para arriscar na sua ideia. A advogada, empresária e presidente do Clube Business Angels de Lisboa, Isabel Neves, aceitou o desafio e investiu, com mais 11 pessoas, 40 mil euros no seu projeto.
Com este financiamento, a marca criou duas coleções: a Casa Grigi, mais conceptual e vocacionada para internacionalização, e a Cuci Cork, mais jovem, mais acessível e para revenda. O lançamento acontece na próxima segunda-feira, dia 5 de junho, no espaço TODOS, em Marvila. “As propostas para este verão 2017 são muito versáteis”, define.
Há saias, vestidos, casacos, tops e até botas feitas com fio de cortiça. Um pouco de tudo e para todos os gostos, desde a peça mais clássica como um casaco, ao top em fio de cortiça num estilo mais “hippie”, passando pelo capote que se transforma em saia comprida. “É uma coleção para que as pessoas sintam quem são”, explica a designer.
É também uma coleção com preços para todas as carteiras. Na Casa Grigi, as peças podem ir dos 80 euros aos 380 euros. Na Cuci Cork, os valores começam nos 30 euros. E sem tamanho. “ As peças tanto vestem uma pessoa de S ou de XL.”
A cortiça é o material que predomina, mas há integração de outros produtos. A Natural Box é o exemplo disso. É um quadro composto para a apresentação da malha, no qual diferentes materiais como o algodão são trazidos e conjugados com diferentes abordagens.
Com esta coleção, Mónica Gonçalves quer evidenciar o ADN da sua marca: sustentabilidade e ecologia associadas ao conforto e usabilidade das peças, mais fluidas ou estruturadas. Por isso, a Grigi define-se como um projeto de vestuário inspirado em fibras naturais que nasce do cruzamento entre os valores da tradição, da ecologia e da sustentabilidade e o desejo de trazer o design à cortiça e a cortiça a um lugar plural mais próximo do consumidor, através do vestuário.
Para já, Mónica está já em contacto com o mercado italiano e luxemburguês para vender as primeiras criações desta coleção. O próximo passo é entrar no grupo LVMH e dinamizar a exploração do material usado nas várias marcas de luxo, apostando mais na experimentação. “Já imaginou uma mala da Louis Vuitton com fio de cortiça feita pela Grigi? Era o meu sonho.”
Nome: Casa Grigi
Data: 2013
Pontos de venda: Loja online
Preços: dos 30€ aos 380€
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