Turistas da Nova Zelândia, Brasil ou Rússia e estudantes universitários estão a dar uma nova vida aos antigos bairros do Porto, conhecidos por “ilhas”, um fenómeno que a autarquia diz ser o “futuro” e não um processo de “gentrificação”.

As “ilhas” no Porto são um tipo de habitação operária típica daquela cidade do Norte no século XIX, constituída por edifícios unifamiliares no centro da cidade, normalmente com um piso e separadas ou ladeadas por um corredor de acesso à via pública.

Os balões de São João ainda enfeitam a “ilha” da Glória, localizada a alguns metros de distância da Praça da República. Há cerca de um mês passou a ter “hóspedes” da Nova Zelândia, Rússia, Ucrânia, Letónia, Espanha, França, Itália e Portugal. Outrora chegou a ter cerca de 100 habitantes, atualmente vive ali uma dezena de pessoas.

“Um fim de semana para duas pessoas ronda entre os 50 e os 100 euros. No São João houve lotação esgotada e já temos reservas para julho e agosto”, conta Tiago Guimarães, promotor turístico, com sete casas recuperadas na Glória.

A estada média são três noites, mas há hóspedes a pernoitarem sete, como os turistas neozelandeses, recorda Tiago Guimarães, admitindo que a “genuinidade” e “singularidade” das “ilhas” são as principais vantagens para captar turismo.

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Ao turismo junta-se o arrendamento de casas para estudantes estrangeiros. Lara e Clara, estudantes Erasmus de Design de Interiores e Direito, respetivamente, rumaram de Espanha e estão satisfeitas com a opção de pagarem 200 euros/mês por uma habitação na “ilha” do Largo Alberto Pimentel, em Cedofeita.

“Estamos perto de tudo e não temos de gastar dinheiro em transportes. Estamos perto dos amigos. Está ótimo”, explicou Lara, considerando o preço “muito mais barato”, quando comparado com os valores praticados em Espanha que pode chegar a 500 euros/mês.

A moda do alojamento turístico e do arrendamento nas “ilhas”, onde a entreajuda era uma pedra basilar, agrada a grande parte dos habitantes que persistem naqueles bairros.

“Vem dar outra vida. Vai dar vida a uma coisa que estava um bocadinho falecida. Vai dar outro encanto, é claro. São outros gostos, são pessoas novas. Aparece de tudo. Isto tinha parado no tempo e isto vai dar outra dimensão”, disse Álvaro Penedo, 72 anos, que mora na Ilha da Glória há 68 anos, confidenciando à Lusa que se os turistas falarem português oferece-lhes um cálice do Vinho do Porto.

Emília Nascimento, 74 anos, mora há 40 anos na “ilha” do Largo Alberto Pimentel e considera que o turismo e a reabilitação das casas é “bom para as ilhas”.

“Estando elas tão degradadas, que renovem e que ponham as ilhas mais bonitas, mais acessíveis”, apela, realçando que os turistas trazem “mais movimento”, são “muito simpáticos” e nunca lhe causaram problemas de segurança.

O vizinho de Emília, o Emílio Ferreira, não gosta, todavia, da vinda de estrangeiros e diz que as mudanças são más, porque os turistas entram e saem da como se a “ilha” fosse um “albergue”.

“Há pessoas que vêm ao engano, que fazem reservas por dois ou três dias e chega ao primeiro dia e vão-se embora, porque julgam que isto é uma coisa, mas é outra. Tem poucas condições. Muito calor, não tem ar condicionado”, descreve Emílio, referindo que como morador se sente mais inseguro, porque “todos os dias vê caras novas”, obrigando a ter as portas fechadas.

O melhor caminho para recuperar as “ilhas” é a Câmara reabilitar as casas àquelas pessoas que não tenham dinheiro e depois “levar uma rendazita para pagar” e as “pessoas mantinham-se”, defende Emílio Ferreira.

O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, chama a si a ideia de ter começado a moda da reabilitação das “ilhas”, recordando que havia a ideia que as “ilhas” tinham de ser “erradicadas”.

Rui Moreira recorda que o projeto-piloto na “ilha” camarária da Bela Vista, no Bonfim, para requalificar cerca de 30 habitações, é um “projeto experimental” e que serve também para que proprietários privados percebam que a reabilitação pode fazer de forma “barata” e com “novas tecnologias”, recorrendo a valências que existam até na Universidade do Porto, permitindo que as “ilhas” não desapareçam.

“Se amanhã se instalar uma família estrangeira, isso não é gentrificação, isso é o Porto, é a sensação que as pessoas têm de que de alguma maneira estamos a transformar o Porto numa comunidade diferente. Isso é ótimo, é o futuro. Nós não podemos querer ser europeus, não ter fronteiras e depois subitamente termos receio, portanto temos de ter esta capacidade de absorção”, explica o autarca.

Sobre se imaginaria que as “ilhas” pudessem vir a ter procura turística, Rui Moreira diz que sim e que o fenómeno não o “preocupa”, exemplificando que hoje quando um turista vai a Marraquexe (Marrocos), não quer ficar em hotéis da periferia, antes prefere ficar dentro do “souk”, porque é o convívio com as pessoas que “engrandece a sensação do sentimento da pertença”.

Há 957 “ilhas” no Porto, segundo um levantamento feito em 2015 pela autarquia, onde moram mais de “10 mil pessoas, muitas vezes em muito más condições”.