O Brasil não abordou problemas de direitos humanos de longa data permitindo que o surto do vírus Zika alastrasse pelo país, deixando a população vulnerável a novos surtos, refere a Human Rights Watch (HRW) num relatório divulgado esta quinta-feira.
O documento, “Desprezadas e desprotegidas: o impacto do surto do vírus Zika em mulheres e meninas no Nordeste do Brasil”, apresenta lacunas nas respostas dadas pelas autoridades brasileiras perante a proliferação da doença.
Segundo aquela organização não-governamental (ONG), apesar do governo brasileiro ter declarado o fim do estado de emergência nacional de saúde pública em maio de 2017, a infeção ainda ameaça o país.
Os brasileiros podem ver a declaração do Ministério da Saúde sobre o fim da emergência de Zika como uma vitória, mas riscos significativos permanecem, assim como as questões de direitos humanos subjacentes que foram expostas”, diz Amanda Klasing, investigadora sénior dos direitos das mulheres da HRW.
“Os direitos básicos dos brasileiros estão em risco se o Governo não reduzir a infestação de mosquito [‘Aedes aegypti’] no longo prazo, garantindo o acesso aos direitos reprodutivos e apoiar as famílias que criam crianças afetadas pelo Zika”, salienta. O anúncio do fim do estado de emergência ocorreu 18 meses depois do Brasil ter declarado a epidemia do vírus como uma emergência nacional.
Para fazer o relatório, a HRW entrevistou 183 pessoas em Pernambuco e Paraíba, os dois Estados brasileiros mais atingidos pela doença, incluindo 98 mulheres e meninas com idade entre os 15 e os 63 anos.
A ONG também falou com homens e meninos das comunidades afetadas, prestadores de serviços, especialistas e autoridades governamentais.
Nestas entrevistas, os investigadores da HRW constataram que muitas mulheres grávidas e meninas não receberam informações abrangentes sobre a prevenção da transmissão do vírus durante as consultas pré-natais.
“Muitos [profissionais de saúde] não informaram que o vírus Zika pode ser transmitido sexualmente, em parte devido a informações contraditórias ou inconsistentes que receberam do Governo. Como resultado, poucas [mulheres] utilizavam consistentemente preservativos para proteger o feto da transmissão da doença”, destaca o relatório.
No documento recorda-se também que o vírus Zika atingiu o Brasil quando o país enfrentava a sua pior recessão económica em décadas, forçando as autoridades locais a tomarem decisões difíceis relativamente à alocação de recursos.
No entanto, a HRW avaliou que doença não foi contida no curto prazo e ainda é um risco porque o Brasil adota políticas negligentes há anos em relação à oferta de saneamento básico, fator que permitiu a proliferação e a rápida disseminação da doença.
“As autoridades brasileiras devem fazer investimentos há muito atrasados em infraestruturas de água e saneamento para controlar a reprodução dos mosquitos e, assim, melhorar as condições de saúde pública”, considera a HRW.
Aquela ONG também recomenda que o Brasil reforce os serviços de saúde voltados para atender mulheres e meninas, descriminalize o aborto e garanta que crianças afetadas pelo Zika tenham acesso a serviços especializados de saúde que lhes garantam maior qualidade de vida. Desde que a doença foi detetada no Brasil em 2015, mais de 2.600 crianças nasceram com microcefalia e outros problemas neurológicos causados pela infeção.
Em 2017, o número de casos de vírus Zika e de bebés nascidos com deficiências ligadas à doença caíram drasticamente em relação a 2016, mas as autoridades brasileiras não conseguiram identificar a causa exata desta redução do número de casos.
Nas conclusões do relatório, Amanda Klasing lembra que a doença também afeta populações noutras partes do mundo.
“À medida que a proliferação dos mosquitos [‘Aedes aegypti’] se verifica em partes da América do Sul, América Central e dos Estados Unidos, estes outros países afetados pelo vírus Zika devem reconhecer que os problemas de direitos humanos podem contribuir para a rápida escalada da epidemia”, alerta.
“Países que esperam evitar a crise que o Brasil enfrenta devem abordar questões de direitos humanos no início do seu planeamento e resposta à doença”, conclui a especialista da HRW.