O que significa a compra da Media Capital pela dona da MEO? Virá aí uma “guerra”, como disse o presidente da NOS? Porque é que Marcelo já está em cena e porque é que a Altice é o alvo de Costa? Eis cinco perguntas e respostas para entender este negócio e as mudanças que este vai trazer.

O negócio já está fechado? A política e os reguladores podem bloquear?

O negócio já foi apresentado mas, como é habitual nestas situações, ainda precisa de ser aprovado pelas autoridades relevantes e pelos reguladores. A Altice espera que esse processo seja “suave” mas as coisas podem não ser tão simples quanto isso. O analista Pedro Oliveira, da área de research do BPI, disse esta sexta-feira pela manhã, quando o acordo foi oficializado, que “a aprovação do negócio por parte das autoridades portuguesas pode fazer arrastar o processo“.

Operação tem de ser, também, aprovada em Espanha

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Do lado da Prisa, também será necessário autorização de alguns credores da Prisa e, também, da assembleia-geral de acionistas da empresa espanhola que está muito endividada e tem nestes 440 milhões de euros (brutos, aproximados) um balão de oxigénio importante. A empresa tinha tentado vender a editora Santillana mas sem sucesso, pelo que a empresa espanhola estava a precisar de liquidez para fazer face às suas responsabilidades iminentes no refinanciamento de dívida.

Têm uma palavra a dizer os reguladores do mercado e da comunicação social — a Entidade Reguladora da Comunicação Social — pelo que o Estado ainda tem uma palavra a dizer. O presidente da NOS, Miguel Almeida, disse no final do ano passado que “se se confirmar que a Altice compra a TVI, e se os reguladores não fizerem nada, aceitando essa aquisição, haverá guerra“. O gestor explicou melhor a declaração: “Defenderemos os interesses dos nossos clientes”, acrescentou, apontando que “a consequência dinâmica dessa guerra é negativa para o consumidor, pois vai perder capacidade de escolha e os operadores mais pequenos serão prejudicados”.

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Numa nota de análise a que o Observador teve acesso, o analista do BPI antecipa que “as autoridades da concorrências poderão fazer uma análise aprofundada que poderá gerar obstáculos a esta transação” e conclui dizendo, numa ótica mais política, que “depois dos comentários do primeiro-ministro [António Costa] acerca da Altice, acreditamos que poderá haver alguns obstáculos políticos à concretização deste negócio”. Daí a noticiada reunião do próprio presidente do conselho de administração e fundador da Altice, Patrick Drahi, com o Presidente da República e com o primeiro-ministro, esta sexta-feira (Balsemão também esteve com Marcelo).

“Qualquer país estaria satisfeito com o investimento que estamos a fazer”, diz Michel Combes, presidente da comissão executiva da Altice

Qualquer país estaria satisfeito com o investimento que estamos a fazer“, afirmou o presidente-executivo, Michel Combes, o responsável que liderou a conferência de imprensa desta sexta-feira e que respondeu desta forma, indireta, ao facto de António Costa ter dito que teme que esta “privatização” faça com que a Portugal Telecom vá pelo mesmo caminho que a Cimpor, que hoje é uma sombra da gigante empresarial que já foi, depois de se ter unido a empresas brasileiras.

Porque é que António Costa receia que a PT seja a nova Cimpor? E houve, mesmo, uma “privatização”?

António Costa referiu-se, no Parlamento, à venda da PT Portugal à Altice, em 2015, durante o consulado de Pedro Passos Coelho, como uma “privatização”. Na realidade, a privatização da Portugal Telecom aconteceu há muito, em meados da década de 90 (o Estado é que manteve uma golden-share até ao início do Governo de Passos Coelho, mas havia diretivas comunitárias de que teria de acabar). O que houve, em 2015, foi a venda da empresa PT Portugal à multinacional francesa, um negócio feito entre empresas privadas na sequência da divisão das operações portuguesas da ex-Portugal Telecom e da operadora brasileira Oi. Na altura da venda, o Novo Banco (detido, ainda, pelo Fundo de Resolução/Banco de Portugal), foi decisivo para que a operadora fosse vendida à Altice.

Receio bastante que a forma irresponsável como foi feita aquela privatização [pelo anterior Governo PSD/CDS-PP] possa dar origem a um novo caso Cimpor, com um novo desmembramento que ponha não só em causa os postos de trabalho, como o futuro da empresa”, afirmou António Costa no parlamento, na quarta-feira.

A declaração de António Costa não nasceu do nada. Já em maio foi noticiado que a Portugal Telecom teria sondado o Governo para obter autorização para dispensar cerca de um terço dos trabalhadores, o que equivale a entre 3.000 e 4.000 pessoas (conforme as fontes). O controlo de custos é uma das formas que a Altice costuma privilegiar nas empresas onde investe, pelo que desde que foi conhecido o interesse da Altice na PT se percebeu, de imediato, que os cortes viriam. Também em França a Altice revelou (aos sindicatos) que tencionava dispensar um terço dos trabalhadores (cinco dos 15 mil).

3.000 trabalhadores (pelo menos)

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O número de trabalhadores que a empresa pretende dispensar, via rescisão contratual, está muito acima do permitido por lei, a menos que o Governo (o Ministério do Trabalho e Segurança Social (MTSS) aceite atribuir à Portugal Telecom o estatuto de empresa em reestruturação. Só dessa forma as pessoas poderiam ter acesso a subsídio de desemprego. Já saíram da PT cerca de mil pessoas desde que a Altice comprou a empresa, há cerca de dois anos, através de rescisões negociadas.

Mas o Governo e os partidos que suportam a maioria não deram luz verde à intenção da PT-Meo. António Costa assegurou que o Governo “não dará qualquer autorização” para um eventual despedimento por parte da Altice de cerca de três mil trabalhadores na PT, considerando que “nada o justifica”. Mas o presidente da PT, Paulo Neves, disse no Parlamento esta quarta-feira que é preciso “continuar o processo de agilização” da força laboral. Estava em linha com aquele que tem sido o discurso da PT Portugal desde a compra pela Altice, incluindo por parte do antecessor de Paulo Neves, Armando Almeida.

Presidente da PT: “A minha ideia não é chegar aqui e cortar pessoas”

“A evolução tecnológica obriga a uma adaptação da empresa, porque o mercado é concorrencial” e “difícil” e que a operadora tem “mais do dobro dos trabalhadores” que as concorrentes NOS e Vodafone, afirmou Paulo Neves. Com o despedimento coletivo bloqueado, o Bloco de Esquerda acusou a Altice de “fraude” e de usar “os mais variados subterfúgios legais” como a externalização de serviços e a transferência de trabalhadores para outras empresas, esvaziando a antiguidade para, depois, despedir com menos custos. Paulo Neves recusou “qualquer acusação de ilegalidade” e tem mantido que é falso que haja qualquer plano de despedimentos.

Não estamos a despedir pessoas, mas temos de tornar a empresa mais ágil. Temos dos melhores colaboradores que existem neste país. O que estamos, sim, é a concentrar-nos naquilo que é o core para que a empresa consiga ser rentável. Estamos também a colocar pessoas em empresas de especialidade. Em alguns casos, estamos a compensar pessoas que querem sair. Rejeito liminarmente qualquer processo de despedimento.”

A Portugal Telecom falhou nos fogos de Pedrógão Grande?

Num debate sobre o Estado da Nação, António Costa conseguiu defletir algumas das atenções para a Altice e para a Portugal Telecom, acusando-a de não ter conseguido dar resposta técnica adequada durante e depois dos incêndios de Pedrógão Grande. “Aliás, espero que a autoridade reguladora [para as telecomunicações], olhe com atenção só o que aconteceu com as diferentes operadoras. Houve algumas que conseguiram sempre manter as comunicações e houve outra que esteve muito tempo sem conseguir comunicações nenhumas – e isso é muito grave“, salientou o líder do executivo.

Depois, António Costa disse que pessoalmente, enquanto consumidor, já tirou conclusões face ao panorama existente no mercado nacional. “Por mim, já fiz a minha escolha da companhia que utilizo“, disse, dando a entender que na sua casa o comando não é Meo.

“Houve algumas que conseguiram sempre manter as comunicações e houve outra que esteve muito tempo sem conseguir comunicações nenhumas”, acusou António Costa

Se o primeiro-ministro tem queixas sobre o que se passou [em Pedrógão Grande] não é com Altice, é com as suas próprias pessoas”, afirmou Patrick Drahi.

Quem não deixou passar os comentários de António Costa foi o líder da oposição, Pedro Passos Coelho, que na quinta-feira à noite disse que “nunca tinha ouvido um primeiro-ministro atirar-se assim publicamente a uma empresa. Acho que nem o engenheiro José Sócrates teve coragem de o fazer”. O líder do PSD acrescentou que “os portugueses já estão um bocadinho escaldados de ver governos socialistas meter-se onde não devem. Admoestarem aqueles que não conseguem controlar. Ameaçar aqueles que não vêm ao beija mão”.

O que está a Altice a comprar, além da TVI?

Canais televisivos, rádios, um site de informação desportiva e outro de notícias do mundo automóvel, uma produtora de telenovelas e uma editora de música e, ainda, um portal de Internet, o IOL, que poderá beneficiar de sinergias com o Sapo (que é da PT Portugal). O universo da Media Capital é extenso e conta com marcas líderes em vários segmentos do mercado. Na rádio, por exemplo, a Media Capital é dona da (líder) Rádio Comercial, a M80, a SmoothFM, Cidade FM e a Vodafone FM (sim, a rádio ligada à operadora de telecomunicações rival da Meo). Na televisão, além da líder TVI, há um conjunto variado de canais de cabo, desde a informação até aos reality shows e a ficção televisiva.

Parte dessa ficção televisiva é produzida pela Plural Entertainment, uma das maiores produtoras audiovisuais da Península Ibérica, que produz telenovelas e outros conteúdos em língua portuguesa e em castelhano. A Altice parece ter grandes planos para esta produtora. Na área do digital, um dos principais ativos é o TVI Player, com integração na rede IOL e uma aposta nas redes sociais e nos blogues. Os ativos da Media Capital chegam, ainda, à produção musical, através da editora Farol, que trabalha, também, na promoção de eventos.

Estes são os ativos que a Altice vai acrescentar ao seu portefólio de investimentos em várias geografias. Com sede na Holanda, a empresa está em França (dona da SFR, segunda maior operadora móvel no país, e da Numericable, e esteve interessada na Bouygues, a terceira maior telecom de França), nos EUA (comprou a Suddenlink em 2015 e terá tentado comprar a gigante Time Warner Cable), em Israel e nas Caraíbas. Em Portugal começou por comprar a Cabovisão e a Oni mas vendeu-as depois da compra da PT.

A empresa é conhecida por uma estratégia de aquisições agressivas, financiadas com a emissão de dívida (o Financial Times escreveu, já em 2015, que as ambições da Altice, suportadas em endividamento, estavam a causar algum desconforto entre os analistas), e por um apetite especial por companhias com nome nos seus mercados mas com ineficiências que a Altice acredita ser capaz de corrigir, rentabilizando dessa forma os investimentos. A obsessão pelo controlo de custos chega ao ponto, segundo notícias publicadas nos últimos anos, de por vezes faltar papel higiénico e tinta de impressora nas empresas (em concreto, na SFR).

A empresa é muito ativa, também, no mercado dos direitos televisivos no desporto, cujas transmissões, depois, tende a encerrar nas suas plataformas. A Altice tinha dito em março de 2016 que ia fazer uma pausa nas grandes aquisições, para se focar mais na integração dos ativos já adquiridos, mas já tinha avisado que estava atenta a oportunidades no setor dos media em Portugal e a compra da Media Capital só terá surpreendido os mais desatentos.

Patrick Drahi, nascido em Marrocos, começou a vender pacotes de cabo, porta a porta, em França e subiu a pulso no setor. (ERIC PIERMONT/AFP/Getty Images)

O que o negócio vai significar para o mercado e para os consumidores?

A compra da Media Capital pela empresa que já detém a TVI será “disruptiva” para o mercado de telecomunicações e, também, de media. Não era preciso o analista Pedro Oliveira, do BPI, dizê-lo, porque as sucessivas declarações que surgiram nos últimos meses (como as do líder da NOS, a falar em “guerra” entre operadoras). “A Altice vai tentar ganhar vantagens competitivas nos conteúdos e isso irá forçar os outros players a reagirem”, diz Pedro Oliveira, antecipando um “ambiente concorrencial mais intenso” e, no caso da rival NOS, um aumento do investimento em conteúdos.

Assumindo como válido o cenário em que a Altice adquire a Media Capital, somos da opinião que uma nova disputa entre os operadores de Telecom por conteúdos possa intensificar-se”, dizem os analistas do CaixaBI.

Logo no anúncio da operação, a Altice indicou que quer “investir na expansão digital” e “lançar serviços novos e inovadores”. Além da TVI, o ativo que mais terá feito salivar a Altice é a produtora Plural, que deverá passar a produzir conteúdos para exportação para locais onde existem comunidades de língua portuguesa (e, possivelmente, castelhana, já que a Plural já tem operações em Espanha), como os EUA e França. A Altice quer fazer da Media Capital um “núcleo de produção de conteúdos global”.

A Altice quer fornecer mais conteúdos a todos os consumidores portugueses num mundo digital e, como tal, disponibilizar mais oferta centrada em formatos e produção locais”, disse a empresa em comunicado.

Depois das declarações de Miguel Almeida, da NOS, o banco de investimento Haitong admitiu que “a NOS pode considerar comprar o outro grupo de comunicação social, a Impresa, que tem a SIC, para ter poder negocial contra a PT/Altice”. As ações da Impresa subiram mais de 13% na bolsa de Lisboa esta sexta-feira, dia em que Francisco Pinto Balsemão e o filho, Francisco Pedro Balsemão, líder executivo da Impresa, estiveram reunidos com Marcelo Rebelo de Sousa.