Engravatado ou não, de fato completo ou num freestyle de cores, a primeira imagem que nos vem à cabeça quando ouvimos a palavra dandy é a de um homem que dá nas vistas pelo bom gosto e a forma elaborada como se veste. Não está errado, mas o código de conduta também entra na equação. De um dandy espera-se não só um estilo irrepreensível mas também a postura de um verdadeiro cavalheiro. O que é que vem primeiro? Idealmente, moda e personalidade devem ser as duas faces do mesmo homem.
“Se me tiram um blazer e um par de sapatos sinto-me despido”, afirma Rui Martins. Em 2015, de olhos postos nuns quantos figurões de street style masculino, percorreu a lista telefónica e convidou 12 amigos (os com mais pinta, claro) para formar uma espécie de clã, os Portuguese Dandys. O grupo nasceu sem grandes pretensões, unido por um único ponto em comum, o gosto pelos clássicos.
Há aqueles grupos de amigos que marcam jantares para falar de futebol. Nós fazemos o mesmo, mas porque gostamos de roupa. Moda, não diria. Respeitamos os clássicos, um estilo mais intemporal, não tanto tendências”, diz o fundador dos Portuguese Dandys.
Os 13 mantêm-se até hoje, numa espécie de alusão à Última Ceia, mas sem discípulos. Em matéria de estilo, não há lugar para gurus. A maioria trabalha na área da moda e da confeção, mas há um engenheiro, um rapper e um DJ entre os autoproclamados dandies portugueses. Tal como nas profissões, os estilos também diferem dentro do grupo. Uns não fogem ao fato clássico, na base dos azuis, cinzentos e beges, outros levam o color block muito a sério e investem em fatos vermelhos, azuis bebé e amarelos. Depois, há o dandy com tendências desconstrutivistas, sem pudor de deixar o blazer em casa e alinhar num look composto por umas calças de cintura subida, uma camisa de manga curta em seda e uma boina ou chapéu de aba.
Saber vestir VS saber estar
À primeira vista o nome Undandy até parece uma provocação. Mas não. Rafic Deud, o homem por trás da marca portuguesa que em abril de 2015 começou a vender sapatos personalizados para homens, só quis voltar à origem do dandismo. “Um culto do eu que com o tempo se acabou por traduzir numa forma de vestir”, conta.
E porque nunca é demais relembrar as boas maneiras, a Undandy acaba de lançar o seu primeiro livro, um manual com “as nossas regras de como ser um cavalheiro em 2017”, explica Rafic Daud. The Ways of The Undandy deixa o guarda-roupa para segundo plano e é um dos indícios do crescimento exponencial da marca masculina que a Google quis calçar. Recentemente, todo o fabrico passou a ser feito numa unidade de produção própria, o que permitiu aumentar a capacidade de resposta às encomendas. Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Austrália e Canadá são, neste momento, os mercados com mais peso.
Era uma vez um dandy
Não, os dandies não nasceram ontem. O termo apareceu no final do século XVIII, associado a homens de estilo extravagante que rapidamente começaram a ditar tendências. George Bryan Brummell foi o primeiro a dar que falar. Amigo do príncipe regente e futuro rei de Inglaterra George IV, tornou-se um ícone da sua geração pela presença em festas e bailes. Na realidade, Beau Brummell, como era conhecido, nem sequer vinha de uma família aristocrata. Era uma figura muito semelhante ao que hoje entendemos por socialite, mas também um ícone de moda, sempre um passo à frente do que se usava na altura.
Em 1795, com a criação do imposto sobre o pó para o cabelo, Brummell surpreendeu tudo e todos ao trocar as perucas pelos seus caracóis naturais. E não ficou por aí. O cavalheiro inglês foi dos primeiros a abandonar os culotes e a dar início a uma era do guarda-roupa masculino (e, mais tarde, também feminino): a das calças.
Quem é que nasceu primeiro, o dandy ou o alfaiate?
Fato preto clássico? Não é fã. Cores garridas? Sim, por favor. Colete assertoado? Sempre que é possível e com relógio de bolso. Assim se traça o perfil de um alfaiate lisboeta. Paulo Battista já leva alguns anos disto e não hesitou em aceitar o convite de Rui Martins para fazer parte dos Portuguese Dandys. Para o alfaiate com atelier em Lisboa, além do que se veste e da cortesia, ser dandy tem ainda uma terceira dimensão. “Essencialmente, é sentires-te confortável com o que vestes, em qualquer sítio onde vás”, afirma. A personalidade tem de ser forte, pelo menos em Portugal, onde um homem que vai na rua com um fato cor-de-rosa, berrante, ainda é olhado de lado. Por vezes, é o que acontece quando se tem um código de vestuário 365 dias por ano.
Enquanto isso, no atelier de Paulo é como se esses mirones não existissem. Os fatos coloridos continuam a sair, tal como os blazers em padrões florais. O xadrez vichy é das últimas novidades e não veio só o básico azul e branco. Vistas bem as coisas, a conclusão é só uma: este estilo não é para quem quer, é para quem pode. E não, não é uma questão de dinheiro. Nem todos os membros do grupo compram fatos de três peças feitos à medida por Paulo. As peças especiais são mais difíceis de encontrar, mas há alternativas para todos os bolsos. “É claro que os tecidos e os cortes fazem diferença, mas cada um veste o que pode. Basta olharmos para os dandies do Congo. A roupa não tem qualidade, mas eles têm essência, têm carisma e por isso é que foram um fenómeno no mundo inteiro”, relembra Rui. Afinal, o guarda-roupa é mesmo só uma parte do dandy.
Viagem a Florença
Florença está para a alfaiataria como Paris está para a alta costura. Duas vezes por ano, a cidade pára para antecipar tendências no que toca a tecidos e cortes. Em junho, os Portuguese Dandys voltaram à Pitti Uomo e, entre desfiles e showrooms, houve tempo para várias sessões de street style. “De repente, começas a estar ao nível dos teus ícones”, afirma Paulo Battista. Guillaume Bo é um deles. Uma referência de estilo, mas também uma objetiva atenta a novas caras. Já fotografou a comitiva portuguesa e partilhou algumas das imagens nas redes sociais. GQ, FashionBeans e The Trend Spotter são outros dos sites e blogues que deram destaque ao estilo português em Florença.
https://www.instagram.com/p/BOe556wB6Gg/?taken-by=gui_bo
O dandy pode ser universal, mas o toque final é sempre cultural. Os britânicos são mais convencionais. No sul da Europa, estão os mais arrojados. Do oriente, chegam as silhuetas mais minimais. O mesmo acontece com cabelos e barbas. Os primeiros usam-se curtos, as segundas farfalhudas, pelo menos enquanto a moda não sopra na direção oposta. Um dia destes, é muito provável que demos de caras com um dandy com pinta de modelo da Calvin Klein.