Após mais de 12 horas de debate sobre o processo de votação e sobre a obstrução – ou não – desse mesmo processo, o presidente brasileiro, Michel Temer, recebeu o apoio de 264 deputados, contra 227 que votaram a favor do julgamento por corrupção, havendo apenas duas abstenções e 19 ausências na votação. A denúncia que exigia uma investigação do Supremo Tribunal Federal foi assim rejeitada.
Temer permanecerá no cargo até ao fim do mandato, previsto para 2018 – só então será formalmente acusado e julgado sem imunidade presidencial.
Entre as vozes do “sim”, que apoiavam o relatório da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania contra a denúncia do presidente, contavam-se quase metade dos deputados que apelaram a uma acusação e a um julgamento formal no final do mandato, para que a estabilidade política não seja afetada.
Justificaram também o seu voto com o crescimento económico e a política reformista — para estes deputados, a denúncia representava mais uma ameaça a toda a política atual e não só uma ação contra os crimes de corrupção passiva e suborno alegadamente cometidos pelo presidente.
Não há argumentos suficientes para afastar o presidente da república”, declarou o deputado Pedro Paulo antes de votar “sim”.
Do lado do “não” – a favor da acusação – estavam os deputados que apelaram aos valores democráticos, apontaram o dedo “ao governo golpista” e repetiram por dezenas de vezes: “ninguém está acima da lei”.
Este grupo apelou a um governo legitimamente eleito e ao respeito pelas mulheres e pelas populações indígenas. O argumento mais batido esta tarde em Brasília foi, contudo, a necessidade de “representar o povo brasileiro”.
“Acusar por acusar”
O advogado do presidente falou esta quarta-feira na abertura do debate. O presidente brasileiro foi acusado de corrupção passiva. Mariz de Oliveira disse que a denúncia demonstra vontade de “acusar por acusar”. Antes da participação do advogado, falou também o relator, Paulo Abi-Ackel, que apelou ao arquivamento do caso.
De acordo com Mariz de Oliveira, a denúncia coloca em risco “conquistas” que foram feitas pela população durante o governo de Temer. Acusa também a PGR de não ter fundamentos jurídicos para avançar com a denúncia e defende que Temer deveria terminar o mandato, em 2018.
Será que a sociedade não prefere um ano e meio dessas medidas benéficas? E a moral e a dignidade pessoal do presidente?”, disse o advogado.
A Constituição brasileira obriga a que qualquer denúncia contra o presidente em exercício seja aprovada por, pelo menos, dois terços da câmara baixa: exatamente 342 deputados. Para a denúncia ser arquivada, Temer precisava de 172 a seu favor.
Tumultos na câmara
Pelas 16h38 foi atingido o quórum de 372 deputados presentes na câmara e aprovado o início da votação: o governo garante que tem cerca de 280 votos a favor de Temer — um dos deputados em licença médica foi convocado para votar. Numa tentativa de conseguir votos a seu favor, o presidente brasileiro abriu hoje as portas a reuniões com 19 deputados: muitos dos quais votaram contra ele.
O lado parlamentar que apoia Temer ainda tentou avançar com uma votação para fechar a transmissão da votação ao público, votação essa chumbada pela oposição. A segunda parte da sessão arrancou pelas 18h00 (hora de Lisboa).
Os deputados aliados da oposição foram vistos a utilizar um autocolante no peito que lê “Fora Temer”, em alusiva sátira à tatuagem do deputado Wladimir Costa (que tatuou Temer no ombro, em homenagem ao presidente). O deputado disse na ocasião ter decidido marcar “para sempre” o apoio ao presidente, mas tudo indica que a tatuagem seja de henna.
Pelas 20h00 gerou-se confusão entre dois deputados – um governista e um da oposição – a atirar dinheiro falso para o chão e a erguer cartazes que liam “não serei cúmplice da corrupção”. Houve empurrões e gritos exaltados e os seguranças da câmara tiveram que intervir.
No meio da luta, recebemos uma tatuagem estilizada em adesivo. Mas leia bem: a nossa é FORA TEMER! pic.twitter.com/e1I5e0dEvt
— Maria do Rosário (@mariadorosario) August 2, 2017
Se a câmara baixa autorizasse a abertura do processo, o caso passava a estar na jurisdição do Supremo Tribunal Federal brasileiro, que podia optar por tornar Temer um réu no caso. Se tal acontecesse, o presidente era afastado por 180 dias e julgado como um cidadão normal.
Antes da abertura do plenário, cerca das 13h30 (hora de Lisboa), os deputados da oposição manifestaram simbolicamente contra o presidente brasileiro.
A vergonha de Temer exposta no plenário. #InvestiguemTemer pic.twitter.com/BPWAxTSNSt
— Chico D'Angelo (@chico_dangelo) August 2, 2017
Vários manifestantes bloquearam esta manhã três vias principais de acesso a São Paulo, a maior cidade do Brasil, para exigir a aceitação da denúncia. Durante os protestos, os manifestantes queimaram pneus, que colocaram de molde a impedir a circulação, segundo a agência Lusa.
Protestos para pressionar denúncia contra Temer bloqueiam rodovias. https://t.co/EbESlAaFHo pic.twitter.com/LXEdenNcHP
— Folha de S.Paulo (@folha) August 2, 2017
Última atualização às 13h11