O ano de 2016 estava prestes a terminar quando o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, inaugurava em Lisboa o primeiro centro de inovação e experimentação da Huawei no país. A seu lado, João Vasconcelos — o secretário de Estado da Indústria que se demitiu na sequência do Galpgate –, o Embaixador da China em Portugal, Cai Run e Guo Ping, diretor executivo da Huawei Technologies.
Na mira da operação: pelo menos 100 contratações e uma equipa para investir em ligações 5G, serviços que funcionem na cloud (nuvem), na Internet das Coisas, em realidade virtual e em inteligência artificial. Objetivo: que Portugal começasse a receber mais depressa algumas das futuras inovações tecnológicas. Caldeira Cabral não poupou nas palavras. Do “empenhamento” do gigante chinês em trazer inovação para Portugal, passou para a “grande aposta” do gigante chinês em ajudar a formar cinco mil estudantes universitários em tecnologias de informação nos próximos anos”.
‘Huaweigate’. Vereador do PS e um dos maiores caciques do PSD/Lisboa juntos na China
Sete meses após da inauguração, João Vasconcelos já não está no Governo — demitiu-se na sequência da polémica das viagens pagas pela Galp para assistir a jogos da seleção portuguesa durante o Euro 2016 — e a Huawei está em destaque na imprensa portuguesa por motivos que nada têm a ver com tecnologia.
De acordo com o que foi avançado pelo Observador, um ano antes do Galpgate, a Huawei pagou viagens ao vice-presidente da bancada do PSD, Sérgio Azevedo, ao presidente da junta da Estrela, Luís Newton, e a um vereador do PSD em Oeiras, Ângelo Pereira. Meses antes, foi o presidente da Câmara Municipal de Oeiras, Paulo Vistas, que visitou a China a convite da mesma empresa. E também um vereador do PS em Odivelas e um dos maiores caciques de Lisboa.
Deputado, vereador e presidente de junta do PSD viajam à China pagos pela Huawei
A notícia fez com que o Ministério Público desse início a uma investigação para decidir se há informação suficiente para abrir um inquérito judicial aos políticos. Contactada pelo Observador, a Huawei explicou que, “como líder na área das Tecnologias de Informação e Comunicação, com foco na inovação abrangente a vários sectores, recebe na sua sede, em Centros de Investigação e em eventos da indústria à escala global, delegações de entidades públicas e privadas.”
Enquanto empresa orientada pela inovação, demonstramos, em primeira mão, como potenciar as redes de telecomunicações, assim como outras tecnologias, promovendo uma discussão de pontos de vista em linha com os planos nacionais e locais de desenvolvimento das TIC, num mercado profundamente inovador como é o nosso”, justificou a empresa.
Na inauguração do centro de inovação, o embaixador da China em Portugal explicou que o objetivo era “promover ainda mais o intercâmbio e a comunicação dos dois países [Portugal e China] nas áreas da comunicação”. Em outubro do ano anterior, o primeiro-ministro António Costa tinha visitado a tecnológica durante uma viagem à China, precisamente para tentar convencer o gigante das telecomunicações chinês a escolher Portugal como destino do novo centro de inovação.
António Costa tenta captar para Portugal centro tecnológico da Huawei
NOS e PT parceiras da Huawei. Com música e surf
A vinda para Lisboa não se fez sozinha, mas de mão dada com a Portugal Telecom (PT), parceira da tecnológica para o arranque do centro de inovação. Em outubro, a Huawei já tinha assinado também uma parceria estratégica com a NOS para, em conjunto, desenvolverem redes e tecnologias para infra-estruturas, centros de dados, vídeo e soluções empresariais, de acordo com o Jornal de Negócios.
Não foi a primeira vez que as duas empresas trabalharam juntas. Em 2005, a NOS já tinha escolhido a tecnológica chinesa para desenvolver o projeto-piloto de 3ª geração móvel (3G) em Portugal, na ilha da Madeira. Foi o segundo projeto europeu em que a Huawei esteve envolvida.
A relação entre as equipas e as duas empresas é uma relação de longa data e que tem produzido bons resultados”, explicou na altura o presidente-executivo da NOS, Miguel Almeida.
Em julho de 2017, a NOS tornou-se no primeiro operador de telecomunicações a testar a tecnologia 4.5G – IoT na sua infraestrutura de rede, em Portugal, de acordo com a Bit Magazine. O projeto-piloto em que participa a empresa portuguesa inclui o dispositivo Smart Meter NB-IoT, desenvolvido pela Huawei, pela JANZ CE e pela u-blox, que permite uma ligação à rede sem fios, uma duração de bateria e suporte a mais de 100 mil conexões por célula, segundo explica a publicação especializada.
Em janeiro deste ano, Michael Mao, diretor da área de negócio de consumo da Huawei Portugal, já tinha dito ao Jornal de Negócios que a tecnológica chinesa queria continuar “a desenvolver parcerias-chave a nível local e internacional, tanto nas áreas de consumo como empresarial”, porque tinha “um compromisso com o país”. Foi à mesma publicação que Michael Mao disse que a Huawei queria ultrapassar a Samsung, líder na venda de smartphones em Portugal, nos próximos cinco anos.
Sobre o mercado português, Michael Mao acrescentou que o objetivo passava por “um crescimento sustentado, baseando-nos no nosso consumidor e na continuação das fortes alianças com os nossos parceiros”. “O que podemos destacar é que pretendemos ser o número um no país nos próximos três a cinco anos”, afirmou.
Em julho deste ano, a Huawei inaugurou o novo centro de apoio ao cliente, em Lisboa, onde espera reparar mil telemóveis por mês. Na semana seguinte, abriu um segundo centro de apoio no Porto, na Avenida dos Aliados. O valor do investimento para a abertura destes dois espaços não foi revelado.
Estes centros da tecnológica não marcaram a estreia da empresa chinesa em solo português. Em janeiro de 2016, a Huawei abriu a primeira loja oficial da marca em Portugal, no Centro Comercial Colombo, em Lisboa, que tinha como objetivo atrair novos utilizadores com a venda de smartphones, wearables (tecnologia que se pode vestir, como é o caso dos relógios inteligentes) e outros gadgets. A loja foi aberta através de uma parceria com a The Phone House.
No campo dos patrocínios: futebol, música e surf. No ano passado, a Huawei foi um dos patrocinadores do festival NOS Alive, em Lisboa, para promover o smartphone topo de gama que tinha lançado na altura, o P9. E patrocinou a última etapa da Liga MEO Surf (uma das principais competições de surf do país), em Cascais, a Huawei Cascais Pro. No futebol, aparece como um dos patrocinadores oficiais do clube da Luz, o Benfica.
Em maio deste ano, a Huawei juntou-se ao Turismo de Portugal para criar o projeto “Portugal Sem Tripé” e encontrar a melhor fotografia do país. O vencedor foi revelado esta quarta-feira: foi tirada por Vítor Aguiar, numa visita a Sagres.
O presidente da Câmara Municipal de Oeiras, Paulo Vistas, confirmou ao Observador que fez uma viagem à China, em setembro de 2014, que foi inteiramente paga pela Huawei. O objetivo era que o autarca conseguisse assistir a um congresso sobre smart cities, organizado pela tecnológica e que não se sentia condicionado por ter sido a empresa chinesa a pagar o voo e o hotel. Contudo, admitiu que “Oeiras, enquanto concelho onde estão sediadas as principais empresas de TIC, gostaria de acolher a Huawei no seu território”.
Na resposta enviada ao Observador na última semana de julho, a empresa garantiu que se pautava “pelos códigos de conduta e boas práticas do mercado, valorizando o desenvolvimento das TIC em todos os países onde está estabelecida, dinamizando iniciativas ligadas à educação em linha com as suas orientações de responsabilidade social”.
Terceira maior fabricante de smartphones: 140 milhões
Mas que empresa é esta? É a terceira maior fabricante de smartphones a nível mundial por quota de mercado (representa 10% do mercado global de smartphones). Com produtos e serviços presentes em mais de 170 países e chegando a mais de um terço da população mundial, este gigante da eletrónica chinesa tem 16 centros de Investigação & Desenvolvimento em países como os EUA, Alemanha, Suécia, ReinoUnido, Rússia ou Índia e emprega mais de 10 mil pessoas. Em 2016, a Huawei vendeu perto de 140 milhões de smartphones, quase o dobro dos que tinha vendido dois anos antes.
Com receitas na ordem dos 65,5 mil milhões de euros em 2016 (e lucros que rondam os 4,65 mil milhões de euros), a Huawei dedica-se à produção de smartphones, computadores, tablets, internet de banda larga móvel, wearables (tecnologia que se veste, como é o caso dos relógios inteligentes) e routers (equipamentos que permitem a comunicação entre dispositivos de redes diferentes). Também desenvolve soluções para empresas com serviços de cloud computing (na nuvem), centros de dados, entre outros.