Um ano depois dos incêndios que afetaram a Ilha da Madeira, o Funchal voltou a ser palco de mais uma tragédia. Por volta das 12h00 desta terça-feira — pouco antes de começar a procissão em honra da padroeira da ilha, a Nossa Senhora do Monte — uma árvore de grandes dimensões caiu em cima de um aglomerado de pessoas. 13 pessoas morreram e outras 49 ficaram feridas.

O acidente aconteceu no Largo da Fonte, no centro da freguesia do Monte, durante a festa popular e as celebrações religiosas em honra da padroeira, que duram dois dias (14 e 15 de agosto). É a principal festa cristã e o maior arraial da Madeira, ao qual se deslocam todos os anos milhares de pessoas, entre locais, emigrantes e turistas. Estima-se que uma centena de pessoas se encontrava no local, quando aconteceu o acidente.

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A árvore — que inicialmente se dizia ser um plátano mas que, mais tarde, se veio a descobrir que era um carvalho — caiu precisamente num local onde é tradicional as pessoas comprarem velas para cumprir promessas ou fazer pedidos. Vários vendedores viram o desastre do interior das suas barracas, descrevendo os minutos de pânico como “o fim do mundo”. No momento em que a árvore caiu, a festa estava mesmo a ser transmitida em direto pelo Facebook e o vídeo passou a circular na Internet.

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“Pessoas entre os galhos, de pé, outras completamente esmagadas”. Os testemunhos de quem estava no Largo da Fonte

O Conselho do Governo regional madeirense, reunido em plenário, decretou três dias de luto regional (16, 17 e 18 de agosto), anunciando que “a bandeira da região deve ser colocada a meia haste em todos os serviços públicos regionais e nas entidades do setor público empresarial da Região Autónoma da Madeira”.

Marcelo Rebelo de Sousa voou até à ilha num Falcon da Força Aérea. Partiu de Faro, zona em que está de férias, e chegou ao Funchal pouco depois das 19h para dar “um abraço muito grande, muito amigo, de conforto pessoal e comunitário repetindo o que fizera há um ano, quando, na altura dos grandes fogos, foi “dar um abraço de Portugal à Madeira”.

O Ministério Público decidiu instaurar inquérito — que Marcelo se recusou a comentar — para apurar as responsabilidades.

Estes são os factos. A partir daqui começam as dúvidas e contradições sobre o que sabe e não se sabe da nova tragédia madeirense.

Uma criança entre os mortos e quatro entre os feridos

O número oficial até ao momento é de 13 mortos e 49 feridos. Mas até se chegar ao número certo, muitas dúvidas foram suscitadas ao longo da tarde. O primeiro doente chegou ao hospital às 12h19. Todos os feridos deram entrada até às 13h08, uma hora depois de terem sido acionados os meios para o Largo da Fonte.

Por volta das 16h30, Pedro Ramos, Secretário Regional da Saúde com a tutela da Proteção Civil, apontou dois números: 12 mortos e 50 feridos. Três horas depois, o Governo da Madeira após a reunião extraordinária do Conselho do Governo, anunciou que o número de mortos aumentara para 13. É o que se mantém até ao momento.

Soube-se também que 10 pessoas morreram no local. Outras três ainda foram levadas para o Hospital Dr. Nélio de Mendonça, no Funchal. Um homem e uma mulher morreram nas urgências. Uma criança já chegou cadáver ao hospital, devido à gravidade dos ferimentos.

Estas três vítimas mortais fazem parte do total de 52 pessoas que deram entrada no hospital. São, por isso, 49 os feridos que estão internados. Destes, há 12 pessoas em estado considerado grave: quatro são crianças e oito são adultos. Um dos feridos graves foi levado de imediato para o bloco operatório, às 14h30, com um traumatismo cranioencefálico. Outros dois foram submetidos a uma cirurgia mais tarde.

Duas mulheres estrangeiras entre as vítimas

A divulgação do número de mortes vinha acompanhada de uma informação incerta de que havia estrangeiros entre as vítimas. Não seria de estranhar, já que o Monte é um local turístico, conhecido como “a Sintra madeirense”. Nas primeiras horas após o acidente, não estava confirmado o número de estrangeiros entre as vítimas. A confirmação chegou na quarta-feira, ao início da manhã: entre as vítimas mortais estão duas mulheres estrangeiras, de nacionalidades húngara e francesa.

Entre os feridos que deram entrada no hospital, a confirmação seguinte veio do Hospital Dr. Nélio Mendonça, cujo porta-voz disse que das 52 vítimas que deram entrada, cinco eram de nacionalidade estrangeira, estando quatro em estado grave.

Afinal, era um carvalho

Foi a maior confusão do dia: de que árvores estávamos mesmo a falar. As informações iniciais davam conta de que a árvore era um plátano “de grande porte” e com cerca de 200 anos. Mas nas primeiras declarações que fez à comunicação social depois do acidente, o presidente da Câmara do Funchal, Paulo Cafôfo, desfez o equívoco: tratava-se afinal de um carvalho, que teria cerca de 200 anos e que caiu pela raiz.

Segundo o autarca, a árvore em questão “tinha a copa verde e saudável, não apresentando qualquer anomalia”. Paulo Cafôfo garantiu ainda que nunca tinha dado entrada nos serviços camarários qualquer queixa com vista limpeza daquela árvore ou abate.

Mas a junta de freguesia do Monte garante que sim. Em que ficamos?

Junta de freguesia e moradores já tinham alertado — para os plátanos

As informações são contraditórias. Mas podem estar ambos certos e a referir-se a coisas diferentes, pelo menos é o que diz o presidente da câmara Paulo Cafôfo. É que a junta de freguesia tem insistido para a câmara resolver o problema dos plátanos no Largo da Fonte que, segundo a presidente, não são desbastados “há muito tempo” — é o que consta de um ofício de julho deste ano, e o mesmo já tinha sido reiterado em janeiro de 2014 e em março do ano passado. Mas a autarquia do Funchal insiste que o historial problemático dos plátanos nada tem a ver com o carvalho que estava “aparentemente saudável”. Confuso?

No ofício mais recente, datado de 5 de julho, a presidente da junta, Maria Idalina Fernandes da Silva, manifestava preocupação com os “munícipes e com o elevado número de turistas que diariamente nos visitam” e com isso pedia “uma vez mais (…) o corte/poda, dos plátanos existentes, desde o Largo da Fonte até ao Largo das Babosas”. Nesse documento, a autarca lembra que já tinha referido este assunto a 31 de janeiro de 2014 e a 17 de março de 2016. Era aí que a autarca partilhava também a preocupação com o facto de em agosto se iniciarem as festas de Nossa Senhora do Monte, “período no qual se concentram centenas de pessoas, na área em referência”.

“Referente ao assunto em epigrafe, informo V. Exa. que os plátanos no Largo da Fonte, caso se justifique, irão ser intervencionados oportunamente” — foi a resposta da Câmara, que chegou à junta a 31 de julho deste ano. Mais tarde, Paulo Cafôfo viria a dizer que não tem faltado fiscalização, peritagem e equipas de limpeza no local.

Festas de Nossa Senhora do Monte: junta de freguesia já tinha alertado para o perigo

Mas as queixas já vêm de trás, segundo um morador do largo da Fonte. “Houve uma comunicação à vereação anterior [de Miguel Albuquerque], à atual [de Paulo Cafôfo] e notificação judicial”, disse António Mendonça. “Foram notificados para virem proceder ao corte desta árvore e da outra que estava atrás. Nada fizeram enquanto estiveram no pelouro”, acusou este morador, sublinhando que os avisos já eram feitos “há 14 anos” e que este ano ele próprio já tinha insistido por duas vezes. Segundo António Mendonça, as respostas da autarquia do Funchal não foram satisfatórias. No tempo de Miguel Albuquerque, autarca entre 1994 e 2013, a resposta terá sido que “é natural que caiam coisas das árvores”. Já durante o mandato de Paulo Cafôfo, que foi eleito em 2013, foi-lhe dito que “as árvores estavam de boa saúde”.

Os argumentos da câmara. Carvalho não estava amarrado e aparentava ser saudável

O que diz o presidente da câmara agora é que é preciso fazer a distinção entre uma coisa e outra. Isto é: que a queda do carvalho no Largo da Fonte “não teve nada a ver com as queixas dos plátanos”. Eis os argumentos de Paulo Cafôfo, que não apareceu na primeira conferência de imprensa ao lado do presidente do Governo Regional, Miguel Albuquerque, e do responsável pela Proteção Civil, mas que viria depois a falar três vezes à comunicação social durante a noite desta terça-feira:

  1. A árvore não estava sinalizada. “O carvalho nunca esteve sinalizado como estando em perigo de queda e nunca deu entrada qualquer queixa com vista à sua limpeza ou abate”. A “copa era verde e aparentava ser saudável”, disse ainda.
  2. O carvalho não estava no largo da Fonte, mas sim numa encosta sobranceira. Encontrava-se, pois, em terreno privado, pertencente à paróquia da Nossa Senhora do Monte.
  3. Nos últimos anos a Câmara procedeu à limpeza de todos os plátanos que existem naquela zona: “Em fevereiro de 2016 levamos a cabo uma grande intervenção de limpeza nos plátanos daquele largo e este ano, em março, voltamos a fazer uma extensa operação de limpeza de galhos de árvores. Desde 2014 a autarquia procedeu ao abate de 11 árvores na freguesia do Monte que apresentavam problemas estruturais”, disse.
  4. O “carvalho não estava amarrado por cabos”, como testemunhas descreveram. O presidente da câmara explicou que a árvore que estava amarrada com cabos de aço era, sim, um plátano que, em 2007, abriu uma fissura. “Para evitar que fosse abatida, foi amarrada a outras árvores, mas não ao carvalho que caiu esta tarde”, garantiu.

Que outros acidentes já houve com estas árvores? “Qualquer dia há uma desgraça”

Há cinco meses já tinha havido uma situação semelhante naquela zona, mas sem vítimas mortais ou feridos. A 13 de março deste ano, dia em que se registaram ventos fortes na Madeira, caiu naquele largo um galho de grande porte, que teria 12 metros de comprimento e 30 centímetros de diâmetro. Na altura, a ocorrência foi noticiada no jornal online Funchal Notícias: “Galho de grande porte cai no Largo da Fonte e população diz que um dia destes há uma desgraça”.

“Há uns trinta anos caiu uma árvore no Café do Parque e há cerca de 14 caiu um galho grande que destruiu parte da varanda. Em agosto passado, caiu outro galho dentro de casa e o cúmulo dos cúmulos é que há aqui uma árvore, que estava na iminência de cair, mas que foi presa por dois cabos de aço, que correm o risco de rebentar e, então sim, se isso acontecer, poderá resultar numa tragédia se apanhar alguém”, dizia novamente o único morador daquele largo, António Mendonça, que insistiu nas queixas.

E agora? O que falta saber?

O passo seguinte são os esclarecimentos. Segundo anunciou a autarquia, uma empresa especializada fará a peritagem para esclarecer o que originou a queda desta árvore a partir já desta quarta-feira, em parceria com o Instituto Superior de Agronomia. Entretanto, o Ministério Público instaurou um inquérito para averiguar as causas e as responsabilidades, algo a que está automaticamente obrigado, visto tratar-se de um acidente com vítimas mortais.

Até agora, contudo, ninguém assume responsabilidades. O Presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque, do PSD, atirou parte das culpas para a autarquia, liderada por Paulo Cafôfo, eleito numa coligação apoiada pelo PS. “Eu, como presidente do governo, assumo as minhas responsabilidades. Quem tem outras de jurisdição, tem as suas [responsabilidade]”, disse, acrescentando que “neste momento temos de nos concentrar em apoiar os familiares das vítimas”.

O mesmo disse o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa: “É tempo de dor e de olhar pelos que ficaram”, disse. Chegará depois o momento das responsabilidades. “O Presidente da República está a traduzir a solidariedade clara, total e incondicional dos portugueses. Essa questão tem o seu momento e tem as entidades competentes para o efeito. Este ainda não é o momento. Agora estão a ser atendidos os feridos e a ser consoladas as famílias do que nos deixaram”, afirmou, quando questionado sobre a abertura do inquérito pelo Ministério Público.