Um documento altamente sensível da Administração Interna do Reino Unido mostra como as regras para admissão de novos imigrantes irão mudar depois no pós-Brexit: ficam mais duras e introduzem mudanças que deverão tornar bastante mais difícil a permanência de todos os imigrantes que não sejam altamente qualificados.

As 82 páginas vistas pelo diário britânico The Guardian, todas marcadas com letras maiúsculas na diagonal como altamente sensíveis, são uma primeira janela sobre a política de imigração que o país deverá adotar depois de 29 de março de 2019 e reposiciona no centro os trabalhadores britânicos. “De forma muito direta, isto significa que a imigração tem que ser um lucro para o país todo, beneficiando quem chega, mas também melhorando o nível de vida das pessoas que já são residentes”, lê-se no documento.

Entre as propostas agora desenhadas pelo governo de Theresa May, está uma que prevê que a residência seja oferecida apenas por um máximo de dois anos aos imigrantes sem qualificações específicas. Os que consigam provar ter mais qualificações — ainda não se conhece uma lista das profissões ou competências que terão prioridade — podem ficar no país por mais tempo: entre três e cinco anos.

Como se chegasse de um país americano ou asiático, cada europeu terá que mostrar o passaporte para entrar no Reino Unido e o documento também prevê uma espécie de “residência temporária” que permita aos europeus ficar apenas alguns meses, lê-se no jornal.

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As reações não se fizeram esperar. Do lado dos trabalhistas — atualmente na oposição — falou Yvette Cooper que disse que iria pedir satisfações aos vários ministros uma vez que o governo não esperou para ouvir as conclusões dos organismos que criou para avaliar o impacto das medidas na área da imigração. “Este documento parece contrariar a decisão da Administração Interna, tomada há pouco mais de um mês, de pedir ao Comité de Monitorização das Migrações toda a informação essencial à reformulação das leis de imigração”, disse Cooper.

Imediata foi, também, a resposta de Elmar Brok, uma eurodeputada alemã envolvida no grupo de negociações do Brexit, dizendo que este documento irá aprofundar o sentimento de desconfiança entre os parceiros europeus e o Reino Unido. “A linguagem áspera, a imposição de uma data limite em março de 2019 e o estabelecimento de limites de tempo à permanência de trabalhadores qualificados e menos qualificados demonstra que há falta de sensibilidade a tratar desde assunto e, no fundo, estamos a falar dos direitos dos cidadãos”, disse a deputada europeia.

Já o deputado conservador Charlie Elphicke disse que o voto para sair da União Europeia representou “uma instrução clara por parte do povo britânico para retomar o controlo das suas fronteiras e por um ponto final ao descontrolo da imigração que chega da União Europeia”. Elphicke fez campanha pela permanência mas faz parte, agora, de um grupo de conservadores que pedem um “Brexit total”. Segundo o deputado, os eleitores querem uma “abordagem robusta” e “têm medo que os emigrantes com menos qualificações estejam a fazer diminuir os seus salários”.

O The Guardian faz, ainda, uma lista com mais algumas das medidas do documento:

• Restringir a imigração dentro da União Europeia através de “dar preferência, dentro do mercado, aos trabalhadores residentes. O governo pode ainda limitar o acesso de cidadãos europeus ao mercado de trabalho, reduzir as oportunidades para que se estabeleçam no Reino Unido a tempo inteiro e limitar o número de cidadãos que podem entrar no país para realizar trabalho menos qualificado.

• Acabar com as leis que preveem que os familiares, mesmo distantes, de cidadãos da União Europeia possam residir no Reino Unido. “Propomos que estas regras se apliquem apenas a familiares diretos”, lê-se no documento.

• Se um cidadão europeu quiser trazer o marido ou a mulher para o Reino Unido deverá ter que ganhar um mínimo de 18,600 libras por ano, ou cerca de 20,600 euros.

• Ao entrar no país, os cidadãos europeus poderão permanecer, sem qualquer licença, entre três e seis meses. Depois disso terá que pedir “residência biométrica”, que poderá incluir o registo por impressão digital.

• O livre movimento de pessoas já não será a norma. A permissão de residência já não é garantida aos que chegam para procurar trabalho. Será preciso ter algum dinheiro “de lado” para permanecer no Reino Unido sem trabalho, ou seja, provar que se é “autosuficiente”.

“É, para nós, claro que as empresas do Reino Unido, sempre que possível, devem olhar para os trabalhadores residentes para colmatar as suas necessidades de mão-de-obra. É mais importante que nunca reter internamente as competências necessárias à construção de uma economia forte e competitiva”, resume o documento.

As propostas visam cortar o fluxo anual de emigração da União Europeia — fixada numa média de 250 mil pessoas por ano — para um número “sustentável”, aliás uma antiga processa dos conservadores já do tempo de David Cameron. Esse número está algures entre as dezenas de milhares mas alguns analistas dizem que, com esses números, algumas indústrias britânicas não conseguiriam funcionar por falta de mão-de-obra.

Editado às 8h35 para clarificar o sentido do título. O plano não prevê a detenção de imigrantes.