Quarta-feira, dia 6 de setembro. Já passava das 11 da noite em Madrid e a festa de lançamento do novo perfume da Kenzo, no Teatro Real, revelou-se, de repente, o objeto de estudo perfeito para perceber a atual energia da casa parisiense. Bloggers, instagramers, youtubers, jornalistas, modelos e artistas, tudo numa mescla. A esquizofrenia de estilos nunca soou tão bem. Os vestidos dignos de passadeira vermelha apareceram em pé de igualdade com os bombers e os ténis futuristas. A banda sonora foi por caminhos inesperados. Tão depressa os convidados eram chamados à pista para dançar ao som de Beyoncé, como eram desafiados a requebrar ao ritmo do funk carioca. Afinal, esta é a obra de Carol Lim e Humberto Leon, diretores criativos da Kenzo.
Há um ano, a marca apresentava Kenzo World ao mercado francês. A união de recursos criativos em torno de um perfume nunca foi tão visível, da curta-metragem assinada por Spike Jonze ao frasco figurativo, dos que dificilmente vamos deitar fora depois de vazio. Mas é o trabalho conjunto entre a direção criativa da maison e a perfumaria que pôs o mundo a olhar para este olho de maneira diferente. “Quebrámos as regras da publicidade com o filme do Spike Jonze e é assim que trabalhamos também na moda. Quando usamos uma peça Kenzo, estamos a quebrar regras. Em vez de fazermos alta-costura, estamos a fazer sweatshirts e sweatshirts diferentes de todas as outras. Fugir às convenções faz parte do nosso espírito”, afirma Patricia Tranvouez, diretora-geral da Kenzo Parfums, em entrevista ao Observador.
A indústria faz questão de separar as águas. É frequente encontrar perfumes inspirados nas heranças das respetivas maisons, mas nunca um designer de moda a infiltrar-se no processo criativo que uma nova fragrância envolve. Também há um ano, Loewe 001 marcou a mesma posição. Os perfumes unissexo tinham o dedo de Jonathan Anderson, o génio criativo que assume a direção criativa da marca espanhola, uma reunificação que traz à memória os tempos em que roupa e cosmética pisavam a passerelle juntos, em meados do século passado.
A verdade é que os perfumes são o lado mais acessível das grandes casas, o que para Patricia Tranvouez é só mais um motivo para garantir que a essência da marca atravessa todos os seus produtos, do frasco de 60€ à mala de 750€. “As duas coisas já estão muito próximas e nós somos uma das marcas onde isso é mais claro. Quando olha para a roupa e para os acessórios e depois para um perfume, o cliente vê a mesma marca. É o Ocidente a cruzar-se com o Oriente, com alegria, espontaneidade e um espírito livre”, conclui.
Tudo começou com Patricia a pegar no telefone e a ligar para Carol e Humberto e a desafiá-los a trocar a lógica com que pensam numa coleção de prêt-à-porter por um projeto artístico multissensorial. Desafio aceite. “Era o que eu queria desde o dia em que cheguei à Kenzo. Temos muita sorte em ter estes criadores incrivelmente talentosos, que exploraram várias formas da Kenzo se reinventar enquanto marca”, continua a diretora-geral. Desde a chegada da dupla, em 2011, que a Kenzo nunca mais foi a mesma. A marca fundada em 1970 por Kenzo Takada aproximou-se do streetwear ocidental, rejuvenesceu, manteve a veia nipónica intocada e tornou-se o amor de perdição de uma nova geração de consumidores. O eco da coleção outono-inverno de 2013 dura até hoje. Foi quando o olho surgiu pela primeira vez na linguagem Kenzo. Estampado ou bordado, continua a ser um ícone da marca, ícone esse que o designer Patrick Li levou à letra na hora de desenhar o frasco. Uma das muitas escolhas feitas por Carol e Humberto.
A dupla de criativos voltou a ser decisiva na hora de escolher o realizador. Numa coisa todos estavam de acordo: tinha de ser um estreante no que toca a anúncios de perfumes, como sabemos uma área por onde já passaram grandes nomes do cinema. “Procurávamos um realizador que fosse um pouco louco, capaz de pensar numa verdadeiro obra-prima. Tivemos sorte porque estava ali o Spike Jonze, incrivelmente criativo, sem nunca ter feito nenhum anúncio de perfumes e um dos melhores amigos do Humberto”, conta Patricia. Um realizador dividido entre filmes — Being John Malkovich e Her são dois deles — e videoclips, área em que trabalhou com nomes como Beastie Boys, Björk, Daft Punk, Fatboy Slim e Kanye West. Uma combinação perfeita e percetível quando olhamos para O Meu Cérebro Mutante.
Na curta-metragem, a protagonista é Margaret Qualley. A atriz e ex-dançarina começa por abandonar um cenário opressor em troca da total liberdade de expressão e movimento. Uma coreografia frenética de Ryan Heffington acompanha pelo tema de Sam Spiegel & Ape Drums que, obviamente, não faltou na banda sonora da festa de quarta-feira. “Queremos atrizes e não top models. Para personalizar este equilíbrio entre força e sensibilidade, escolhemos sempre mulheres fortes, mas com um rosto delicado e a Margaret personifica a mulher Kenzo de uma forma perfeita. É uma beleza espontânea, acessível, sem arrogância, com simplicidade, exatamente o que queremos expressar em Kenzo World”, afirma Patricia.
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Não menos vibrante é a própria fragrância, assinada por Francis Kurkdijan, o mesmo perfumista que compôs as fórmulas de dois perfumes da série Eau de Fleur, também da Kenzo. Kenzo World é uma overdose de flores, no final, mais quente do que a primeira impressão dá a entender. Sobressaem as peónias e o jasmim egípcio, com a sua faceta mais adocicada. O ambroxan é o ingrediente quente e corpulento desta equação, tornando o perfume mais intenso após alguns segundos. Também aqui, o trabalho passou pelos narizes de Carol e Humberto. “Graças a eles, a marca tem uma maior exposição e reconhecimento e isso fez com que fosse possível lançar um novo perfume com a colaboração da Carol e do Humberto. Tudo o que vemos está aqui por causa deles e não por nossa causa”, afirma o perfumista, em entrevista ao Observador.
Kenzo World Eau de Parfum chegou a Portugal no início de setembro. O lançamento está a ser faseado e depois de França em 2016 e do resto do mundo em 2017, só fica mesmo a faltar o mercado chinês, onde a fragrância só deverá ser vendida no próximo ano. Para 2018 está também previsto o lançamento do eau de toilette. A receita está feita, mantém o bouquet de flores, e para elaborá-la, Kurkdijan deixou-se inspirar pelo trabalho de Spike Jonze. “Quando fizemos o eau de toilette já existia o filme, por isso acabou por ser mesmo uma inspiração. Já conhecíamos a história e concentrámo-nos naquele momento em que ela vem cá para fora e está alegre, luminosa, a sorrir e a expressar os seus verdadeiros sentimentos.”
O Observador viajou para Madrid a convite da Kenzo.