Três anos depois da primeira resolução bancária com as novas regras europeias e três comissões parlamentares de inquérito aos acidentes da banca, partidos e Governo colocam em discussão propostas para alterar a supervisão financeira. As propostas para a reforma do setor bancário, coordenadas por Carlos Tavares, e os seis projetos apresentados pelo PSD no Parlamento, têm dois focos comuns: A banca é o seu supervisor direto, o Banco de Portugal. E se em alguns aspetos até vão no mesmo sentido — a necessidade de tirar lições de um passado recente que não correu bem e uma maior autonomia da resolução bancária — há divergências no que toca ao papel que o Governo deve desempenhar nos processos de resolução de bancos.
O primeiro sinal foi dado esta terça-feira pelo líder do PSD. A partir da campanha para as autárquicas, Pedro Passos Coelho sublinhou que se o objetivo é “reforçar a independência dos supervisores depois não podemos fazer um Conselho de Supervisores onde está o Governo”, porque isso representa “uma perversão, um passo atrás, um desacerto em relação ao que se passa na União Europeia, onde o caminho que se faz é o inverso, criar mecanismos de supervisão independentes do Governo”.
A crítica foi retomada por Maria Luís Albuquerque no debate parlamentar em que a ex-ministra das Finanças defendeu os seis projetos apresentados pelo PSD para um aperfeiçoamento do quadro legal da supervisão da banca. Na véspera, o seu sucessor, Mário Centeno, deu o palco ao relatório para a reforma dos supervisores financeiros que encomendou à equipa liderada por Carlos Tavares. É neste documento, colocado em consulta pública e cujas linhas gerais foram elogiadas pelo ministro das Finanças, que surge a proposta de criação do Conselho Superior de Política Financeira.
Esta entidade, liderada pelo ministro das Finanças e onde estariam os supervisores financeiros, teria de se pronunciar obrigatoriamente sobre matérias que vão desde a adoção de uma medida de resolução a um banco, atualmente da competência exclusiva do Banco de Portugal ou do supervisor europeu, até a processos de reestruturação de bancos relevantes no sistema, passando pela realização de avaliações de bancos alvo de resolução, designação de administradores e mecanismos de financiamento de resoluções. O órgão seria complementar ao novo Conselho de Supervisão e Estabilidade Financeira, a quem seria atribuída a competência efetiva de resolução bancária, atualmente dentro do Banco de Portugal. Não é contudo claro como é que estas duas novas entidades se devem articular na aplicação de medidas de resolução.
Para a deputada do PSD, o que é “proposto vem ao arrepio do que é tendência europeia” e terá grandes dificuldades a nível da execução dado que se trata de “uma entrada do Governo nos poderes de resolução” quando os governo nacionais não têm assento nos órgão europeus de de resolução. Para além de suscitar a questão de independência face ao poder político, Maria Luís Albuquerque conclui que “não faz sentido criar um um novo supervisor para mandar no supervisor.”
O deputado socialista João Galamba recusa a tese da governamentalização. “Não há interferência do Governo na política de resolução, esta fica limitada ao conselho de supervisão financeira, uma instituição análogo ao que já existe”. Apesar desta ressalva, o deputado defende que se não devem tornar totalmente independentes as questões de política económica do governo da supervisão macroprudencial. Isto porque há decisões tomadas para defender da solidez do setor bancário que podem entrar em choque com políticas económicas e financeiras do Governo. Esta coordenação seria também feita pelo novo órgão.
Por outro lado, sublinha o deputado do PS, “a separação faria sentido se o Fundo de Resolução estivesse capitalizado pelos bancos e não precisasse de fundos públicos”. Uma referência ao facto do dinheiro dos contribuintes ter sido chamado a financiar as duas resoluções feitas em Portugal, um empréstimo no caso do BES/Novo Banco, e um financiamento a fundo perdido no caso do Banif.
À margem do debate, Galamba refere que a crítica da governamentalização pode ser devolvida ao PSD porque um dos projetos apresentados, onde se defende a segregação funcional e operacional da autoridade de resolução dentro do Banco de Portugal, prevê que um dos membros deste órgão — o Conselho de Resolução do Banco de Portugal — seja nomeado pelo Ministério das Finanças.
PSD quer divulgar reuniões e prendas a administradores. “Vão propor o mesmo para os deputados?”
Governamentalização à parte, o debate aqueceu mais quando Paulo Trigo Pereira atacou as propostas do PSD em matéria de incompatibilidades e transparência para os administradores e dirigentes do Banco de Portugal, expondo o que qualificou de radicalismo e populismo. Em causa está a exigência de que a entidade divulgue no site as declarações de rendimentos e património dos seus administradores, a lista de ofertas e vantagens patrimoniais ou outras que aceitem no exercício do cargo e um registo de encontros e reuniões, que no exercício das suas funções, tenham com entidades externas ao banco.
Para além de destacar as “diferenças abissais” entre o que o PSD defende para os deputados e para os gestores do Banco de Portugal — Gostava de saber se o PSD vai propor as mesmas regras na comissão para o reforço de transparência no exercício de cargos públicos? — Paulo Trigo Pereira alerta para outras consequências desta transparência. “Querem que a sociedade portuguesa saiba quantas vezes o banco xis, que pode estar com problemas”, se reuniu com o Banco de Portugal. É popular, mas é populista”.
O CDS marcou a distância em relação aos projetos social-democratas, com Cecília Meireles a assinalar que “reduzir a discussão à arquitetura dos órgãos é empobrecer a discussão”. O CDS, lembra, defende mudanças mais substanciais. Mariana Mortágua, pelo Bloco de Esquerda, desafiou o PSD a assumir a autocrítica por ter sido o responsável pela legislação que criou o conflito de interesses, colocando a resolução no Banco de Portugal e que agora quer mudar. Maria Luís Albuquerque contrapôs que os problemas da banca portuguesa resultaram do modelo de supervisão anterior ao ajustamento e, em resposta ao deputado do PCP, Paulo Sá, lembrou que o banco público também teve problemas, “também foram cometidos erros e a supervisão não viu coisas que devia ter visto”.
As propostas sociais-democratas introduzem algumas alterações no quadro legal em aspetos muito específicos, como a separação da resolução bancária e o reforço de competências, maiores exigências de transparência e prevenção de conflitos de interesses para administradores do Banco de Portugal, num esforço de aperfeiçoamento do atual enquadramento. Já as propostas do grupo de trabalho liderado por Carlos Tavares são mais ambiciosas e envolvem uma mudança na arquitetura do supervisão financeira em Portugal, ainda que não uma rutura, considerou o ministro das Finanças.
Banco de Portugal. Gestores selecionados por concurso, governador nomeado pelo Presidente
Os seis projetos do PSD, cinco alterações legislativas e uma recomendação para a conclusão da união bancária, não têm ainda votação marcada. Também as ideias para a reforma do sistema de supervisão, encomendadas pelo Governo, não foram transformadas em proposta legislativa, aguardando-se o resultado da consulta pública.