A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) fez as contas à aplicação nos primeiros dez anos do diploma que fixou as compensações a pagar às centrais da EDP para venderem a energia em regime de mercado. E concluiu que a lei criada em 2004 e aplicada a partir de 2007 se traduziu num acréscimo de custos de 510 milhões para os consumidores que foram pagos à maior elétrica portuguesa.

Em causa está a aplicação do decreto-lei que aprovou os custos de manutenção do equilíbrio contratual (CMEC), uma sigla que passou a ser usada como sinónimo de “rendas excessivas” da eletricidade, na expressão que foi popularizada pelos credores internacionais que faziam parte da troika durante o programa de assistência a Portugal

A “avaliação crítica” da aplicação deste regime dos CMEC, feita pela ERSE, concluiu que a introdução deste regime “possibilitou a passagem para um quadro menos exigente para os detentores de centros eletroprodutores do que o regime dos CAE (contratos de aquisição de energia) com um acréscimo de custo acumulado que se estima em cerca de 510 milhões de euros“. O que é um acréscimo de custo em relação ao regime anterior para os consumidores representa um ganho adicional para a EDP, a única elétrica que passou as suas centrais para os CMEC.

O valor dos ganhos (ou custos, consoante a perspetiva) passados foi divulgado esta sexta-feira pela ERSE no mesmo comunicado em que o regulador revela o resultado do acerto final de contas dos CMEC que vai ter de ser suportado pelos consumidores de eletricidade nos próximos dez anos. Apesar de as contas aplicarem o que está previsto no decreto-lei, incluindo os aspetos que suscitaram e suscitam reservas da ERSE, o cálculo final é muito inferior ao pago nos primeiros dez anos de vigência deste regime. E pode ainda ser menor ou até passar a ser um crédito dos consumidores da EDP.

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Mas se a conta futura ainda não está fechada, o resultado tem de ser homologado pelo Governo e pode mudar se forem adotados cenários propostos pela ERSE para baixar a fatura, as contas do passado estão feitas. Nos últimos dez anos, tal como o Observador revelou, o valor pago pelos consumidores em compensações ascendeu a cerca de 2,5 mil milhões de euros. Um valor médio de 250 milhões de euros por ano.

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Mas se o pagamento total feito ao abrigo do regime dos CMEC, e suportado pelas tarifas de eletricidade, era conhecido, a ERSE vem agora apresentar uma outra conta. Quanto teria sido poupado se o decreto lei dos CMEC tivesse ponderado a avaliação crítica que o regulador da energia fez do projeto de diploma logo em 2004 e que foi, no essencial, ignorada pelo legislador. Esta conclusão consta aliás da investigação judicial a estes contratos e pela qual já foram constituídos vários arguidos, incluindo antigos e atuais gestores da EDP e REN.

Entre os aspetos assinalados logo pela ERSE, e que foram considerados para chegar aos 510 milhões de euros, destaca-se o diferencial de taxas de juro para o desconto dos cash-flows, que determina o valor destes contratos num determinado momento, e a taxa de capitalização para efeitos dos pagamentos à elétrica ao longo de todo o período. Este diferencial, denunciado em 2004 pelo regulador, permitiu à empresa uma arbitragem financeira que terá representado uma vantagem da ordem dos 125 milhões de euros nos últimos dez anos.

O cálculo alternativo dos CMEC, que aponta para os tais custos adicionais de 510 milhões de euros, resulta ainda de um maior rigor no cálculo do coeficiente da disponibilidade das centrais elétricas. Com a passagem para este regime, foi afrouxado o critério de verificação da disponibilidade das centrais que é remunerada pelo mercado dos serviços de sistema. O operador da rede tem aceitado a manifestação de disponibilidade apresentada pelas centrais sem a verificarem, traduzindo-se em receitas adicionais, para além das previstas no contrato.

O regime dos CMEC (custos de manutenção do equilíbrio contratual) teve como objetivo libertar as centrais da EDP dos contratos de venda de energia de longo prazo, os CAE, de forma a permitir que a venda fosse feita em mercado. Este era um passo fundamental na construção do mercado liberalizado e do Mibel (mercado ibérico de eletricidade). Para abdicar de contratos que lhe davam uma remuneração garantida, a EDP passou a receber uma compensação, sempre que a receita obtida em mercado fosse inferior à prevista nos contratos originais. Essa diferença tem sido suportada pelas tarifas de eletricidade pagas pelos consumidores, um regime que só terminará quando acabar o ultimo CMEC, em 2027.

O diploma que criou os CMEC começou por ser preparado no Governo liderado por Durão Barroso, com Carlos Tavares na tutela da energia, à qual terá sido entregue o parceiro inicial da ERSE, que data de maio de 2004, e que foi noticiado pelo Observador. A decisão final sobre a legislação foi tomada por outro ministro — Álvaro Barreto — e outro primeiro-ministro — Santana Lopes no final de 2004, quando a EDP ainda era liderada por João Talone. A aplicação do diploma foi feita em 2007 com Manuel Pinho na energia, Sócrates no comando do Governo e António Mexia na liderança da EDP.

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