O investigador Manuel Carvalho da Silva considera que “não é possível reduzir impostos” e que é preciso “acabar com esta reivindicação” porque, quando se baixam impostos, “em regra, está-se a ir ao bolso por outro lado”.

Em entrevista à Lusa em antecipação do Orçamento do Estado para 2018 (OE2018), que será apresentado pelo Governo na Assembleia da República em 13 de outubro, o coordenador do Centro de Estudos Sociais (CES), da Universidade de Coimbra, afirmou que “é bom não se criar a ideia nos portugueses de que é possível reduzir impostos” porque, “do ponto de vista de volume geral, não é possível reduzir impostos – antes pelo contrário”.

Para Manuel Carvalho da Silva, é preciso “acabar com essa reivindicação que normalmente a direita apresenta: ‘reduzir impostos'” até porque, “se as pessoas virem os seus impostos reduzidos, em regra, estão a ir-lhe ao bolso por outro lado qualquer ou então a diminuir as suas condições de vida”.

O argumento é que os serviços públicos de saúde e de educação, por exemplo, “têm mais capacidades para propiciar melhores serviços” às pessoas e, portanto, “rendimentos indiretos muito importantes” para os orçamentos familiares que também devem ser tidos em conta.

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O antigo secretário-geral da CGTP entende que “a questão não está colocada em relação ao [nível] global das receitas”, porque o país precisa de ter receitas e deve “consciencializar os portugueses de que todos têm de pagar impostos”.

Sublinhando que há “uma ideia que em Portugal tem tido muita persistência e que depois se transforma em promessas em tempos eleitorais”, que é a de que “‘vamos descer os impostos'”, Carvalho da Silva adverte que “isso gerou na sociedade portuguesa uma inculcação da ideia de que paga muitos impostos do ponto de vista global e isso não é assim”.

Por isso, defende que “é preciso um discurso novo” e pensar que, “se se tiver um sistema de saúde melhor, levam-se rendimentos indiretos às pessoas que contam para o seu orçamento”.

Carvalho da Silva considera que a atuação do Governo deve ser no sentido de garantir que “toda a riqueza produzida seja taxada em bases de equilíbrio, de coerência e de justiça”, ou seja, de forma a que “cada indivíduo contribua para o Orçamento do Estado, pague impostos de acordo com a riqueza que obtenha ao longo do ano independentemente da fonte”.

“Por que é que um euro ganho pelo trabalho obrigatoriamente e muito bem paga imposto e um euro ganho por outras vias não paga ou paga muito menos? Isto não pode ser. Se um individuo obtém riqueza por meios – tem direito a eles – que não são os do trabalho, por que é que essas áreas estão fora de determinada taxação?”, lançou.

O investigador reiterou que “provavelmente a cada ano que passa é preciso que as receitas sejam sempre maiores”, sublinhando que “a questão é saber como é que se distribui a carga fiscal e que formas é que se utilizam, se são justas ou não são justas”.

Para Carvalho da Silva, “o IRC [Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas] é um espaço da fiscalidade em que o futuro apresenta muito mais exigências do que o IRS [Imposto sobre o Rendimento das pessoas Singulares]” e lamenta que “se fale pouco disso”.

O exemplo dado foi o dos “mecanismos de movimentação” que hoje em dia as empresas têm e que “lhes permitem fugir a encargos fiscais inerentes ao IRC”.

O ex-líder da CGTP disse ter “curiosidade em relação ao OE” para ver “se há coragem para algumas destas abordagens ou se se continua apenas a, aqui e ali, adotar medidas pontuais que depois vão acumulando contradições”.

É o caso de “grande parte dos benefícios fiscais feitos em nome da proteção aos mais desprotegidos que depois não funcionam como tal”, logo à partida porque estas pessoas “nem sequer têm acesso ao conhecimento das suas vantagens para poder usufruir delas”.

Além disso, Carvalho da Silva entende que é preciso saber “se os benefícios fiscais que têm sido dados às empresas têm atingido os resultados para que foram propostos”, até porque “praticamente não existem estudos sobre os impactos”.

O descongelamento das progressões na função pública é “premente” e “deve ser feito o mais rapidamente possível”, defende também Manuel Carvalho da Silva, para quem os sindicatos “têm tido uma grande paciência” com este assunto.

“[O descongelamento das progressões] deve ser feito o mais rapidamente possível. Não me meto na discussão porque não sou ator direto, compete ao Governo e aos sindicatos (…), mas a coisa começa a ser premente” e “os sindicatos têm tido uma grande paciência”, afirma o antigo líder da CGTP.

Segundo diz, “o Governo não pode passar dois anos a empurrar com a barriga problemas que se situam na área das relações laborais e das políticas de emprego”. O Governo já garantiu que o descongelamento irá ocorrer a partir de 2018, com a entrada em vigor do OE, mas falta saber durante quanto tempo será aplicada a medida, que está a ser discutida com os sindicatos da administração pública e com os parceiros políticos.

O antigo líder da CGTP defende ainda que “tem de haver” margem para aumentos salariais no próximo ano, além do descongelamento das progressões.

Questionado sobre um eventual aumento da contestação social, na atual conjuntura, Carvalho da Silva diz que, “se o Governo for influenciado pela velha imagem que às vezes os governos adotam de fazerem as segundas partes dos mandatos empurrando tudo o que são problemas para a frente (…), é inevitável que a conflitualidade e também a contradição entre as forças que suportam o Governo aumentem”.

“Se associarmos a isso as tensões políticas resultantes da disputa de espaços, que na noite das eleições foi muito visível, é natural que se possa prever que haja um aumento de expressão na rua e na sociedade desses problemas que estão associados à tal conjugação entre o que é conjuntural e o que é estratégico”, afirma o ex-líder da intersindical.