Ezequiel Schelotto, o lateral que aprendeu mais em oito meses com Jesus do que em oito anos de futebol italiano (dito pelo próprio quando ainda estava em Portugal), deu esta quarta-feira uma entrevista ao TuttoSport e desfez-se em elogios ao seu antigo treinador do Sporting. Provavelmente, foi o jogador que melhor conseguiu descrever o que representa este timoneiro que tanta curiosidade costuma levantar lá fora e que, por mais do que uma vez, recusou trabalhar em Itália (e em clubes como o AC Milan, esse colosso adormecido que este ano gastou 200 milhões mas continua a não sair da cepa torta), esse raro país onde a tática ainda impera em relação à técnica.

“Ele só comunica a equipa no último instante porque quer que todos se preparem mentalmente para poderem jogar. É um maníaco da tática e também quer que os seus jogadores também sejam. Por vezes, quando nos está a dar explicações, parece que está a chamar os jogadores ao quadro e a fazer perguntas como na escola. Jesus é o Conte português, um vencedor. Espero um Sporting a congestionar o corredor central, obrigando a Juventus a jogar nas faixas e a apostar em cruzamentos, visto que a dupla de centrais, Mathieu e Coates, é fortíssima no jogo de cabeça. O Sporting procurará jogar nos duelos em todo o campo, para recuperar a bola e contra-atacar com a velocidade de Acuña e Gelson Martins”, disse o italiano nascido na Argentina na antevisão ao encontro.

Quem conhece Jesus sabe que ele acha mesmo isso: que percebe muito de futebol. E que consegue ganhar jogos com pormenores que só ele e poucos mais conseguem ver. Por isso, queria dar continuidade ao jogo gigante que fez em Turim pelo Benfica, na meia-final da Liga Europa, onde conseguiu aguentar o nulo que lhe valeu o acesso à partida decisiva. E queria mais, até por uma questão de afirmação do Sporting. Foi isso que viu 75 minutos.

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Ficha de jogo

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Juventus-Sporting, 2-1

3.ª jornada do grupo D da Liga dos Campeões

Estádio da Juventus, em Turim

Árbitro: Michael Oliver (Inglaterra)

Juventus: Buffon; Sturaro (Douglas Costa, 84’), Benatia (Barzagli, 46’), Chiellini, Alex Sandro; Khedira (Matuidi, 62’), Pjanic; Cuadrado, Dybala, Madzukic e Higuaín

Suplentes não utilizados: Szczesny, Asamoah, Betancur e Bernardeschi

Treinador: Massimiliano Allegri

Sporting: Rui Patrício; Piccini, Coates, Mathieu, Fábio Coentrão (Jonathan Silva, 77’); William Carvalho, Battaglia (Doumbia, 87’); Gelson Martins (Palhinha, 76’), Acuña, Bruno Fernandes e Bas Dost

Suplentes não utilizados: Salin, André Pinto, Bruno César e Podence

Treinador: Jorge Jesus

Golos: Alex Sandro (12’, p.b.), Pjanic (29’) e Mandzukic (84’)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Coates (25’), Bruno Fernandes (37’), Sturaro (68’) e Chiellini (83’)

Os leões começaram melhor. Aqui o melhor não quer dizer que tenham sido superiores à Juventus, que nunca foram no decorrer dos primeiros 45 minutos, mas foram capazes de jogar de igual para igual com os italianos, num jogo que teve num fora de jogo de Higuain a única incidência nos dez minutos iniciais (remates, cantos e oportunidades, nada). Até que Alex Sandro, de forma infeliz, acabou por premiar uma boa jogada do Sporting.

A receita foi muito parecida com aquela utilizada na Grécia e que deu a vitória frente ao Olympiacos: saída rápida para o ataque, qualidade de passe, diagonal do extremo mais próximo, exploração da profundidade. Há dois momentos de alguma sorte para o conjunto verde e branco: primeiro, quando Alex Sandro não conseguiu intercetar a desmarcação de Bruno Fernandes; depois, quando o lateral brasileiro que passou pelo FC Porto levou com a bola rechaçada por uma enorme defesa de Buffon quando tinha Gelson Martins isolado. 1-0 aos 12′.

A Juventus não atravessa um bom momento e, dois anos depois, voltou a perder em casa, com a Lazio (antes tinha empatado fora com a Atalanta). Agora, estava em desvantagem e num encontro onde uma derrota poderia condicionar as aspirações de uma equipa que foi a duas finais da Champions nas últimas três temporadas. Todavia, o Sporting deu um empurrão à retoma dos transalpinos. Como? Baixou demasiado as linhas.

Quando os comandados de Allegri começaram a subir mais, as segundas bolas no corredor central foram caindo sempre para a Vecchia Signora, que conseguia também dessa forma condicionar a saída em transições rápidas como tinha acontecido no golo. Pjanic, num soberbo livre direto, empatou a partida aos 29′, mas Rui Patrício ainda evitou outros golos a Dybala e Higuain. Mas com essa nota que era percetível: na teoria, o Sporting tinha uma abordagem corretíssima a todos os fatores do jogo (resultado, qualidade do adversário, pontos fortes da equipa etc.); na prática, havia erros de posicionamento, coordenação e qualidade de passe que condicionavam tudo o resto.

Foi isso que Jorge Jesus corrigiu ao intervalo: Bruno Fernandes começou a encontrar terrenos descongestionados para poder lançar ataques rápidos ou promover a circulação de bola; William e Battaglia recuperaram a hegemonia no corredor central; Acuña começou a aparecer mais no jogo. Com essa vantagem extra de, fisicamente, se ver uma Juventus menos fresca e, assim, menos disponível para resolver o jogo através de lances individuais. As chances de golo eram poucas em cada uma das balizas, mas o empate parecia perfeitamente controlado até que vieram as substituições. Foi esta cadeira que impediu o Sporting de Jesus de completar o curso de futebol em Turim.

O treinador verde e branco tinha um teste de múltipla escolha: ganhar mais profundidade lançando Doumbia no lugar de Bas Dost, avançados com características distintas (e não será por acaso que o marfinense tinha sido sempre titular na Champions e o holandês na Primeira Liga); desequilibrar nos corredores laterais, com o lançamento do supersónico Podence; explorar a meia-distância, colocando o pontapé-canhão de Bruno César ao serviço de um jogo que procurava por um abre-latas; arriscar dar um passo atrás reforçando o corredor central e retirando uma das unidades ofensivas. Jesus optou pela última, tirando Gelson Martins e lançando Palhinha. E pouco depois teve de trocar Coentrão por Jonathan Silva, de novo por problemas físicos. Foi assim que começou a colocar-se a jeito para perder o encontro, como perdeu mesmo.

Palhinha comprometeu, fez alguma coisa mal, errou passes, esqueceu-se de fazer compensações? Não. Mas o Sporting não só perdeu velocidade nos corredores laterais, que sempre ia prendendo os laterais da Juventus lá atrás, como deixou de ter o cérebro Bruno Fernandes no meio, a pautar jogo (encostou-se mais à direita). Daí até ao final, quando Doumbia falhou por centímetros um desvio ao segundo poste após cruzamento da direita, os leões mal passaram do meio-campo. E quando Allegri tirou Sturaro, recuou Cuadrado e lançou Douglas Costa na esquerda, o brasileiro tocou na bola pela primeira vez e cruzou largo para Mandzukic ganhar a frente a Jonathan Silva e marcar o 2-1 a seis minutos do final quando todos já faziam as contas ao grupo partindo de um empate em Turim (e com o próximo jogo do grupo a ser um Sporting-Juventus em Alvalade).

Mais uma vez, pode falar-se de jogo ingrato, de vitória moral, de resultado entre o injusto e o demasiado penalizador. E Jesus ainda acrescentou no final um lance onde Cuadrado terá feito falta sobre Palhinha numa bola parada. Mas, tal como aconteceu com o Real Madrid na última época, dar um passo atrás hipotecou a hipótese de chegar dois à frente. E o Sporting perdeu uma grande oportunidade de travar o vice-campeão europeu em sua casa.