O primeiro-ministro fez o anúncio. A seguir, instalaram-se as dúvidas. Com o ministro da Defesa ao lado, António Costa disse este sábado que a Força Aérea “ficará com a gestão e operação dos meios aéreos de combate aos incêndios florestais”, que vai gerir os “meios do próprio Estado” e que ainda fará a “gestão dos contratos de meios aéreos de combate aos incêndios”. Mas, na prática, como é que a Força Aérea — ainda sem meios próprios para o combate a incêndios florestais — se vai integrar na estrutura da Proteção Civil de combate aos fogos? “Estamos a definir quais as formas de implementação dessas decisões”, diz fonte da Defesa ao Observador. As respostas do lado da Força Aérea não são diferentes. “Tudo tem de ser estudado e pensado”, admite fonte do ramo.
Do lado do ministério da Defesa e da Força Aérea admitem-se contactos prévios que possibilitaram o anúncio do último fim-de-semana. Mas esses contactos ainda não passaram da fase exploratória. O ministro da Defesa vem defendendo, desde que assumiu funções, que as Forças Armadas devem ter maior intervenção no combate aos fogos florestais. Do lado da Força Aérea, há disponibilidade, mas faltam recursos humanos e materiais.
A Proteção Civil tem atualmente uma dezena de meios aéreos ao seu dispor, dos quais três são helicópteros pesados Kamov e os restantes helicópteros ligeiros. Admitindo que esses meios passam para a mão da Força Aérea, surge de imediato o problema da preparação técnica. “Não há pessoal para operar e manter” estes aparelhos, se estiveram no raio de gestão da Força Aérea, diz fonte do ramo. Para que isso se torne possível, “é preciso tempo”.
Depois, há a questão dos meios, levantada por António Costa no final da reunião de Conselho de Ministros. Uma novidade nesta área devem ser o concurso para a compra de cinco novos helicópteros ligeiros, mas também a possibilidade de compra de até meia dúzia de aviões KC-390 — para substituir os aviões de transporte Hércules C-130. Este novos equipamentos devem dotar a Força Aérea de mais meios de combate aos incêndios. E o reforço de meios poderá não ficar por aí. O Observador apurou que há disponibilidade política para avançar com a compra de “novos meios” de combate a incêndios, isto é, admite-se no Governo que o número de aeronaves a adquirir pelo Estado português possa subir, em função das decisões tomadas durante as 11 horas de reunião do Concelho de Ministros extraordinário deste sábado. “Novas missões implicam mais meios”, sublinha fonte da Força Aérea ao Observador.
Agora falta definir tudo o resto. A mesma fonte do ramo admite que já houve “contactos” entre a chefia e a tutela. Mas ainda não se sabe “como as medidas anunciadas vão ser operacionalizadas”. Certo, para já, é que a Força Aérea está a operar no limite e que não há militares suficientes (nem preparados) nas fileiras para absorver a operação dos Kamov — se é que é esse o plano que resulta das palavras do primeiro-ministro, quando referiu que a Força Aérea vai gerir os “meios do próprio Estado”.
Ao Observador, o presidente da Associação de Oficiais das Forças Armadas, tenente-coronel António Mota, questiona-se sobre o sentido de colocar essa responsabilidade nos ombros de militares. “Se o conceito de gestão do primeiro-ministro é que a Força Aérea receba os meios e que esses meios continuem a ser operados por pilotos de fora, isso é completamente disparatado”, diz o responsável. Por outro lado, se a ideia de atribuir passa por Força Aérea a gestão dos contratos com privados, passando a “batata quente” do ministério para aquele ramo, António Mota mostra-se cético: “Não vejo os militares vocacionados para gerir contratos privados”, diz.
Uma das soluções admitidas no ramo, apenas como hipótese de discussão, é que aconteça no combate a incêndios aquilo que Portugal já faz na NATO, enquanto membro da aliança atlântica: uma transfer of authority (transferência de autoridade), em que os meios existentes são transferidos para o comando tático (a cargo da Proteção Civil) e que emanem da estrutura de comando daquele organismo as ordens que os pilotos da Força Aérea vão executar.
Ninguém sabe ainda se o caminho pode ser esse. Mas, a ser, a solução não levanta objeções a António Mota. “A coordenação no terreno há de ser feita por bombeiros ou pela Proteção Civil, e a Força Aérea operará os meios que tiver que operar debaixo das orientações de quem está no terreno”, diz o dirigente da AOFA. Na melhor das hipóteses, as várias partes com interesse na matéria — ministério da Defesa, ministério da Administração Interna e Força Aérea — têm um ano para tomar decisões, aplicá-las e colher resultados. A esse respeito, António Mota lembra que um piloto precisa de cinco anos para concluir a sua formação básica. A formação específica, contudo, é mais rápida: em quatro, cinco meses um piloto poderá estar preparado para operar um helicóptero ligeiro como aqueles que vão reforçar a frota da Força Aérea. “Temos um ano ou, pelo menos, até maio, junho do próximo ano” para apresentar resultados, antevê o dirigente associativo.