A extensão do programa de estímulos até setembro de 2018, ainda que a um ritmo menos intenso de compras mensais, significa que o Banco Central Europeu (BCE) irá comprar, no mínimo, mais 12,5 mil milhões de euros em dívida portuguesa nos próximos anos, segundo contas do Observador com a ajuda de um analista de dívida europeia de um banco de investimento londrino.
Ao abrigo do programa de compra de dívida, o BCE vai continuar, até ao final de 2017, a criar 60 mil milhões de euros para comprar dívida pública e dívida privada na zona euro. Contudo, a partir do início de janeiro, as compras vão continuar ao ritmo de 30 mil milhões de euros por mês, durante nove meses.
No total, serão 270 mil milhões de euros gerados pelo BCE, até setembro de 2018, e aplicados na compra de títulos obrigacionistas — mas o BCE reserva o direito de recalibrar o programa tanto pela duração como pelo ritmo das compras. Ou seja, o programa pode durar mais tempo do que só até setembro de 2018 ou pode ser aumentado (ou reduzido) o valor das compras mensais.
BCE reduz compras de dívida para metade mas estende programa até setembro
Portugal tem uma quota do capital do BCE de cerca de 1,74%, um valor que foi calculado pela participação de cada banco central nacional no eurosistema, conforme a dimensão da economia e da população de cada país. Isto significa que a extensão do programa irá implicar — a partir de janeiro de 2018 — quase cinco mil milhões de euros em dívida portuguesa, strictu sensu.
Se levarmos em consideração os dois meses que ainda faltam em 2017, em que o BCE continua a comprar ao ritmo de 60 mil milhões por mês, são mais dois mil milhões em dívida nacional que, em teoria, deverão ser adquiridos.
Estes valores são os mínimos teóricos, porque as compras efetivas de dívida portuguesa serão ainda maiores, já que o BCE tem andado há vários meses a comprar abaixo da quota natural de Portugal no BCE. Como o programa é flexível, a intenção é a de recuperar o “terreno” perdido até ao final do programa. Se, nos primeiros meses do programa, o BCE tinha meses em que comprava mais de mil milhões de euros de dívida nacional por mês, esse valor já caiu para menos de 500 milhões, em alguns meses.
BCE comprou 517 milhões de euros de dívida pública em julho, acima dos meses anteriores
As compras de Portugal têm ficado abaixo da quota porque se acredita que o BCE já estará “tapado” em muitas das linhas de obrigações do Tesouro. Segundo as regras auto-impostas pelo BCE, não se pode deter mais de 33% dos títulos disponíveis em cada linha de obrigações (Portugal tem, neste momento, 14 “linhas vivas” de obrigações, segundo o IGCP).
Uma forma de contrariar esta limitação — como já tem sido feito — é a inauguração de novas linhas de obrigações. Por cada nova linha de obrigações que é criada, por hipótese no valor de três mil milhões de euros, isso cria imediatamente a oportunidade para o BCE ir ao mercado tentar comprar até mil milhões de euros dessa nova linha.
Reembolsos são reinvestidos “na mesma jurisdição”, esclarece o BCE
Algumas dessas linhas já estão, como é normal, a aproximar-se da data de vencimento, ou seja, o momento em que é pago o último juro periódico e se reembolsa o capital total. E uma das medidas do BCE — que não é novidade mas cuja importância o BCE sublinha cada vez mais — é que, à medida que esses títulos atingem o vencimento, o dinheiro que o BCE recebe é reinvestido em novos títulos de dívida.
Esses reinvestimentos vão continuar mesmo após o fim do programa de compra de ativos, que agora está previsto para setembro de 2018. O próximo grande reembolso de obrigações do Tesouro, depois dos seis mil milhões pagos agora em outubro pelo IGCP, ocorre em junho de 2018: são mais 6,642 mil milhões de euros, que serão detidos em um terço pelo BCE — algo na ordem de 2,2 mil milhões.
O reembolso seguinte acontece em junho de 2019 — 9,637 mil milhões — e, a julgar pela garantia de Draghi de que os reinvestimentos vão continuar até “bem depois” do fim do programa de compras, esta linha também deverá ser reinvestida. São mais, portanto, 3,3 mil milhões de dívida portuguesa que estará nas mãos do BCE.
BCE ganha margem de manobra com reembolso de linhas antigas
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À medida que as linhas mais antigas forem sendo reembolsadas, serão substituídas por novas linhas de obrigações do Tesouro onde o BCE pode comprar livremente (até um terço dos títulos) sem ter a margem de manobra limitada pelas compras já feitas ao abrigo do programa QE ou mesmo do anterior programa “temporário e limitado” de compras de dívida que foi lançado ainda no tempo de Jean-Claude Trichet.
Há, ainda, um reembolso superior a 10 mil milhões de euros em junho de 2020 — em que o BCE também será dono, neste momento, de perto de um terço — mas não contabilizamos este reembolso porque já dista um pouco mais da data previsível para o término do programa de “quantitative easing“. Além disso, Mario Draghi não definiu (deliberadamente) o que quer dizer com “período alargado, bem além do fim do QE”. Aliás, nessa altura já poderá ser outro presidente do BCE que não o italiano, que termina o mandato em 2019.
A cada reembolso, o cálculo é direto entre a dívida que Portugal reembolsa e a dívida que é depois adquirida — porque a nova dívida que é adquirida será comprada “na mesma jurisdição”, esclareceu o BCE num comunicado divulgado após a conferência de imprensa desta quinta-feira. Este efeito será importante para ajudar a recuperar o tal “terreno” perdido nas compras que o BCE tem feito de dívida portuguesa há vários meses. Pelo que o valor de compras efetivas por parte do BCE deverá ser ainda maior do que os 12 mil milhões garantidos.