A investigadora portuguesa Adelaide Fernandes é um dos três vencedores do prémio dedicado à inovação na área da esclerose múltipla — Grant for Multiple Scleroris Innovation Award — atribuído desde 2012 pela Merck KGaA (Alemanha). O prémio, no valor total de um milhão de euros, foi entregue esta quinta-feira, em Paris, durante Congresso Científico dos Comités Europeu e Americano para o Tratamento de Esclerose Múltipla.

O projeto liderado pela investigadora portuguesa tem como objetivo encontrar uma nova estratégia terapêutica que diminua não só a incapacidade física dos doentes com esclerose múltipla, como também alivie os sintomas psiquiátricos associados. Este projeto foi premiado com 60 mil euros.

A esclerose múltipla é uma doença crónica que resulta da inflamação do sistema nervoso central. Estima-se que afete 2,3 milhões de pessoas em todo o mundo, tornando-se a doença neurológica incapacitante não-traumática mais comum entre jovens adultos, segundo o comunicado de imprensa da promotora do prémio.

Adelaide Fernandes (segunda a contar da esquerda) e respetiva equipa de investigação – Cedido por Adelaide Fernandes

Formigueiro, espasmos musculares, perda de movimentos ou de visão são os sintomas mais comuns associados a esta doença. “No entanto, mais recentemente, tem-se dado mais atenção às alterações psicológicas e psiquiátricas que os doentes experienciam, como fadiga (em cerca de 90% dos doentes), depressão, ansiedade, alterações emocionais e até cognitivas”, disse ao Observador Adelaide Fernandes, investigadora no Instituto de Investigação do Medicamento (iMed.ULisboa) e na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.

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Os fármacos utilizados atualmente no tratamento da doença têm “apenas uma eficácia relativa e/ou transitória na progressão da doença, focando-se essencialmente na melhoria da incapacidade”, refere a investigadora. Com este projeto, a equipa de Adelaide Fernandes pretende dirigir os tratamentos a uma molécula inflamatória específica para melhorar a qualidade de vida do doente tanto em termos físicos como psicológicos e psiquiátricos.

Encontrar novas estratégias terapêuticas contra a esclerose múltipla

Nos últimos cinco anos, o grupo dedicado ao estudo das células gliais (células não-neuronais do cérebro) do iMed.ULisboa—Neuron-Glia Biology in Health and Disease — têm trabalhado com uma proteína (S100B) produzida em situações de lesão do sistema nervoso, em particular na inflamação relacionada com a esclerose múltipla.

Os investigadores conseguiram perceber que, quando os doentes eram diagnosticados com esclerose múltipla, esta proteína aparecia em maior quantidade no soro e no líquido cefalorraquidiano (localizado no espaço entre o crânio e o cérebro). Este trabalho foi feito em parceria com o investigador João Cerqueira, diretor da Clínica de Esclerose Múltipla do Hospital de Braga e investigador Universidade do Minho.

Depois foi possível demonstrar que era a doença que provocava a produção da proteína inflamatória e que, quando se inibia a ação desta proteína, a inflamação diminuía e os efeitos fisiológicos da doença também: previne-se a perda de mielina, a bainha que envolve os neurónios. “Estes dados apontam para o benefício de um possível tratamento dirigido para esta proteína na melhoria da condição do doente e prevenção da progressão da esclerose múltipla”, refere Adelaide Fernandes.

Com o prémio agora atribuído, e continuando a contar com a colaboração de João Cerqueira, Adelaide Fernandes espera que os estudos clínicos lhe permitam “comprovar que a inflamação do sistema nervoso está na base das alterações psicológicas e psiquiátricas manifestadas pelos doentes com esclerose múltipla”. Outro objetivo é conseguir “identificar esses doentes o mais precocemente possível”.

“Em paralelo iremos estudar modelos animais de esclerose múltipla onde vamos inibir a proteína inflamatória por alteração genética e verificar se revertemos as alterações patogénicas e de comportamento associadas à esclerose múltipla”, explica a investigadora. Sabendo isto, é possível ensaiar novas estratégias terapêuticas que, espera a investigadora, possam vir a ser usadas na prática clínica no futuro.