“Honestamente, não quero que ninguém saiba nada sobre mim. Quanto mais tempo um ator permanecer na sombra, mais as personagens vão emergir.” A citação de Kevin Spacey denuncia o secretismo que sempre esteve associado ao ator de New Jesery. Ao longo dos anos muitos foram os rumores sobre a sua sexualidade. A notícia desta segunda-feira de manhã tem, por isso, potencial bombástico: depois de ter sido acusado de assédio sexual por um ator à data menor de idade — o episódio terá acontecido em 1986 –, Spacey partilhou um comunicado via Twitter a pedir desculpa pelo comportamento do qual não tem memória e onde assume a homossexualidade.

Esta história encorajou-me a falar sobre outras questões da minha vida. Sei que há histórias sobre mim por aí, algumas alimentadas pelo facto de ser tão cuidadoso com a minha privacidade. As pessoas mais próximas de mim sabem que, na minha vida, tive relacionamentos com homens e mulheres. Amei e tive relacionamentos românticos com homens, ao longo da minha vida, e agora escolho viver como um homem gay“, disse no comunicado publicado na rede social Twitter.

Kevin Spacey: o novo nome ligado ao assédio sexual em Hollywood

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A reação de Spacey está a ser criticada na comunidade LGBT (Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero), escreve o The Washington Post, que acusa o ator de estar a desviar a atenção da acusação de assédio sexual a um menor, ao admitir publicamente a homossexualidade. Em causa está também a questão das duas mensagens estarem, de alguma forma, relacionadas.

Uma coisa é certa, ao longo da carreira foram vários os episódios que deixaram a imprensa atenta a quaisquer mexericos. Episódios como o de 2004, quando um ensanguentado e nervoso Spacey entrou numa esquadra de polícia em Londres, alegando que alguém lhe roubara o telemóvel. Isto às 04h30 de um sábado, num parque perto de Old Vic, o prestigiado teatro do qual o ator se tornara diretor artístico um ano antes (manteve o cargo até 2015). As circunstâncias tornaram-se ainda mais suspeitas quando o ator mudou a história, pelo menos duas vezes, e acabou por retirar qualquer queixa, admitindo, afinal, ter tropeçado na trela do cão que estava a passeava — não negou, porém, o assalto. Já antes uma revista norte-americana havia publicado fotografias de Spacey a andar de mãos dadas num parque com um homem mais novo.

O próprio ator já foi questionado, de forma até bastante direta, sobre a sua orientação sexual. Foi o que aconteceu numa entrevista ao Daily Beast: o assunto foi discutido, mas Spacey, tal qual um hábil Frank Underwood, nunca respondeu “sim” ou “não”. É, no entanto, sabido que foi à Playboy que chegou a negar a homossexualidade.

Um perfil do ator publicado no britânico The Guardian explica o que até ontem terá sido verdade: amigos de longa data e colegas de profissão sempre alegaram ignorância absoluta sobre a sua sexualidade, insistindo que os assuntos do coração não surgiam, pura e simplesmente, em conversa. Durante muito tempo, as revistas andaram em jogos de adivinhação. A ausência de uma mulher ou de namoradas oficiais ajudou à especulação, bem como o facto de ter levado a mãe à cerimónia dos Óscares, enquanto acompanhante, das duas vezes que esteve nomeado. A relação com a mãe era tão próxima que Spacey escolheu o seu nome de solteira para nome profissional. Já a relação com o pai austero e antiquado, Thomas Fowler, era problemática. Escreve o Daily Mail que o pai não permitia que se visse televisão em casa e que foi quem enviou Spacey para a academia militar, onde ele viria a descobrir o talento para a representação.

Pascal Le Segretain/Getty Images

Kevin Spacey sempre quis ser ator. Segundo Sarah St. George, uma amiga de longa data do ator, citada pelo The Guardian, Spacey ia frequentemente a audições, apesar de ter demorado a chegar ao patamar em que está hoje. O não tão rápido sucesso foi motivo de algum desalento e de bolsos pouco fundos. São conhecidas as dificuldades financeiras que enfrentou no início da vida adulta. “Eventualmente ele deixou Nova Iorque e foi para a costa oeste. Nunca pensei que ele se tornasse num ator tão famoso e tão bom. Ele era muito discreto e modesto. Eu não sabia nada sobre a sua vida privada. Ele era profissional e um pouco solitário quando o conheci.”

A carreira começou nos palcos, na década de 1980, mas foram filmes como “Sucesso a Qualquer Preço”, de 1992, que começaram a dar a Spacey a atenção que ele tanto queria. Três anos depois seguiram-se as performances em “Seven – 7 Pecados Mortais” e “Os Suspeitos do Costume” (pela qual ganhou o primeiro Óscar de Melhor Ator Secundário), que consolidaram a sua posição enquanto ator de personagens pesadas, obscuras e manipuladoras (Francis Underwood, da série “House of Cards” é mais um exemplo, recente, disso mesmo).

Robert Jones, produtor do filme “Os Suspeitos do Costume” chegou a recordar: “Ele era incrivelmente profissional e focado, mas também muito divertido e um imitador fantástico”. Um segundo Óscar haveria de chegar com a performance em “Beleza Americana”.

Segundo o The Sunday Times, Kevin Spacey tem uma fortuna estimada em 75 milhões de libras (85 milhões de euros). Apesar de o valor da sua riqueza são estar discriminado na Forbes, a publicação garante que Spacey foi a primeira celebridade da internet a ocupar um lugar na lista dos 100 famosos mais ricos. Tal deveu-se à série “House of Cards” que é creditada por mudar a indústria do entretenimento em geral.

Entretanto, o criador da série, Beau Willimon, disse num comunicado achar a história da acusação “muito perturbadora”. “Durante o tempo que trabalhei com Kevin Spacey na série ‘House of Cards’, nunca testemunhei ou me apercebi de qualquer comportamento inadequado dentro ou fora do set. Disto isto, levo muito a sério relatos de tal comportamento e este não é exceção.”

Esta segunda-feira, Kevin Spacey mudou aos olhos do mundo. Não por admitir o que há muito se comentava, mas porque foi mais uma estrela a ser apanhada no “efeito Weinstein”, ao ser acusado de assédio sexual de um menor.