Pedro Dias entrou na sala do Tribunal Judicial da Comarca de Guarda, esta terça-feira pelas 10h20, da mesma maneira que entrou na primeira sessão do julgamento: de fato cinzento e gravata, aparentemente calmo e algemado. Passou toda a sessão em silêncio, limitando-se a tomar notas em folhas de papel, enquanto ouvia as testemunhas.

A segunda sessão do julgamento de Pedro Dias, que teve início na passada sexta-feira, começou com mais de 45 minutos de atraso e terminou pelas 18h15. A mãe de Liliane Pinto foi a primeira a ser ouvida, seguida da mãe de Luís Pinto. Os depoimentos visivelmente emocionados de Maria de Fátima e de Virgínia Pinto basearam-se essencialmente no que aconteceu na véspera do incidente, na manhã de dia 11 de outubro,quando o casal terá sido alvejado por Pedro Dias quando estava a caminho de Coimbra para tratamentos de fertilidade.

Durante a parte da tarde, António Duarte, o homem que foi alegadamente sequestrado por Pedro Dias em Moldes (concelho de Arouca), relatou o incidente do dia 16 de outubro, referindo que Pedro Dias não o agrediu fisicamente, apesar de lhe ter apontado uma arma, e que o tratou com “cuidado”.

Já a ex-namorada do arguido contou o encontro que teve com Pedro Dias no dia dos homicídios, recordando que o arguido “estava calmíssimo”. “O Pedro não mata um animal, respeita muito a natureza e os seres vivos”, afirmou Ana Cristina Laurentino.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Carlos Santos, o militar da GNR que abriu a porta ao também militar, António Ferreira, após alegadamente ter sido baleado por Pedro Dias, deveria ter sido ouvido hoje, mas prestará declarações na quarta-feira.

“Estava calmíssimo”, disse ex-namorada de Pedro Dias

Ana Cristina Laurentino começou por explicar, no início do seu depoimento a meio da tarde desta terça-feira, que conheceu Pedro Dias em 2011. Três semanas depois começaram uma relação amorosa, que terminou em agosto de 2014.

A 11 de outubro de 2016, dia em que ocorreram as mortes do militar da GNR de Aguiar da Beira e do casal Luís e Liliane Pinto, Ana Laurentino contou que estava a conduzir a baixa velocidade por causa do nevoeiro, a caminho da escola onde trabalhava, quando se apercebeu de um carro atrás de si. O condutor terá feito sinais de luzes, a ex-namorada do arguido encostou o carro na berma e só nessa altura, quando o outro veículo parou ao seu lado, é que se apercebeu de que se tratava de Pedro Dias. Nessa altura, o arguido disse-lhe que precisava de “um favor” e pediu-lhe para ir até Vila Chã buscar uma carrinha.

Estava calmíssimo“, afirmou Ana Laurentino, acrescentando ainda que olhou para o arguido apenas “na diagonal” — pelo que não reparou se tinha ou não sangue nas roupas — e que ele estava contente por ter vencido o processo pela tutela da filha.

No caminho até Vila Chã, passaram por carros da GNR. Foi depois disso que, de acordo com a antiga companheira, Pedro Dias lhe pediu para dizer, caso alguém perguntasse por ele, que passaram a noite juntos. “Ele disse: ‘caso alguém pergunte por mim, se não te incomodar, diz que tivemos uma escorregadela e que passámos a noite juntos‘.”

Quando foi contactada pela GNR, disse aquilo que o ex-namorado lhe tinha pedido. “Fiquei nervosa, muito desconfiada”, acrescentou. Mentiu duas vezes à GNR e só depois, quando lhe foi explicado o que estava em causa, contou a verdade.

Ana Laurentino disse ainda que, durante o relacionamento, o arguido tinha alterações súbitas de humor e que houve duas situações em que Pedro Dias a agrediu fisicamente. “Era bruto e agressivo como tão depressa me pedia desculpa.” Ainda assim, garantiu que o arguido não era capaz de matar um animal: “O Pedro não mata um animal, respeita muito a natureza e os seres vivos”.

“Mantive a calma e ele também não me agrediu”

O testemunho de António Duarte foi o único que foi feito através de videoconferência. Ao início desta tarde, pelas 14h10, descreveu o que aconteceu no dia 16 de outubro do ano passado, durante o alegado sequestro de que foi alvo por parte de Pedro Dias.

Tinha ido tratar de um jardim de um familiar, quando se cruzou na rua com Lídia da Conceição, que tinha ido a casa da mãe dar de comer ao gato. Depois de trocar algumas palavras, cada um continuou o seu percurso, até que, pouco tempo depois, António Duarte ouviu os gritos de Lídia, vindos da habitação. Chamou por ela e como esta não lhe respondia, dirigiu-se à casa para saber o que se passava.

“Resolvi ir lá ver o que se passava, se precisava de ajuda. Puxei a porta da habitação e o senhor Pedro Dias abordou-me. Mantive a calma e ele também não me agrediu“, afirmou o homem, acrescentando que Pedro Dias lhe apontou uma arma mal entrou na casa.

António Duarte adiantou que tentou acalmar o arguido, ao explicar porque tinha lá ido, referindo que Pedro Dias lhe pediu para entregar as chaves do carro, o telemóvel e o relógio. Foi depois encaminhado para um quarto, juntamente com Lídia Conceição, onde foram amarrados “com pedaços de tecido”.

Nessa altura, Lídia estava ferida, com “sangue na cabeça” e na cara, mas o homem não soube precisar como tinham ocorrido esses ferimentos, porque nunca assistiu a nenhuma agressão. Aliás, durante todo o sequestro, o homem disse que mal falou com Lídia, mas que esta se queixava de dores de cabeça.

A D. Lídia não se calava, estava muito nervosa e eu também a mandava calar e que fizesse o que o senhor Pedro Dias mandava. Como a Maria Lídia não se calava, [Pedro Dias] agarrou-lhe as mãos e pôs uma batata na boca”, contou António Duarte, adiantando que Pedro Dias a ameaçou com a arma, dizendo-lhe “tu não te calas e eu vou ter problemas contigo”.

Ela estava muito assustada. Eu estava com uns nervos que nem imagina“, disse ainda, acrescentando que nunca foi agredido fisicamente por Pedro Dias.

O arguido, de acordo com o homem alegadamente sequestrado, também o amarrou e colocou-lhe uma batata na boca, o que lhe dificultou a respiração. “Pôs uma batata na boca, disse-me que a tinha lavado e tapou-me os olhos também“, afirmou, tal como já tinha feito a Lídia da Conceição.

Apesar de ter ouvido Pedro Dias a circular pela casa, não soube dizer o que ele estava a fazer. Pedro Dias ter-lhes-á depois dito para não se mexerem, que iria sair, mas regressaria nas quatro horas seguintes, referindo ainda que se saíssem e fossem falar com a polícia, os mataria.

Só cerca de “três quartos de hora” depois de Pedro Dias ter saído, quando ouviu pessoas no exterior da casa, é que tentou pedir ajuda. “Estava com receio que ele voltasse. Só fui pedir socorro quando ouvi que estavam lá [fora] pessoas”. Nessa altura, o seu carro, que estava estacionado perto da casa, tinha desaparecido. “Só voltei a ver o carro quando fui às instalações da [Polícia] Judiciária.” Confrontado com imagens a preto e branco de objetos encontrados no interior do veículo, reconheceu o seu telemóvel, um boné e um casaco impermeável.

António Duarte esclareceu ainda que não se lembra se, durante o incidente, Pedro Dias referiu o que alegadamente se passou na madrugada do dia 11 de outubro, sublinhando contudo que o arguido tinha manchas de sangue nas calças. O homem assumiu, porém, que tinha “falhas de memória” e que não “andava bem da cabeça”.

Foi depois confrontado com as declarações que prestou à Polícia Judiciária, em que contou que o arguido se referiu aos homicídios, dizendo “agora se eu quisesse eram mais dois, (…) matar mais dois ou três é igual”. Depois de dizer que estava “baralhado” e que não se lembrava, o homem acabou por afirmar ter “uma vaga ideia” das alegadas palavras do arguido.

Questionado pela defesa do arguido, António Duarte adiantou que Pedro Dias não foi agressivo consigo, isto é não lhe bateu, e que o tratou com “cuidado”. “Se quisesse, podia ter-nos matado.” Para o António Duarte, o arguido também estava “com muito medo”, considerando que Pedro Dias não tinha intenção de os matar, mas antes ganhar tempo para sair da casa: “Penso que não, mas um homem perdido nunca se sabe”.

“Ele era o meu braço direito. A Liliane era uma filha”

A mãe de Liliane, que fez questão de olhar fixamente para o arguido, tanto à entrada como à saída da sala, recordou o jantar em casa da filha, na noite de dia 10. Foi aí que Liliane disse à mãe que iria no dia seguinte, às 5h30, para Coimbra com o marido para uma consulta. “A minha filha levava dinheiro para as consultas que eram caras. 300 ou 500 euros eles levavam sempre, até podiam levar mais”, contou Maria de Fátima, no início da sessão desta terça-feira.

Também Virgínia Pinto esteve com o filho e a nora na véspera do dia fatídico e relembrou um telefonema que ouviu da nora com uma médica. “‘Tudo corra bem amanhã’. Foram as últimas palavras”, recordou a mãe de Luís.

No dia seguinte, Maria de Fátima disse que estranhou o facto de a filha não lhe ter dito nada. “Como era habitual ela mandar-me um toque e telefonar-me, como não ligou, liguei a todo o momento a partir das 10h00”, conta.

Mas sem sucesso. Nem Liliane nem Luís atendiam o telefone. “Como eles não davam sinal, o meu coração começou a palpitar”, referiu Maria de Fátima, que até pensou que o casal tivesse tido um acidente. “Às 11h00, houve um senhor que chegou lá [a casa] e me disse ‘já soube o que aconteceu?’”, acrescentou, na altura sem saber que se tratava da filha e do genro. Uma hora depois, ligou para uma nora que lhe falou de um incidente que alegadamente envolvia um casal com cerca de 50 anos.

Só pelas 18h30 é que soube o que se tinha passado com a filha e o genro: tinham sido baleados na EN229 a caminho de Coimbra, Luís tinha sido levado para o hospital já morto, mas Liliane tinha sido encontrada com vida.

A mãe de Luís também estranhou não ter notícias do filho. Durante o dia, foi com a sobrinha até Trancoso e foi da parte da tarde que a sobrinha recebeu uma chamada do genro de Virgínia para regressarem a casa o mais depressa possível. Pelas 18h30 soube da morte do filho.

Apesar de um dos seus filhos ter ido ver Liliane ao hospital nessa noite, Maria de Fátima só visitou a filha no dia seguinte. Seguiram-se depois quase seis meses de internamento no hospital, com os pais de Liliane sempre ao seu lado. “Ia lá todos os dias ver a minha filha, estive sempre ao lado dela, eu de um lado e o pai do outro. Penso que a minha filha ouvia tudo o que nós dizíamos. Estava em muito sofrimento e eu, ao lado dela, sem poder salvá-la.”

Maria de Fátima descreveu a filha e genro como um casal “feliz” e com uma ótima relação com os respetivos pais e sogros, acrescentando que as suas vidas pararam depois da morte dos filhos e que ambos tomam calmantes todos os dias. Também Virgínia Pinto não poupou elogios ao filho e à nora: “Ele era o meu braço direito. [A Liliane] era uma filha, não era de sangue mas era de coração. Eu era feliz, agora já não sou”.

O arguido esteve durante toda a sessão a tomar notas, em folhas de papel branco que lhe foram dadas no início da manhã. Segundo a sua advogada, Mónica Quintela, é algo que a defesa costuma pedir.

Famílias pedem “pena máxima”

Em declarações aos jornalistas, esta manhã, à porta do tribunal, o advogado das famílias de Liliane e Luís Pinto afirmou que os seus clientes esperam uma “pena exemplar”, isto é, a “pena máxima” — “25 anos de prisão efetiva” — pelo crime que descreveu como tendo sido uma “execução sumária”, que ocorreu “de forma cruel, inesperada e injustificada”. João Paulo Matias acrescentou ainda que as famílias não esperam “receber qualquer indemnização”, já que Pedro Dias não tem qualquer bem em seu nome.

Durante a primeira sessão, que decorreu na passada sexta-feira, foi ouvido o militar da GNR que sobreviveu após alegadamente ter sido baleado pelo arguido. É a principal testemunha do processo.

António Ferreira não quis prestar o seu depoimento com Pedro Dias na sala. Só depois de o suspeito sair é que o militar, de 42 anos, descreveu os acontecimentos da madrugada de dia 11 de outubro de 2016 e que levaram à morte do seu colega, o militar Carlos Caetano.

A sua vida, explicou António Ferreira, mudou por completo depois dessa fatídica noite, não só a nível físico como psicológico. “Sinto-me revoltado. Nunca mais vou ter a vida que tinha antes.”

“És burro? Não vês que ele está morto?”, disse Pedro Dias ao militar da GNR que sobreviveu

Pedro Dias esteve fugido das autoridades durante 28 dias, no ano passado, e é acusado de cinco crimes de homicídio (três consumados e dois na forma tentada), três sequestros, dois roubos e três detenções de arma proibida.

Até ao momento, o arguido não quis prestar declarações. Na passada sexta-feira, Mónica Quintela garantiu que o seu cliente iria prestar declarações durante o julgamento, sem esclarecer contudo quando isso acontecerá. Esta terça-feira, voltou a reforçar essa ideia: “Ele irá falar na altura certa.”

Pedro Dias e os crimes que pararam o país. Os disparos a sangue-frio, os detalhes da fuga e a violência dos sequestros