Alfândega do Porto, 20 de outubro de 2017. Carla Pontes, designer de moda, apresentava as suas propostas para o próximo verão e, embora não houvesse vestígios de sol dentro da sala, não demorou muito até toda a gente começar a falar dos óculos que completavam os coordenados. Nos bastidores do desfile, os formatos excêntricos das armações também bateram forte. Toda a gente queria uma fotografia com estes óculos. Quando vistos mais ao perto, percebia-se finalmente de que material eram feitos. É madeira, senhores.
É fácil de trabalhar, há em todo o lado e é reutilizável. Além disso, nós não compramos madeira para fazer os óculos. Vamos a fábricas e a empresas e trazemos restos e paletes que, supostamente, iam para o lixo. O que fazemos é upcycling“, afirma Ana Mendes de 23 anos, criadora da Cuscuz.
A marca nasceu em 2015, quando Ana ainda terminava o curso de Design Multimédia na Universidade da Beira Interior. Do gostinho pela moda, em especial por óculos de sol, cresceu a vontade de ter uma marca própria. Curiosamente, foi nas aulas de marca que o desejo se começou a materializar. Ainda as peças propriamente ditas não tinham ganhado forma, já Ana tinha a estratégia bem definida. Dois anos depois, a Cuscuz continua a ser uma marca de nicho e vive muito bem com isso. “Na altura, tinha vários amigos a estudar Design de Moda e que precisavam de acessórios para coleção de final de curso”, conta. A partir daí, o destino da marca estava traçado. Em dois anos, Ana adaptou as suas criações às coleções de vários criadores nacionais. Alguns modelos, os mais excêntricos, não passam da passerelle. Outros estão ao alcance de qualquer cliente. “Trabalhamos sobretudo com designers, mas também desenho fora disso. São peças de nicho e eu faço por isso. É claro que qualquer pessoa pode comprar, mas a marca nunca poderá massificar-se. É tudo feito à mão e em quantidades reduzidas”, completa.
A Cuscuz estreou-se na ModaLisboa há dois anos, através de uma colaboração proposta pela designer de moda Catarina Oliveira. Alguns meses depois, estes óculos voltavam a desfilar, desta vez no espaço Bloom do Portugal Fashion, pela coleção de Eduardo Amorim. Hoje, são quase 30 armações diferentes e lentes ao gosto do freguês e, claro, das modas. Além do design ser muito à frente, desde o início que Ana também quis que fosse sem género. “Curiosamente, os modelos que à partida achávamos mais femininos são comprados maioritariamente por homens”, conta.
Além de sustentável, a Cuscuz também é um negócio familiar. Para desenhar os óculos, Ana confessa que a inspiração chega dos objetos que a rodeiam, por mais banais que sejam. Para passá-los do papel para o mundo real conta com as mãos habilidosas do pai, um “faz tudo”, como lhe chama. Aumentaram a bancada de ferramentas lá de casa para uma oficina a sério. Chamemos-lhe carpintaria já que, à exceção das lentes, portuguesas por sinal, tudo o que aqui se trabalha é madeira, ou derivados dela. Sim, porque nem sempre a matéria-prima chega em estado bruto. Há óculos feitos em MDF, com acabamento de verniz craquelé (aquele efeito de tinta a estalar) e ainda em madeira disfarçada de pedra, um verdadeiro sucesso.
Os óculos são feitos em Coimbra. É lá que fica a dita carpintaria. Das encomendas que chegam de fora do país, o Brasil ganha a corrida. Ana já chegou mesmo a ir ao aeroporto entregar óculos a clientes brasileiros que fazem escala em Lisboa. Atualmente, está dividida entre a marca e o trabalho como designer gráfica, um malabarismo de tarefas que está para durar. Até ao próximo verão, o objetivo é melhorar o site da Cuscuz e permitir que quem compra pode personalizar cada detalhe: o formato, a cor ou acabamento da madeira e as lentes. Enquanto isso, o senhor Amâncio vai continuar a produzir óculos nas calmas, depois de aos 60 anos ter descoberto o slow design.
Nome: Cuscuz
Data: 2015
Pontos de venda: através do Facebook e do site
Preços: vão dos 60€ aos 160€
100% português é uma rubrica dedicada a marcas nacionais que achamos que tem de conhecer.