Convenhamos que isto de arranjar um carro da concorrência para desmontar e ver como é e que soluções encerra, para eventualmente copiar e até, quem sabe, optimizar, não é de hoje. Que o digam os chineses, que estendem a sua proverbial curiosidade pelos produtos alheios aos automóveis, mas também aos aviões, barcos, mísseis e tudo o que mexa e que eles ainda não tenham.
Mas o que os fabricantes normalmente fazem é comprar o veículo que querem desfazer aos bocadinhos, aquisição que é feita por um elemento idealmente exterior à empresa, para poderem negar a compra caso sejam descobertos. Porém, a Mercedes-Benz, provavelmente para poupar umas coroas, decidiu que, em vez de comprar, saía mais barato alugar o Tesla que queria estudar ao pormenor. Vai daí, pediu à Daimler, que é “só” a empresa-mãe da Mercedes e Smart, para enviar um representante a um balcão da Sixt, conhecida empresa de rent-a-car, e aí alugar um Model X 100D. O que não deixa de ser curioso, tanto mais que se sabe que a Mercedes está a desenvolver um SUV eléctrico (Mercedes EQC, previsto para 2019), exactamente como o… Model X.
A “coisa” até poderia ter um final feliz, que é como quem diz, passar despercebida. Mas o azar – ou a falta de sorte – bateu à porta do fabricante alemão. Depois de ter sido alugado durante várias semanas, durante os meses de Julho e Agosto, o Tesla foi devolvido, segundo a Sixt, altamente danificado, o que parece indicar que a Mercedes fabrica excelentes automóveis, mas depois de os desmontar, não consegue encaixar novamente as peças no sítio certo.
E o casal fica a “arder”
Como se não bastasse a Sixt ter descoberto a marosca, houve outras pessoas envolvidas, mais precisamente os donos do Tesla. Perante uma reserva para aluguer do Model X, o SUV eléctrico da marca americana, a Sixt contactou – eventualmente por não ter nenhum disponível, Monika Kindlein e o Manfred van Rinsum, casal bávaro que possui três Tesla e que habitualmente os aluga para casamentos e festas, realizando com isso algum encaixe financeiro.
Ora foi exactamente quando o seu Model X regressou do aluguer através da Sixt – o casal não sabia então quem era o cliente –, que os Kindlein & Rinsum repararam que o seu adorado Tesla parecia um chapéu de um pobrezinho. E mais, no porta-luvas, segundo o jornal alemão Der Spiegel, que colocou a boca no trombone em relação a esta aventura tipo 007 por parte da Mercedes, estava um papel onde estava escrito esta pérola: “estacionou incorrectamente”. Sucede que o papel era do Mercedes-Benz Technology Center, em Sindelfingen, na Alemanha. Eventualmente porque, algures antes ou depois do processo de “cópia”, o Model X foi estacionado no lugar que estava atribuído a algum quadro do centro de investigação aos carros da concorrência do fabricante alemão.
Mas o casal da Bavária já estava de sobreaviso em relação ao aluguer, isto porque pouco depois do Model X passar para as mãos do cliente da Sixt, os donos receberam uma notificação no telemóvel informando-os que o seu Tesla estava a ser recarregado num posto próximo de Barcelona. Mais longe do que o contrato de aluguer da Sixt à Mercedes permitia. Depois desta primeira habilidade, Kindlein & Rinsum passaram a seguir as deslocações do seu veículo, o que lhes permitiu confirmar que o SUV eléctrico esteve em pistas de testes próximos da capital da Catalunha e em Sindelfingen, outra actividade proibida pelo contrato da Sixt, ou de qualquer companhia de rent-a-car.
De acordo com o Der Spiegel, o Model X foi todo desmontado e voltado a montar, além de ter sido submetido a testes em condições extremas, incluindo pistas de vibração e pistas de tracção.
O aluguer ficou uma verdadeira pechincha
Ainda a mesma publicação, embora a Sixt tenha pago ao casal as despesas de reparação, bem como a desvalorização do veículo, devido ao mau estado em que ficou, determinado por um avaliador em cerca de 17.600€, os proprietários do Model X não se dão por satisfeitos. E, por isso, enviaram à Sixt uma factura no valor de 99.392,79€, o que inclui reparação, perda de facturação durante o longo período em que o veículos esteve parado para reparação e uma multa de 1.000€ por dia em que o carro foi indevidamente utilizado em pista de testes, o que é contratualmente proibido.
A Sixt apresentou a conta à Daimler, mas o casal alemão diz duvidar que os donos da Mercedes, ou a Sixt, venham a pagar a factura. Isto mesmo que os proprietários do Tesla venham a recorrer ao tribunal, pois qualquer uma das companhias tem recursos legais à sua disposição muito superiores aos do casal.
Em relação aos danos, a Daimler recusou-se a comentar esta situação específica, salientando que “é habitual alugar veículos para proceder a comparações e, caso estes sejam danificados durante o período de aluguer, os seguros normais são accionados e chega-se a um acordo que sirva a ambas as partes”. Contudo, o fabricante alemão nada disse em relação ao incumprimento dos termos específicos que figuram no contrato de aluguer, que assinou, e que o impedia de visitar pistas de testes ou desmontar o veículo.
E até é possível que a Mercedes não venha a pagar a compensação exigida pelo casal de alemães, mas a realidade é que já perdeu muito mais do que 99 mil euros só em prejuízos de imagem, depois de ter sido apanhada a “estudar” um modelo de um fabricante americano que todos os construtores alemães teimam em acusar de estar muito abaixo deles em matéria de potencial tecnológico.