Foi o último debate quinzenal do ano, mas não houve só desejos de boas festas e votos de boas entradas. Antes pelo contrário. Houve “insultos” e discussões acesas, sobretudo entre António Costa e Assunção Cristas, mas também entre António Costa e Hugo Soares, com o ministro Vieira da Silva a servir de arma de arremesso. O caso dos despedimentos dos CTT foi central, com os partidos da esquerda a manifestarem a sua preocupação e a desafiarem o Governo a reverter a privatização aprovada em 2014. Mas nisso, António Costa foi perentório: não haverá nacionalização, porque não há sequer uma privatização. O que há é um contrato de concessão, que quando muito pode ser rasgado antes do final do prazo, que é 2020. Mas Costa empurrou para a ANACOM e para o resultado do grupo de trabalho constituído para analisar o tema.

Como já vem sendo hábito em época natalícia, houve presentes. Assunção Cristas ofereceu a Costa o “espelho retrovisor” que tinha ficado prometido no Natal passado, com o objetivo de “não voltar aos padrões do passado”. E Costa usou o presente para justificar como hoje o país está melhor do que no passado, nomeadamente em termos de valor nominal do salário mínimo, que antes estava nos 505 euros e em janeiro vai estar nos 580. Hugo Soares e Passos Coelho chegaram a ausentar-se do plenário a meio do debate, depois de Costa acusar o líder parlamentar do PSD de “má educação” e “nervosismo”.

Eis os pontos centrais que marcaram o último confronto de 2017 entre os deputados e o primeiro-ministro:

CTT. Costa nega nacionalização, e passa bola à ANACOM

Governo lava daí as suas mãos. Foi o tema de abertura do debate, pela voz preocupada de Catarina Martins. Mas Costa procurou logo arrumar o assunto, dizendo que a questão da reestruturação dos CTT e do eventual plano de despedimentos e encerramento de balcões “não se coloca” ao Governo — pelo menos para já. Isto porque o Governo não recebeu da parte da administração dos CTT nenhuma proposta de reestruturação da empresa. “Não recebemos até agora qualquer proposta de reestruturação — só tenho visto nos jornais. Não me chegou até agora nenhum pedido de aumento da quota de rescisão por mútuo acordo, por isso a questão não se coloca ao Governo”, disse.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Não haverá nacionalização, quanto muito fim da concessão. Mas… A questão é quase semântica. António Costa foi incisivo quando disse que “não é intenção do Governo nacionalizar os CTT”, apesar de Catarina Martins e Jerónimo de Sousa o terem pedido. Isto porque os CTT não foram propriamente privatizados, mas sim concessionados. “Quando muito havia lugar a resgate da concessão”, disse Costa em resposta a Hugo Soares, mas sem abrir demasiado essa porta. Empurrando, aliás, tal decisão para a ANACOM e para o grupo de trabalho que foi entretanto criado para apurar todas as condições em causa. O contrato de concessão dos CTT termina em 2020 e o regulador já multou inclusive a empresa por incumprimento do contrato. Ainda assim, Costa duvida de que isso seja suficiente para rasgar o contrato antes do fim do prazo. “Aquilo que conhecemos é que a ANACOM já identificou uma situação de incumprimento do contrato e aplicou a correspondente sanção. Se isso é suficiente? Duvido que seja”, concluiu.

Um retrovisor e acusações duras entre Cristas e Costa

Um retrovisor de presente. Já vem sendo hábito e este último debate do ano não foi exceção. Assunção Cristas e António Costa protagonizaram um dos momentos mais tensos do debate, com o primeiro-ministro a fazer duras acusações à líder do CDS, a quem chamou de salta-pocinhas e a quem apontou a “irrelevância” e “falhanço” do CDS. Mas à semelhança do que tinha acontecimento no ano passado, pelo Natal, Cristas ofereceu um presente ao primeiro-ministro: um espelho retrovisor “para olhar para trás e ver que está a voltar a padrões antigos”. Costa viria depois a usar o presente, numa resposta a Jerónimo de Sousa, para mostrar como, olhando para trás, os indicadores económicos estão melhores. “Fizemos uma caminhada juntos”, disse, dirigindo-se ao secretário-geral do PCP.

O insulto e a irrelevância. Foi aqui que o debate mais desceu de nível. Depois de Assunção Cristas ter questionado o primeiro-ministro sobre a fragilidade do ministro Vieira da Silva na sequência do caso Raríssimas, do caso Autoeuropa e da falta de acordo no salário mínimo, António Costa atirou-se à líder centrista. Acusou-a de ser “irrelevante politicamente”, porque apesar de ter tido um bom resultado nas autárquicas em Lisboa, o CDS “vale apenas 12% na sociedade portuguesa” e é “à boleia do PPD-PSD” — “é essa a dimensão da sua relevância”; além disso, acusou-a de ter a “coerência de salta-pocinhas”, por já não falar da dívida líquida, que está a ser reduzida, segundo Costa.

Raríssimas: PSD pressionou, mas Costa pôs as mãos no fogo por Vieira da Silva

O PSD acusa Vieira da Silva de violar o código de conduta do Governo. Três vezes. Foram três as vezes em que Hugo Soares, líder parlamentar do PSD, desafiou António Costa a explicar se o ministro do Trabalho e da Segurança Social tinha ou não violado o código de conduta aprovado pelo próprio Governo na sequência do “Galpgate”. Os sociais-democratas argumentaram que, enquanto ex-vice-presidente da assembleia-geral da Raríssimas, Vieira da Silva estava impedido de tomar decisões sobre a associação e, ao fazê-lo, violou o código de conduta a que devem obedecer todos os governantes. “O ministro Vieira da Silva fez parte dos corpos sociais daquela IPSS e violou o código de conduta do Governo, o senhor primeiro-ministro é que não tem coragem de assumir”, atirou Hugo Soares.

António Costa coloca Vieira da Silva na equipa dos irremodeláveis. O primeiro-ministro resistiu à pressão do PSD. Na primeira vez que foi desafiado, foi taxativo na resposta: “Eu e o senhor ministro Vieira da Silva estamos de consciência totalmente tranquila”. O sinal era claro: depois de muito tempo em silêncio sobre o caso Raríssimas — António Costa demorou três dias a manifestar a tal “total confiança” no ministro, o que em política como no futebol costuma ser mau prenúncio — mas neste caso era a garantia do socialista de que Vieira da Silva está de facto de pedra e cal no Governo. Se dúvidas restassem, o primeiro-ministro ainda se comprometeu mais: “Não, Vieira da Silva não violou código de conduta nenhum”.

Montepio: António Costa defende-se do PSD com… Santana Lopes

O PSD queria saber se Governo pressionou Santa Casa a entrar no Montepio… Hugo Soares não trazia só a Raríssimas na manga. O líder parlamentar do PSD queria saber em que termos tinha sido feito o convite à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa para entrar no capital do Montepio. As suspeitas tinham uma razão de ser. Na segunda-feira, José Miguel Júdice acusou o Governo de António Costa, o ministro Vieira da Silva e o Banco de Portugal de terem pressionado Santana Lopes, enquanto provedor da Santa Casa, para que o agora candidato à liderança do PSD entrasse no capital do Montepio.

E António “Santana Lopes” Costa respondeu. O primeiro-ministro tinha uma resposta difícil de contornar para a bancada social-democrata: as garantias dadas pelo próprio Santana Lopes. Com o comunicado que o social-democrata enviara às redações nas mãos, António Costa leu na íntegra o que escrevera Santana Lopes: “‘O tema foi de facto, suscitado e tratado em reuniões havidas com o Governo e com o Banco de Portugal. Da parte dessas entidades, a matéria foi tratada com a SCML com a devida correção pessoal e institucional. As duas entidades assumiram ver com bons olhos essa possibilidade, tendo declarado sempre que respeitavam a esfera da autonomia da SCML. Tendo sido solicitada, pelo Governo e pelo Banco de Portugal, essa decisão, eu e a então Mesa da Santa Casa entendemos, como é natural, que antes de mais, deveria ser efetuada uma auditoria à situação quer da Caixa Económica do Montepio, quer do seu acionista, Associação Mutualista. Até à data em que cessei as funções de Provedor, esse estudo/auditoria, entregue a uma instituição financeira, ainda não tinha chegado, pelo que o processo não teve desenvolvimento’”. O comunicado de Santana Lopes, lido em voz alta por António Costa, deixou a bancada social-democrata sem grande margem para atacar.

Mas há ou não acordo entre a Santa Casa e o Montepio? Hugo Soares ainda insistiu, mas o primeiro-ministro não se comprometeu nem com valores — no artigo que escreveu no jornal Eco, José Miguel Júdice falou em 200 milhões –, nem com prazos. A auditoria ainda está a decorrer e, como tal, ainda não foi tomada qualquer decisão, avançou António Costa. Cristas ainda voltaria ao tema, mas o debate tornou-se rapidamente quase uma questão pessoal entre os dois.

Salário Mínimo Nacional nos 580 é pouco, insiste PCP. E leis laborais vão ser revertidas?

Insuficiente e culpa do Bloco. Foi assim que o PCP descreveu o falhanço do acordo entre o Governo e os parceiros sociais para o aumento do salário mínimo em janeiro. PCP, assim como a CGTP, queriam 600 euros já em 2018, mas Governo ficou-se pelos 580. É “insuficiente e limitado”, disse Jerónimo de Sousa, acusando o Governo de se “ter escudado no acordo com o Bloco de Esquerda”, que apenas previa que se chegasse aos 600 euros no final da legislatura. À direita, a falta de acordo na concentração social serviu de mais uma prova para apontar às “fragilidades” do ministro do Trabalho, Vieira da Silva.

Leis laborais vão ser revertidas? Costa diz que não. O PSD pegou no tema do salário mínimo para questionar o primeiro-ministro sobre se o Governo se comprometeu a alterar legislação laboral, como é exigência da esquerda. Mas Costa rejeitou. “Não revimos a legislação laboral porque foi esse o compromisso”, disse.