Quando um Presidente recebe um diploma em Belém tem sempre três opções: promulga, veta ou envia para o Tribunal Constitucional (TC). Tem 8 dias para decidir se envia para o TC, mais 12 para decidir se veta. Uma coisa é certa: em 20 dias tem de promulgar. No caso das alterações à lei do financiamento dos partidos, Marcelo Rebelo de Sousa não optou por nenhuma das três opções — dominando a Constituição, agarrou-se a uma norma relativa às leis orgânicas para evitar um choque político estrondoso com um órgão de soberania, dando tempo aos partidos para reverem posições.
E isto porque , se quisesse, Marcelo Rebelo de Sousa podia ter, ele mesmo, pedido já a fiscalização preventiva do diploma que lhe chegou na sexta-feira passada às mãos e que analisou esta terça-feira “à noitinha”. Quem o diz são dois constitucionalistas contactados pelo Observador. Jorge Miranda afirma até “ter esperança que o Presidente peça a fiscalização preventiva”, referindo-se à polémica que envolve as alterações à lei dos financiamentos partidários como “uma coisa espantosa”. Sobre a Constituição, no entanto, garante que o que lá consta não é o que Marcelo Rebelo de Sousa diz quando argumenta estar de mãos atadas durante oito dias:
Não pode promulgar, mas pode requerer a fiscalização preventiva já”, garante Jorge Miranda.
Numa nota publicada no site oficial da Presidência, Marcelo invocou uma norma constitucional para argumentar que “não se pode pronunciar antes de decorridos oito dias”. “Com todo o respeito, isso não está certo”, diz Jorge Miranda ao Observador. De facto, por as alterações do Parlamento tocarem também uma Lei Orgânica, os deputados ou o primeiro-ministro podem também eles requerer a fiscalização preventiva da constitucionalidade, mas isso não impede o Presidente de fazer o mesmo já. “Não pode promulgar, mas pode requerer a fiscalização preventiva já”, garante o constitucionalista, e isto não diminui o direito dos partidos fazerem o mesmo: “É um poder cumulativo com o do Presidente”.
Tiago Duarte, outro constitucionalista ouvido pelo Observador, argumenta no mesmo sentido: “O Presidente pode enviar já para o Tribunal Constitucional”. Não tem de esperar pelos partidos para se pronunciar, ao contrário do que se alega na nota presidencial.
A Constituição, na norma citada pelo Presidente para justificar por que motivo não decidiu já o que fazer, define que “o Presidente da República não pode promulgar os decretos a que se refere o n.º 4 [leis orgânicas] sem que decorram oito dias após a respetiva receção” do diploma. Ora, Marcelo, na nota divulgada, substitui o “não pode promulgar” por um “não se pode pronunciar”. Trata-se de uma leitura mais restritiva do seu poder que tem uma intenção: evitar uma resposta radical a um diploma que reuniu um consenso alargado na Assembleia da República.
O que Marcelo estava impedido de fazer neste momento era apenas promulgar e vetar. “Nestes primeiros oito dias, como o primeiro-ministro ou um quinto dos deputados podem pedir a fiscalização preventiva, o Presidente não pode praticar nenhum acto que inviabilize esse direito”, explica Tiago Duarte. Se promulgasse ou vetasse politicamente a lei, os deputados já não poderiam pedir a fiscalização preventiva. Já se pedisse a fiscalização preventiva, não estava a bloquear nenhuma das partes.
O facto é que os partidos também dificilmente teriam interesse em usar essa sua prerrogativa, já que o diploma que saiu do Parlamento teve o acordo de todas as bancadas, à exceção do CDS e do deputado do PAN. E preparam-se para deixar mesmo a questão nas mãos do Presidente da República, ignorando o desafio lançado a partir de Belém. “A lei foi aprovada por todos os partidos, menos o CDS e o PAN, que não reúnem um quinto dos deputados”, nota o constitucionalista Jorge Miranda.
Além da questão da (falta de) vontade política, caso um grupo de 46 deputados (o mínimo que se exige) quisesse mesmo pedir a fiscalização preventiva, já só teria três dias para o fazer e só podia fazê-lo relativamente às leis orgânicas alteradas: Lei dos Partidos Políticos e Lei da organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos. As dúvidas maiores que têm sido suscitadas são relativas às alterações da Lei do Financiamento dos Partidos, mas sobre essa os partidos apenas poderiam pedir fiscalização sucessiva (que não tem prazos para decisão do Tribunal Constitucional). “As lei estão juntas mas têm regimes diferentes, por isso o decreto não pode ser cortado pela metade”, explica Tiago Duarte.